.
Uma sala de aula sem fronteiras, em que os novos conhecimentos chegam aos alunos respeitando o tempo de aprender de cada um. Quando há uma dificuldade, o apoio vem de maneira oportuna por meio de uma intervenção que auxilia o aluno a superar os desafios da aprendizagem ou redireciona o caminho do aprendizado, tentando encontrar a abordagem mais adequada para a construção do conhecimento. Quando não há mais dúvidas, conteúdos avançados se apresentam para desafiar o aprendiz. O avanço do estudante em suas descobertas é avaliado em tempo real, à medida que interage com os demais alunos e vai construindo o próprio conhecimento com as pequenas conquistas do dia a dia. O professor acompanha de perto a evolução e vai ajustando, de acordo com as características daquele ser humano, o conteúdo que ensina e a forma como ensina.
Será assim a sala de aula do futuro, dizem os especialistas em inteligência artificial. Mas, olhando para a situação presente do sistema educacional brasileiro, parece que essa é uma utopia inalcançável até mesmo em longo prazo. É realmente viável empregar as novas tecnologias para criar um ensino mais personalizado, flexível, inclusivo e motivador?
De acordo com o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, as ferramentas da área de inteligência artificial permitem amplificar a inteligência humana. “A gente já consegue verificar, por exemplo, para conjuntos de milhares de alunos, abordagens de ensino que têm maior potencial de auxiliar a aprendizagem e, assim, apoiar o professor na tomada de decisão pedagógica.” Mas como essas ferramentas são construídas para se tornarem capazes de identificar qual a melhor metodologia de ensino?
.
.
Aprendendo a aprender
Em primeiro lugar, é preciso entender o que é inteligência artificial, uma área de pesquisa que não é tão nova quanto muitos imaginam. “O termo foi criado oficialmente há mais de 60 anos, pelo cientista da computação norte-americano John McCarthy”, revela o professor André de Carvalho, vice-diretor do ICMC. Ele conta que, em 1956, a ideia foi lançada em um workshop de verão que acontecia no Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos. “Alguns professores fizeram uma proposta, baseados na ideia de que toda característica da inteligência humana ou aspecto de aprendizado pode, a princípio, ser tão precisamente descrito que é viável construir uma máquina para simular essa característica ou aspecto”, explica Carvalho.
O professor conta, ainda, que a área já era investigada anteriormente, apesar do termo nunca ter sido usado até 1956. Por exemplo, em uma palestra na Sociedade de Matemática de Londres, em 1947, o matemático britânico Alan Turing falou publicamente, pela primeira vez, sobre a possibilidade de criar uma máquina que aprendesse a partir de suas próprias experiências. “Quando um comportamento é realizado, mas não somos capazes de afirmar se está sendo gerado por uma máquina ou pelas mãos de um ser humano, podemos dizer que há inteligência artificial”, completa o professor Cláudio Toledo, do ICMC, fazendo referência ao famoso Teste de Turing, que já foi tema de diversos filmes como X-Machina (2015), por exemplo.
.
Criado para você
É hora de visitar novamente a sala de aula do futuro. O fato é que continuaremos sem condições de disponibilizar um professor para cada aluno, mas poderemos simular essa realidade com as ferramentas da inteligência artificial, criando ambientes de ensino e aprendizado personalizados para cada aluno. “Plataformas que empregam tecnologias como a dos sistemas tutores inteligentes já são capazes de fazer isso”, diz Isotani, que coordena um novo curso de especialização em computação aplicada à educação, cujas inscrições foram prorrogadas até dia 10 de outubro.
Ele explica que, para criar um sistema tutor inteligente, é necessário construir um passo a passo (algoritmos) para ensinar o computador a lidar com informações provenientes de três diferentes fontes: o conteúdo que será ensinado (modelo do domínio); o modo como aquele conteúdo será ensinado (modelo pedagógico); e os conhecimentos que o estudante já possui (modelo do aluno). Essas informações iniciais são os modelos que vão nutrir o sistema computacional (veja o infográfico a seguir).
.
Quando o estudante começa a interagir com a plataforma de ensino e acessa os conteúdos iniciais que foram disponibilizados, os dados dessa interação estabelecida com o sistema, com o conteúdo, com os demais alunos e com o professor vão sendo capturados. “A partir de todas as interações do aluno com o ambiente de ensino, o próprio sistema atualiza os modelos. Com essas novas informações, é possível identificar o que aquele aluno já sabe e o que ainda não sabe sobre um determinado domínio do conhecimento, quais suas principais dificuldades e é viável até mesmo prever qual será a próxima resposta que o estudante dará em um exercício”, completa Isotani.
