Psicologia com indígenas rompe limites tradicionais da área

Instituto da USP faz acompanhamento psicossocial e inaugura casa de culturas indígenas no dia 16 de março

 08/03/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 13/03/2017 as 16:48
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Atualizado em 13 de março, às 16h45

Rede de Atenção à Pessoa Indígena do Instituto de Psicologia da USP busca compreender as vulnerabilidades psicossociais vivenciadas pelos indígenas – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Os indígenas são parte fundamental da formação do Brasil. Apesar disso, muitos estão vulneráveis e enfrentando sérios problemas, como falta de escolas, atendimento médico e demarcação de terra. Para ajudá-los a entender e enfrentar esses problemas, voluntários do Instituto de Psicologia (IP) da USP fundaram a Rede de Atenção à Pessoa Indígena.

O projeto teve início em 2012, quando o professor Danilo Silva Guimarães, do Departamento de Psicologia Experimental do IP, propôs uma aproximação com as comunidades indígenas de São Paulo. “No primeiro momento, o objetivo era promover uma escuta das vulnerabilidades que eles enfrentam e entender como essas comunidades se articulavam do ponto de vista das relações com o Estado e com organizações não governamentais”, diz Guimarães.

A rede usa o conhecimento da psicologia para compreender as inseguranças psicossociais encaradas pelos indígenas, com escuta de relatos em rodas de conversas, acompanhamento de práticas tradicionais de intervenções em saúde e práticas pedagógicas nas escolas em que estudam alunos indígenas.

“Não fazemos um atendimento psicológico no sentido clássico, mesmo porque partimos do pressuposto de que há necessidade de revisar as estratégias clássicas da psicologia no trabalho com povos indígenas”, explica Guimarães. Isso porque a psicologia nasceu como ciência dentro de um contexto europeu e não retrata a vivência dos indígenas.

Danilo Silva durante construção da Casa de Cultura Indígena no IP - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Professor Danilo Silva Guimarães – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A ideia de construir a Rede de Atenção à Pessoa Indígena começou a ser estudada durante a tese de doutorado de Guimarães, defendida em 2010, quando ele estudou a noção de perspectiva dentro da psicologia cultural e na teoria do perspectivismo ameríndio, uma teoria antropológica desenvolvida pelo pesquisador Eduardo Viveiros de Castro. “A partir desse trabalho acadêmico e a minha entrada como docente no Instituto de Psicologia, resolvi dar um salto e ampliar de uma pesquisa teórica para um trabalho que envolvesse também um contato com as pessoas.”

Em 2004, houve uma demanda das comunidades indígenas para um diálogo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Um encontro discutiu o assunto e, a partir disso, ocorreu uma recomendação para todos os Conselhos de Psicologia trabalharem a questão indígena.

O Conselho Regional construiu um grupo de trabalho, o GT Psicologia de Povos Indígenas, que, ao longo dos anos, desenvolveu rodas de conversa com diferentes comunidades dentro do Estado de São Paulo. Guimarães participou das reuniões desse GT e  levou para a Universidade a possibilidade de ampliação e conhecimento acadêmico. “Eu sentia falta porque o trabalho era feito, mas não tinha muitas referências. Historicamente, a psicologia não construía um conhecimento profundo para orientar os trabalhos dos psicólogos junto aos indígenas.”

Casa das Culturas Indígenas

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O xeramõi Bastião – Foto: Anátale Garcia /IP

Para 2017, a rede trouxe uma proposta inovadora para estreitar a relação da USP e as comunidades indígenas: uma Casa das Culturas Indígenas.

O projeto começou no dia 30 de janeiro com uma oficina de verão para a construção do espaço dentro do Instituto de Psicologia, na Cidade Universitária. A oficina foi chamada de Orereko [lê-se orerecó] – vem do guarani e significa “nosso modo de vida”. De acordo com o professor do IP, todo o projeto da casa foi feito de forma dialogada com o xeramõi Bastião.

Xeramõi significa “meu avô” e é a forma como os guaranis nomeiam os mais velhos e que possuem mais conhecimento. “Ele foi designado para ministrar esse oficina e trouxe alguns indígenas para colaborar. Também tivemos alunos participando; tudo foi realizado colaborativamente, com as pessoas se envolvendo na atividade o quanto se sentem confortáveis”, disse Guimarães.

A ideia era fazer uma construção no mesmo formato realizado pela comunidade Guarani, desde o formato da casa, em meia-lua, até o material utilizado. Como as plantas nativas não podem ser extraídas, o eucalipto foi o substituto na construção. Os indígenas propuseram a posição da casa para que a janela fosse voltada para a direção em que o sol nasce.

A casa possui 48 metros quadrados com seis metros de largura e oito metros de comprimento. Ela é semelhante às da cultura tradicional da etnia Mbya Guarani [lê-se mbiá guarani]. Há três denominações Guaranis no Brasil: Mbya, Ñandeva e Kaiowá, mas em outras regiões elas podem assumir outras nomenclaturas.

 

20170308 Casa de Culturas Indgenas
Casa das Culturas Indígenas está localizada no IP, na Cidade Universitária – Foto: Anátale Garcia/IP

Como preparação para o projeto, foi realizada uma oficina com o Laboratório de Culturas Construtivas, coordenado pelo professor Reginaldo Ranconi, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), na qual os próprios guaranis orientaram os tipos de materiais necessários.

Por outro lado, a engenharia da casa precisou adaptar a tradição guarani às normas de segurança da construção civil. Dessa forma, além da necessidade de que a coordenação do trabalho fosse feita por uma liderança Mbya Guarani – o xeramõi -, foi necessário ajustar o projeto às especificações e normas técnicas exigidas pela Superintendência do Espaço Físico (SEF) da USP.

Construção da Casa de Cultura Indigena no IP - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Casa das Culturas Indígenas quando ainda estava em construção – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

David Martim é liderança guarani e representa os núcleos familiares dentro das aldeias. Ele afirma que em todo tipo de projeto que envolve a cultura da aldeia e que vai ser passado para o não indígena, precisa ter uma conversa com a comunidade para ver como ela vai reagir.

Para Martim, quando se trata de uma construção como esta, a presença do xeramõi é o mais importante. “Ele é fundamental para que se possa conduzir o trabalho dentro da nossa cultura”, afirma.

O xeramõi Bastião afirma que essa é a primeira casa tradicional construída na cidade por  ele. Perguntado sobre o significado da construção, o líder revela o que esse projeto representa: “A casa simboliza sabedoria e costuma funcionar como um local de reuniões e, até mesmo, de realização de batismos”.

No espaço, serão realizadas atividades que envolvem a disseminação da língua e outras expressões culturais, oficinas de “contação de histórias” indígenas, além de rodas de conversa sobre temas relevantes para as comunidades indígenas no mundo contemporâneo, seus conflitos e estratégias de superação. Ali também serão feitas reuniões de planejamento da Rede de Atenção, que tem por objetivo elaborar possíveis contribuições da psicologia cultural no atendimento às vulnerabilidades psicossociais de pessoas e comunidades indígenas.

“Ao mesmo tempo que os estudantes vão até as comunidades e aprendem muitas coisas, os indígenas também virão até a USP e trocarão conhecimentos com a comunidade acadêmica. É um saber milenarmente construído por esses povos e que, muitas vezes, a própria Universidade desconhece”, afirma o professor do IP.

A construção foi financiada pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) e pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP (PRCEU-USP). O espaço será inaugurado no dia 16 de março, às 14 horas, entre os blocos C e D do Instituto de Psicologia.

 

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Com informações de Anátale Viana Garcia/ do IP Comunica


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