Jogo de tabuleiro Trilhas Urbanas - Foto: Cedida pela estudante

Jogo de tabuleiro aproxima as crianças das discussões sobre os espaços públicos

Criado por uma estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Trilhas Urbanas é um dos cinco finalistas da quinta edição do Prêmio Design Tomie Ohtake

 27/04/2023 - Publicado há 12 meses

Maria Fernanda Barros

Ao perceber a importância de incluir as crianças no debate sobre o funcionamento das cidades, Beatriz Martinez, aluna da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, desenvolveu o jogo de tabuleiro Trilhas Urbanas. Inspirada na metodologia do educador Paulo Freire, a proposta da estudante de tornar a infância um agente da transformação dos espaços públicos, mediante uma atividade lúdica e pedagógica, é uma das cinco finalistas do 5º Prêmio Design Tomie Ohtake. “É muito importante falar sobre urbanismo com as crianças. A cidade traz questões didáticas em relação ao que é  ser cidadão”, comenta Beatriz.  

Os traços iniciais do projeto apareceram a partir de um trabalho da graduação realizado com as crianças da Brasilândia, na zona norte de São Paulo. “A ideia era escutar as crianças e entender, de uma forma lúdica, como poderíamos elaborar um espaço de brincar”, conta. Por meio desse diálogo, Beatriz e outras colegas do curso prepararam uma atividade que projetava  o percurso da casa das crianças até a escola, com as características do território do bairro. O objetivo era compreender como cada uma delas pensava o local onde vive, e segundo a aluna, essa experiência não só originou a iniciativa como também encabeçou o CoCriança, antigo projeto de cultura e extensão da Universidade que atualmente é uma organização da sociedade civil, apoiada pelo programa da USP Aprender na Comunidade.

Beatriz Martinez - Foto: Arquivo Pessoal

TRILHAS URBANAS: UM JOGO PARA INTERVIR NA CIDADE

Diferentemente da atividade elaborada na Brasilândia, o Trilhas Urbanas não cobre apenas uma área territorial específica. Beatriz elevou a complexidade da brincadeira criando um jogo universal, que pode ser aproveitado por crianças em qualquer contexto. O jogo parte da mesma narrativa em que a criança sai de sua casa para a escola, e nesse trajeto ela repensa sobre problemáticas gerais presentes nas cidades. 

Legenda

1. 1 caixa
2. 2 peças (casa e escola)
3. 7 peças de paisagens urbanas
4. 6 dados iconográficos opcionais

5. 2 dados iconográficos obrigatórios
6. 1 dado numérico
7. 5 peões
8. 50 folhas-ponto

9. 20 cartas-solução de ações urbanas
10. 14 cartas-solução de ferramentas
11. 14 cartas características
da cidade

12. Manual do educador (com referências de intervenções urbanas de diversas escalas)
13. Manual de urbanismo tático (com exemplos de intervenções pontuais)

Preparando para jogar

Os jogadores montam o tabuleiro com as paisagens por onde querem passar no trajeto casa/escola

Sorteamos 3 características da cidade que devem ser melhoradas. Estes serão os desafios coletivos. Todos devem colaborar para o desenvolvimento sustentável da cidade

Cada jogador recebe 5 cartas de solução de problemas, que devem ser mantidas em segredo

Começando a jogar

PASSO 1

Com a rolagem de um dado numérico, os peões vão caminhando em direção à escola.

PASSO 2

Cada vez que o jogador 1 para em uma casa, o jogador 2 (à sua esquerda) deve rolar os dados iconográficos.

PASSO 3

Jogador 2 olha os ícones do dado e elabora uma narrativa, como por exemplo:

"O dia estava ensolarado e resolvi ir para a escola de bicicleta. No caminho, me deparei com uma placa que informava que ali perto tinha uma praça e decidi passar lá rapidinho. Quando cheguei lá notei que uma multidão observava um pássaro cantando. De repente, um barulho, era um galho que quebrou."

PASSO 4

E desafia o jogador 1 a solucionar o problema; o jogador 1 olha as cartas disponíveis e cria uma solução.
Por exemplo, as cartas podem indicar: manutenção, áreas verdes ou martelo e prego.

PASSO 5

Com as cartas disponíveis, as soluções poderiam ser: investir em áreas verdes ou na manutenção das árvores. Além disso, com as ferramentas martelo e prego, o jogador pode argumentar em soluções como reutilizar o galho de árvore para construir casinhas para pássaros. Tudo depende da imaginação e do repertório do jogador.