Imagine, agora, a quantidade enorme de dados que são gerados em uma plataforma educacional acessada por milhares de alunos. Para extrair as informações relevantes dessa infinidade de dados (chamada Big Data), é preciso usar ferramentas da área de inteligência artificial como aprendizado de máquina, por exemplo.
“Com essas informações, as plataformas não só podem se adaptar às necessidades dos estudantes, mas também ajudar o professor a entender o comportamento dos alunos, oferecendo a ele potenciais recomendações de como amenizar ou reduzir as dificuldades encontradas pelos educandos, o que pode evitar a evasão”, ressalta Seiji Isotani. O professor completa: “A inteligência artificial não é algo que surgiu apenas para tornar as máquinas mais inteligentes, mas também pode ajudar a gente a ser mais inteligente. Nesse caso, é possível contribuir para que o professor tome decisões mais assertivas na hora de apoiar a aprendizagem do aluno”.
Muitas pesquisas têm sido realizadas nesse campo a fim de ampliar a compreensão sobre o comportamento dos alunos durante a aprendizagem, utilizando interfaces capazes de reconhecer palavras, captar gestos, verificar o movimento dos olhos e de diversos indicadores fisiológicos (tais como batimentos cardíacos e tensão muscular). Quanto mais dados os pesquisadores conseguirem obter para inserir nos sistemas tutores inteligentes, maior será a probabilidade de que essas plataformas de ensino se tornem cada vez mais personalizadas e capazes de motivar e atrair a atenção dos usuários.
Para o professor Cláudio Toledo, no futuro, as plataformas de ensino funcionarão como jogos: “Ou seja, para manter o aluno engajado, se o jogo/atividade for muito difícil e o jogador/aluno não estiver ganhando/acompanhando nada, o próprio sistema reduzirá o nível de dificuldade para que ele não perca o interesse. Agora se o jogo/atividade estiver muito fácil e o jogador/aluno começar a ganhar sempre, o nível de dificuldade vai aumentar para que ele se sinta desafiado”. Segundo o professor, esse processo, muito comum nos games, mantém os jogadores motivados, interessados e contribui para que desenvolvam diversas habilidades sociais, cognitivas e motoras. Para ele, tanto os jogos educacionais quanto a gamificação são campos muito promissores.
.
Companhia para aprender
Os quatro professores autores do estudo Intelligence Unleashed: An argument for AI in Education trazem um interessante relato à tona. “É dito que, na China antiga, cada príncipe real estudava com a companhia de um professor real. Talvez os imperadores chineses já soubessem que seus filhos aprenderiam mais efetivamente na presença de outra pessoa.” A seguir, os autores escrevem que a inteligência artificial deu uma nova vida a essa antiga história por meio do desenvolvimento dos sistemas “companheiros de aprendizagem”. Eles seriam como os professores dos príncipes chineses, mas em versão eletrônica, é claro.
Por não serem mortais, esses companheiros inteligentes de aprendizagem (ou agentes inteligentes) estariam presentes durante toda a trajetória de vida de um ser humano, auxiliando-o na obtenção de novos conhecimentos. Diferentemente dos sistemas tutores inteligentes, que já são uma realidade, ainda há muitas pesquisas para serem realizadas antes que esses companheiros possam dividir a vida com a gente. Os especialistas da área estimam que isso levará cerca de dez anos.
Já os estudos sobre formação de grupos de alto desempenho estão bem mais avançados. Foram criados vários modelos computacionais que possibilitam, a partir da inserção de dados sobre os estudantes que compõem uma turma, criar grupos que têm maior potencial para trabalharem em grupo de forma produtiva.
.
O estudo Intelligence Unleashed: An argument for AI in Education destaca que, ao longo das décadas, vários pesquisadores têm mostrado que o aprendizado colaborativo costuma gerar melhores resultados do que o aprendizado solitário. Isso porque o aprendizado colaborativo encoraja os participantes a articularem de forma mais adequada o que pensam, a justificarem as ideias, a refletirem sobre suas explicações, a resolverem as diferenças por meio de um diálogo construtivo e a construírem conhecimentos e novos significados de maneira compartilhada. Se as ferramentas da inteligência artificial forem realmente capazes de estimular esse tipo de aprendizado, talvez as salas de aula do futuro sejam, de fato, ambientes muito mais motivadores e atraentes, onde um novo mundo poderá surgir.
Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC