Projeto usa Inteligência Artificial para diferenciar heterônimos de Fernando Pessoa

Grupo de estudantes da USP desenvolve estudos em diferentes áreas da Inteligência Artificial para complementar aprendizado em sala de aula

18/09/2020

David Ferrari

Arte sobre foto Freepik/Wikimedia Commons

O poeta português Fernando Pessoa é famoso por ter criado heterônimos, ou seja, autores fictícios com estilos e personalidades diferentes de escrita. Seria possível fazer distinção dos poemas de Alberto Caeiro e Ricardo Reis através de mecanismos computacionais? Para um grupo de estudantes da USP, sim. Eles aplicaram Machine Learning para criar um Classificador de Poemas do Fernando Pessoa. 

O Machine Learning é uma área da Inteligência Artificial (IA) que, de uma forma simplista, pode ser explicada como o desenvolvimento de um sistema para fazer o computador “pensar” como uma pessoa para executar tarefas. Para criar o classificador de poemas, o Grupo Turing usou Processamento de Linguagem Natural (PLN), ou, em inglês, Natural Language Processing. Ela é uma área da Inteligência Artificial para a interpretação e manipulação de linguagens humanas.

“Montamos um modelo que conseguia dizer se um poema é do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos através da análise do vocabulário, estilo e outras técnicas, por exemplo”, conta Julia Pocciotti, estudante de Letras da USP e líder da área de Processamento de Linguagem Natural do grupo. O classificador considera os quatro principais heterônimos com mais textos disponíveis: Bernardo Soares, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Para entender mais detalhes de como foi criado o projeto e o seu funcionamento, acesse aqui.

O grupo Turing, da Escola Politécnica (Poli) da USP, em São Paulo, foi criado em 2016 por uma turma de amigos que queriam aprender mais sobre a lA. “O Turing tem três pilares: estudar, aplicar e disseminar Inteligência Artificial”, diz Julia. Hoje, eles contam com 50 pessoas, entre estudantes de graduação e pós-graduação de diversas unidades da USP, como Poli, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e Instituto de Matemática e Estatística (IME). O principal propósito é fomentar os estudos, desenvolvimento e disseminação da Inteligência Artificial.

Foto: Arquivo Pessoal

Julia Pocciotti, estudante de Letras da USP e líder da área de Processamento de Linguagem Natural do grupo Turing - Foto: Arquivo Pessoal

A IA sabe tudo sobre nós?

Os estudantes se dividem em áreas dedicadas a estudar distintas aplicações da IA que já estão presentes no nosso dia a dia. Por exemplo, a Inteligência Artificial está em indicações de filmes em plataformas de streaming ou mesmo na identificação de objetos em fotos.  

O primeiro caso utiliza o Machine Learning. A partir dos filmes que você consome, os seus dados começam a ser analisados pelos programas ou sites, o que permite construir um perfil de interesse e hábitos. Com esses dados, os filmes são indicados de acordo com o perfil de uso de cada usuário. No segundo caso, atua principalmente com a Visão Computacional, área voltada ao estudo das imagens, que consegue identificar os elementos que compõem as fotos. 

Outras aplicações da IA no nosso cotidiano está ao abrirmos um site qualquer e encontrar um anúncio do mesmo produto que havíamos pesquisado no Google dias antes; receber uma notificação do Facebook dizendo que postaram uma foto em que supostamente você está nela; conversar com a Alexa, assistente de voz da Amazon, e pedir para ela tocar uma música.

Entendendo as diferentes áreas da IA

Conheça as áreas que o grupo Turing estuda e desenvolve projetos

A Visão Computacional é dedicada ao estudo de processamento de imagem, algoritmos de classificação e segmentação de imagens. “A Visão Computacional aparece no nosso cotidiano frequentemente, seja com um filtro no Instagram que detecta onde há um rosto ou num aplicativo que faz reconhecimento de caracteres através da câmera”, explica Luísa Heise, integrante do grupo e estudante de Engenharia de Produção. 

O Processamento de Linguagem Natural (NLP) é uma área complexa, pois foca  algoritmos que visam à geração, entendimento, classificação e outras tarefas computacionais envolvendo linguagens humanas naturais. Ou seja, há a tentativa de “ensinar” o computador a produzir, classificar ou entender a linguagem humana. Segundo Luísa, “recentemente uma empresa chamada OpenAI lançou um modelo que é capaz de interpretar texto, respondendo questões que não estão explícitas no texto, fazer perguntas e respostas e até mesmo escrever poemas. O NLP também está nas nossas vidas, seja em um tradutor ou corretor de texto do celular”.

A área de Aprendizado por Reforço é uma das que atuam no ensinamento de máquinas e é fundamentada a instruir um agente, no caso a máquina, a como agir em um determinado ambiente a partir de suas experiências. Exemplo da aplicação dessa estrutura é fazer com que um computador jogue sozinho xadrez ou videogame, por exemplo. 

Para a disseminação de atividades e estudos, os participantes do Turing organizam eventos, workshops, blog com tutoriais e projetos, além de compartilhá-los pelas redes, principalmente através de tutoriais no Youtube e no blog do Turing. Através desses meios, os integrantes elaboram aulas e passo-a-passo de como criar modelos. Eles também disponibilizam os códigos de programação desses modelos em uma plataforma on-line, todos open-source.

Complemento ao aprendizado em sala de aula

A Universidade é tida como um lugar de inovação. E ter contato com Inteligência Artificial durante a formação é motivo de muito orgulho para Julia. Segundo ela, sem o Turing, dificilmente teria contato com esse tipo de tecnologia. Além disso, a estudante afirma que poder trabalhar com essa área é muito gratificante.

 “Uma das coisas que me motivam é que a grande maioria das novas tecnologias envolve Inteligência Artificial. Isso é muito motivador e também é um privilégio poder atuar na faculdade com algo que é o futuro”, destaca a estudante.

Já para Luísa Heise, o contato com a IA representa a complementação de sua formação em Engenharia de Produção. “Entendo a Inteligência Artificial como uma ferramenta muito poderosa para solucionar diversos problemas e para gerar e otimizar muitas soluções. Como a área de Engenharia de Produção é muito focada em gestão e otimização, eu acho que é algo extremamente útil para minha formação.”

Foto: Arquivo Pessoal

Luísa Heise, integrante do grupo Turing e estudante de Engenharia de Produção - Foto: Arquivo Pessoal

Para poder participar, não é necessário ter conhecimento prévio em programação ou IA. “Sou de Letras com habilitação em Linguística, e eu não sabia nada de linguagem de programação. Aprendi no decorrer do processo seletivo, que conta com monitorias” salienta Julia. Ela complementa dizendo que o Turing também oferece cursos de capacitação aos recém-ingressantes, com aulas e monitorias.

Integrantes do grupo Turing reunidos antes da pandemia - Foto: Arquivo Pessoal