PASSO 6

O jogador 1 expõe a solução para o grupo, que decide se é uma boa solução ou não. Grupo aprova: jogador 1 ganha 5 pontos.
Grupo não aprova: o desafio vai para o próximo jogador, valendo 4 pontos.
Se nenhum jogador conseguir resolver o problema, o jogador 2 e a cidade perdem pontos.

Infografia: Maria Fernanda Barros

Ela explica que se trata de um jogo semicooperativo: “Se ninguém resolver os problemas da cidade, todo mundo perde. O jogo tem um lugar de discussão, não existe resposta certa nem errada, existe um lugar de diálogo em torno da solução”. Para elaborá-lo, Beatriz conta que foi essencial ouvir o seu público-alvo. Durante a pandemia, quando estava no processo de construção do projeto, a estudante realizou chamadas de vídeo com as crianças para captar suas perspectivas. “As crianças me ajudaram nesse processo de saber qual é a linguagem certa, de imaginar coisas possíveis para criar o jogo”, diz. 

A grande questão do trabalho com as crianças é conseguirmos transformar assuntos que são sérios e profundos em assuntos adaptados à linguagem delas. Eu não acredito que devemos simplificar nada para as crianças, mas sim transportar a profundidade e a complexidade das coisas do mundo para a linguagem delas.” 

Beatriz Martinez, aluna da FAU e idealizadora do projeto Trilhas Urbanas, finalista do 5º Prêmio Design Tomie Ohtake

Além da pesquisa com as crianças, a orientação das professoras da FAU Karina Leitão e Catarina Pinheiro também compôs uma importante base para a concretização da iniciativa. “As professoras têm um olhar para o ser humano que engrandece toda a teoria. Elas não só me deram toda a bagagem teórica, mas me ajudaram a colocar em primeiro lugar o aprendizado que temos com as pessoas reais”, pontua a finalista do prêmio. Foi na disciplina ministrada por Karina e Catarina que surgiu o CoCriança, e até hoje as docentes atuam no conselho da organização.

Beatriz no início do projeto CoCriança - Foto: Arquivo Pessoal

O olhar social na arquitetura e no urbanismo

Para muitos, a relação pode não ser tão óbvia, mas a estudante afirma que é inimaginável desvincular a prática da arquitetura do papel social do arquiteto. Segundo Beatriz, a desigualdade social no Brasil e no mundo é refletida na forma de construção do espaço, e o papel da profissão é aliviar essas tensões de classe transpostas nas cidades. 

O diferencial do Trilhas Urbanas vem, justamente, do propósito da aluna de unir a graduação com a ação social. Para ela, a indicação ao prêmio representa uma oportunidade de impactar mais crianças, de uma forma lúdica e divertida. “Um sonho seria que as escolas públicas pudessem utilizar o jogo como parte do material didático”, diz. 

Elaboração do jogo "Trilhas Urbanas" - Foto: Cedida pela estudante

O jogo será lançado pela editora Pistache e pelo projeto Casacadabra, que são os principais parceiros na sua elaboração. Apesar disso, o Trilhas Urbanas não está em circulação, pois não foram obtidos investimentos suficientes para a realização da primeira tiragem. O Casacadabra cria publicações e produtos educativos sobre arquitetura para as crianças e em breve lançará um crowdfunding para a fabricação do jogo.

Entrelaçar a arquitetura e o urbanismo com as pautas políticas da sociedade também é dever da Universidade, aponta a aluna. O principal passo para que a USP se aprofunde nesse trabalho, de acordo com Beatriz, é aumentar os projetos de cultura e extensão. “É preciso que a Universidade se abra ainda mais para ouvir a nossa sociedade”, manifesta. 

O design do jogo, enquanto produto e diagramação, foi realizado pela estudante Beatriz Martinez. As ilustrações do primeiro protótipo foram elaboradas com a ajuda da aluna de design Ana Fuku, para a finalização das imagens e desenho dos personagens. No segundo protótipo, em que Beatriz está trabalhando no momento e que será exposto no Instituto Tomie Ohtake, as ilustrações foram desenvolvidas por Bruna Martins, também formada pela FAU.

Dos cinco finalistas, serão selecionados dois vencedores, mas todos os projetos que estão concorrendo serão expostos no Instituto Tomie Ohtake no próximo mês. O evento de abertura da exposição acontecerá às 19 horas do dia 16 de maio, quando também serão anunciados os ganhadores do prêmio. Saiba mais sobre os finalistas neste link.


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