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Influencers: o que significa estar entre os cientistas mais citados do mundo?

Relatório Clarivate Analytics destacou produção de 1% mais influentes por área, desde 2010; artigo de maior sucesso da USP foi publicado em revista de acesso aberto

 06/12/2021 - Publicado há 2 anos

Tabita Said

Indicadores de desempenho acadêmico não são uma novidade para as universidades e institutos de pesquisa. Reputação, visibilidade, relevância e número de artigos publicados são alguns dos parâmetros dos rankings internacionais para avaliar instituições de ensino superior. Alguns rankings utilizam medidas comparativas mais abstratas, como “excelência” ou “qualidade” da performance das instituições. Outros podem medir aspectos específicos da influência universitária, como sua contribuição para o alcance das Metas do Desenvolvimento Sustentável, por exemplo. No geral, os rankings são vistos como importantes termômetros da qualidade do ensino superior de um país. Na era da prestação de contas e da contagem de views, o desafio está em ter pesquisadores reconhecidos e citados, representando a elite da produção científica mundial.   

Recentemente, um relatório intitulado Highly Cited Researchers 2021, lançado pelo Institute for Scientific Information (ISI), divulgou uma lista dos pesquisadores mais altamente citados no mundo. Os superlativos não se esgotam aí: para identificar estes cientistas de desempenho extraordinário, o relatório usou como base de dados os artigos publicados e indexados no Web of Science, um dos maiores e mais respeitados bancos multidisciplinares de publicações científicas.

Como todo ranqueamento, a lista da Clarivate estabeleceu uma metodologia e uma ferramenta de análise próprias, classificando as informações em 21 áreas do conhecimento e examinando artigos publicados e citados entre os anos de 2010 e 2020. O trabalho resultou em uma lista com 6.602 pesquisadores considerados altamente citados, tendo como critério o maior número de artigos mencionados por pares. O recorte, porém, corresponde ao top 1% mais citados no final do ano de 2020.

“Por definição, a lista ignora 99% de todos os artigos publicados”, aponta Jacques Marcovitch, Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e ex-reitor da USP. Ele lidera um projeto de métricas para o aprimoramento da gestão de indicadores acadêmicos, unindo as três universidades públicas paulistas: USP, Unesp e Unicamp. Marcovitch observa que a lista dos cientistas mais citados do mundo é composta do número de artigos individuais que acumularam um alto número de citações, e não do número médio de citações atribuídas a pesquisadores individuais. Para ele, “a principal motivação para esse ranking é a possibilidade da Clarivate divulgar o uso de seus serviços para pesquisadores”. A empresa comprou o subsidiário de propriedade intelectual da Thomson Reuters (incluindo Web of Science e Essential Science Indicators) em 2017. 

Jacques Marcovitch - Foto: Wikimedia Commons

Jacques Marcovitch participa do projeto de métricas para o aprimoramento da gestão de indicadores acadêmicos - Foto: Wikimedia Commons

Apesar disso, o professor reconhece o sistema de classificação da Clarivate como um dos mais confiáveis, entre os atuais. A empresa utilizou o ResearcherID para classificação, que agrega informações explicitamente autodeclaradas e publicações em periódicos revisados por pares. Mas pondera: “Se de um lado o uso do ResearcherID eleva a confiabilidade, de outro a variação intradisciplinar limita o uso das citações como medida de classificação de pesquisadores”.

Embora os indicadores de desempenho busquem métodos que sejam capazes de equalizar a análise e assim chegar a uma seleção justa, cada área de pesquisa se comporta de maneira diferente. Marcovitch exemplifica: “Em física de altas energias é normal publicar dezenas de artigos em um ano, com centenas ou mais coautores. Já a física teórica tende a gerar poucos artigos, com menos coautores. Isso não significa que a física experimental é ‘melhor’, porque é mais citada, do que a física teórica”. Segundo ele, padrões distintos limitam a comparação entre diferentes áreas de conhecimento.

Outro exemplo está representado no grupo de brasileiros selecionados pelo relatório da Clarivate. No total, o Brasil teve 21 pesquisadores escolhidos na lista dos mais influentes, além de outros dois pesquisadores dos EUA e Canadá que têm afiliação secundária com a Fundação Oswaldo Cruz e com a USP, respectivamente. Destes, sete são da USP; cinco deles atuam no mesmo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública (FSP). A área, da categoria das ciências sociais, é considerada de cruzamento, com artigos potencialmente citados em mais campos de conhecimento.

