O amor de Romeu e Julieta analisado pela matemática

Ainda não foi descoberta a fórmula matemática do amor, mas, na USP em São Carlos, já se criou uma semana para discuti-la

 04/10/2016 - Publicado há 7 anos

É sexta-feira à tarde e o amor toma conta do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos. “Mas o que é o amor?”, pergunta o pós-doutorando Jackson Itikawa para a plateia que está no auditório Fernão Stella de Rodrigues Germano, composta majoritariamente de estudantes da área de matemática, matemática aplicada e estatística.

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O pós-doutorando Itikawa diante de um interminável ciclo de amor e ódio – Foto: Denise Casatti/ICMC

Primeiramente, ele recorre à definição de William Shakespeare: “Amor é uma fumaça que se eleva com o vapor dos suspiros; purgado, é o fogo que cintila nos olhos dos amantes; frustrado, é o oceano nutrido das lágrimas desses amantes…”. A seguir, pede ajuda a outro inglês famoso: Isaac Newton. “Ele é um dos pais do cálculo diferencial”, revela Itikawa, já que é no universo das equações diferenciais que o pós-doutorando mergulha, logo depois, para compreender uma das mais conhecidas relações amorosas de todos os tempos.

“Romeu e Julieta: um caso de amor diferencial” é o título dado por Itikawa à palestra que marcou o encerramento de uma semana inteira dedicada à matemática. Ao todo, o Simpósio de Matemática para a Graduação (SiM) contabilizou 17 palestras, sete minicursos, três mesas-redondas, duas oficinas, uma apresentação teatral, uma apresentação musical, um lançamento de livro e 26 apresentações de projetos de iniciação científica.

Se o amor fosse linear

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Analisando cada quadrante é possível entender um caso de amor muito particular – Reprodução/Jackson Itikawa

Se pudéssemos transformar o amor de Romeu e Julieta em uma equação diferencial, seria possível medir a taxa de variação dos sentimentos de cada um ao longo do tempo. “No entanto, a vida é extremamente não linear, assim como o amor, e são necessárias inúmeras variáveis para analisá-la”, alerta o pesquisador. Por isso, infelizmente, a humanidade ainda não pode dizer que encontrou a fórmula do amor.

Apesar disso, Itikawa pede licença à plateia para analisar um caso particular de amor linear e apresentá-lo matematicamente. Nesse caso, Romeu está apaixonado por Julieta e responde aos sentimentos que ela tem por ele. Dessa forma, ele fica apaixonado quanto mais ela o ama e fica mais desinteressado quanto mais ela o odeia. Entretanto, os sentimentos de Julieta variam de outra forma.

Quanto mais Romeu manifesta seu amor, mais Julieta se afasta e o odeia. E quando Romeu se afasta, ela volta a se aproximar e a amá-lo. No intuito de facilitar a visualização sobre esse caso de amor, o pós-doutorando colocou em um plano os resultados das equações diferenciais que modelam o amor desse casal. O que vemos é um interminável ciclo de amor e ódio.

No quadrante superior direito, quando os dois amantes estão apaixonados, nota-se que quanto mais Romeu ama Julieta, ou seja, quanto mais positivos são os valores no eixo R, mais Julieta o odeia, ou seja, menores são os valores no eixo J. O oposto ocorre no quadrante inferior esquerdo, quando os dois amantes estão se odiando: quanto mais Romeu odeia Julieta, ou seja, quanto mais negativos são os valores no eixo R, mais Julieta o ama, ou seja, maiores são os valores no eixo J. Até que mudamos de quadrante (superior esquerdo) e passamos a ter valores positivos no eixo J, o que significa que Julieta passa a amar Romeu, mas ele continua a odiando. O fato é que, como ela passou a amá-lo, ele logo reage aos sentimentos dela, como um espelho. Mas quando ele começa a amá-la (veja novamente o quadrante superior direito), ela passa a odiá-lo.

Itikawa encerrou a palestra adicionando diversas interferências ao modelo linear apresentado e mostrando como essas perturbações alteram um sistema dinâmico e o tornam instável, tal como a vida e o amor.

Cinco dias para amar

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Maratona de atividades marcou o simpósio: foi a primeira vez que o evento se estendeu por cinco dias – Foto: Denise Casatti/ICMC

Um das novidades do SiM este ano foi que, pela primeira vez, o evento se estendeu por cinco dias. “Também oferecemos sete minicursos, três deles aconteceram durante o dia e quatro à noite, e contamos com uma maior participação dos estatísticos, o que tornou nossa programação mais abrangente”, revela a professora Thaís Jordão, coordenadora do evento, que já está em sua 19ª edição e contabilizou um recorde de inscritos neste ano: 200 no total.