Pesquisadores brasileiros mais influentes do mundo, de acordo com relatório da Clarivate Analitcs de 2021 - Imagem: Reprodução/ Clarivate

Novos pesquisadores, temas atuais

Um dos objetivos do relatório foi buscar contribuições que estenderam as fronteiras do conhecimento até a sociedade. O levantamento utilizou um complexo sistema de contagem de citações que teve relação direta com a área de conhecimento. Para isso, o número de pesquisadores selecionados em cada campo se baseou na raiz quadrada da população de autores listados nos artigos altamente citados entre as 21 áreas de conhecimento nos Essential Science Indicators, da Clarivate.

Foram eleitos 3.774 pesquisadores altamente citados em áreas específicas e 2.828 em diferentes áreas de conhecimento, tendo contribuído para diversos campos de pesquisa e, portanto, sendo citados em mais de uma das 21 áreas pré-estabelecidas.

De acordo com a análise da Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica (Aguia), pesquisadores relativamente mais jovens são mais propensos a emergir neste relatório do que em uma análise que dependesse do total de citações ao longo de muitos anos. 

É o caso da pesquisadora Maria Laura Louzada, do Nupens, que figura na lista ao lado dos colegas Carlos Monteiro, coordenador do núcleo, Renata Levy, Euridice Steele e Geoffrey Cannon. Com exceção de Steele, que estreia na lista, todos os outros cientistas foram reconhecidos também no ano passado

“Esse reconhecimento de cinco cientistas do Nupens entre os mais influentes do mundo é uma honra para o núcleo, mas, sobretudo, mostra a importância que a epidemiologia nutricional ganhou nos últimos anos. O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados é um problema global, que tem tido graves consequências à saúde humana – notadamente, uma maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (como diabete e hipertensão). Nesse contexto, pesquisadores de todos os continentes se dedicam à questão, e a classificação Nova de alimentos, criada pelo Nupens, é fundamental em trabalhos desse campo”, afirma Maria Laura.

Nupens tem cinco pesquisadores entre os mais citados do mundo: Maria Laura Louzada, Renata Levy, Carlos Monteiro, Euridice Steele e Geoffrey Cannon - Foto: Reprodução / Nupens / FSP

O grupo de pesquisadores particularmente bem-sucedidos tem analisado a relação entre alimentos ultraprocessados e o risco de doenças. No final dos anos 2000, pesquisadores do Nupens foram pioneiros em apontar mudanças no processamento industrial de alimentos como o principal motor da pandemia de obesidade. Os estudos do grupo inauguraram uma classificação dos alimentos de acordo com seu grau de processamento, dando suporte a centenas de novos estudos e servindo de base para a elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. 

Na avaliação de Marcovitch, por se tratar de um desafio global, suas pesquisas de alta qualidade têm sido mais citadas e por diversas vezes em todo o mundo. “Estes pesquisadores estão dedicados a áreas relacionadas à medicina, a exemplo da saúde pública e preventiva, além de nutrição, categorias definidas pelos Essential Science Indicators como ciências sociais ou transdisciplinar. São áreas aplicadas à saúde humana, portanto, com maior potencial para citação, do que as humanidades no seu sentido mais amplo”, defende.

O artigo de maior sucesso do grupo da USP foi publicado na Revista de Saúde Pública, periódico iniciado em 1967 pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Suas origens remontam aos Boletins do Instituto de Higiene de São Paulo, publicados entre 1919 e 1946. “Isso mostra que o acesso aberto ao conhecimento e palavras-chave bem estruturadas são mais importantes do que o fator de impacto do periódico como um indicador de altas taxas de citação”, avalia Marcovitch. 

Guia Alimentar para a População Brasileira: referência em estudos sobre alimentação saudável - Foto: Reprodução/Nupens

Brasil no topo

De acordo com levantamento da Clarivate Analytics, o Brasil é o 13º maior produtor de publicações de pesquisa (papers) em nível mundial e seus resultados de pesquisa vêm ganhando mais atenção internacional. Dados da Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica (Aguia) revelaram que, mesmo durante a pandemia, o Brasil se manteve como grande ator da produção científica, figurando como 11⁰ colocado em número de publicações sobre covid-19. 

Mais do que revelar os influenciadores de novas publicações, as análises bibliométricas deixam sombras que também têm algo a dizer. A ausência de nomes nas grandes listas é resultado direto de uma abordagem quantitativa, que por vezes desconsidera outros aspectos da legitimidade da comunidade científica. 

“Um pesquisador que estuda ciências atmosféricas no Brasil, por exemplo, pode ser um líder mundial em termos de contribuição epistêmica; consegue obter publicações de destaque em periódicos de primeira linha, visibilidade na mídia e contribuições para as políticas públicas. Esse mesmo pesquisador, porém, está em desvantagem nesta classificação, porque o número de pesquisadores dedicados ao estudo da poluição do ar e as emissões na China supera o número de dedicados ao mesmo assunto no Brasil”, lembra Marcovitch, mostrando como o contexto é capaz de mudar tudo. 


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