O uso do celular inteligente nas aulas de matemática foi um dos minicursos oferecidos. “Queremos mostrar que é possível explorar uma tecnologia que vem ganhando cada vez mais espaço no cotidiano das pessoas e utilizá-la na educação”, conta o professor Marcus Maltempi, da Unesp, campus de Rio Claro. Ele ministrou o minicurso juntamente com sua orientanda, Laís Romanello, que faz mestrado na Unesp.

“Em minha pesquisa, abordei o conceito de função com estudantes do nono ano do ensino fundamental por meio de um aplicativo e de atividades investigativas”, explicou Laís. “No início, imaginei que a atenção deles iria ficar dispersa por causa do uso do celular em sala de aula. Mas conseguimos trabalhar bem os conceitos, eles exploraram as atividades propostas e as discussões no final do projeto foram muito ricas. Eles foram além do que estava proposto”, completa a pesquisadora. Durante o minicurso, os participantes tiveram a oportunidade de criar propostas para o uso do celular nas aulas de matemática.

Mostrar os encantos da área de ciências exatas para estudantes do ensino básico também foi o objetivo de outra atividade realizada durante o SiM: duas escolas estaduais de São Carlos conheceram o ICMC por dentro durante a Casa Aberta. Uma turma de 40 estudantes entre 14 e 18 anos, da Escola Estadual Sebastião de Oliveira Rocha, vislumbrou quanta matemática, computação e estatística há no jogo Pokémon GO.

Já os 33 estudantes da Escola Estadual Jesuíno Arruda conheceram o Museu de Computação Odelar Leite Linhares e o Laboratório de Ensino de Matemática. Eles ainda participaram de um bingo em que, para ganhar, era preciso resolver diversos desafios matemáticos. “Minha vontade é ser uma pesquisadora em matemática”, disse Lauder dos Santos, 16 anos, após a visita. Ela já ganhou quatro medalhas de ouro e uma menção honrosa na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas.

Brilho no olhar

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Duas escolas estaduais conheceram o ICMC durante o evento – Foto: Denise Casatti/ICMC

O mercado de trabalho e a vida profissional na academia e nas empresas também foram tema de várias palestras e de duas mesas-redondas. Ao falar sobre a vida profissional de um estatístico, Ângela Achcar destacou: “Eu preciso ter brilho no meu olhar”. Ela apresentou sua trajetória profissional e explicou os motivos que a levaram a decidir mudar algumas vezes de emprego e de área. Para ela, essa é a grande vantagem da estatística: a diversidade de campos em que o profissional pode atuar.

Graduada em Estatística na Universidade Federal de São Carlos e com mestrado em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ângela trabalhou sete anos na Serasa Experian e cinco anos no banco Itaú Unibanco.

Na mesa-redonda sobre mercado de trabalho, três ex-alunos e um mestrando do ICMC falaram sobre sua trajetória na graduação, as experiências em estágios e as oportunidades que surgiram durante esse período. Eles contaram, ainda, como é a rotina de trabalho de cada um, reforçando que um dos principais desafios, quando contratados, foi se adequarem à cultura das empresas.

Participaram do bate-papo: Thais Romero, formada em Estatística pelo ICMC, ela trabalha atualmente na área de qualidade de dados da Serasa; Camila Antunes, formada em Matemática Aplicada e Computação Científica pelo ICMC, hoje atua na área de planejamento e estratégia comercial de microempresas do Banco Itaú Unibanco; Danilo Oliveira, formado em Engenharia da Computação pela UFSCar, agora é mestrando no ICMC e trabalha na empresa Openlex; e Flavio Batista, formado em Ciências de Computação pelo ICMC, hoje diretor técnico da empresa Veridu.

Eles amam a Garfields

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Os que amam a medalha Fields tiveram a chance de fazer uma apresentação oral e concorrer à Garfields – Foto: Denise Casatti/ICMC

O encerramento do SiM foi marcado pela presença do gato Garfield. Em 2014, os organizadores do simpósio se inspiraram no prêmio mais cobiçado e adorado por matemáticos em todo o mundo, a medalha Fields, e criaram a medalha Garfields.

O objetivo da Garfields é reconhecer os alunos que se destacam nas apresentações de seus projetos de iniciação científica na modalidade oral. Aqueles que optam pelo formato de pôster concorrem a uma menção honrosa.

No encerramento do simpósio, também foram reconhecidos os alunos do ICMC que conquistaram as maiores médias nos cursos da área de Matemática e Estatística. Confira a lista com o nome de todos os estudantes premiados neste link.

 

 


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