Veteranos do Instituto de Geociências dão fim ao trote violento

A Comissão de Recepção dos Bixos do Instituto de Geociências (IGc) da USP, formada apenas por alunos da unidade, alterou o formato de trote que

 24/02/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 25/04/2018 as 10:39

A Comissão de Recepção dos Bixos do Instituto de Geociências (IGc) da USP, formada apenas por alunos da unidade, alterou o formato de trote que existia desde a década de 70 para receber os calouros de 2016, mudando práticas consideradas abusivas

Em 1999, a USP foi palco de um dos seus casos mais emblemáticos de trote violento: a morte do estudante Edison Chi Hsueh, calouro de medicina, que foi jogado em uma piscina olímpica por seus veteranos mesmo após ter afirmado que não sabia nadar. No mesmo ano, Governo de São Paulo sancionou a lei 10.454/99, que proíbe os trotes considerados violentos nas universidades estaduais, e, em setembro de 2015, a lei 15.892/15 estendeu a proibição para todos os níveis de ensino.

Ainda assim, as denúncias por parte de calouros que passavam por situações abusivas durante a recepção continuaram. No IGc, até 2016, não foi diferente. Práticas que incitavam a violência física e psicológica eram transmitidas entre as gerações de veteranos, formando uma cultura de tradição no rito de passagem.

Confira no vídeo abaixo:

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Tradição questionada

A aluna Ana Luísa Magalhães, do curso de Geologia, integra a Comissão de Recepção de 2016. De acordo com ela, o descontentamento geral dos alunos de segundo ano com o trote levou à proposta de acabar com a cultura das práticas abusivas no instituto. “Nossa sala se juntou com a comissão antiga para falar dos problemas que tivemos na recepção. Então a gente percebeu que a maioria das pessoas de lá não tinha gostado de alguma coisa que aconteceu”, conta a estudante. “Foi ai que pensamos: tem um problema sério nesse trote.”

A aluna informa que o Centro Acadêmico do instituto tem um arquivo com as fichas que relatam os trotes de todos os anos desde 1973. A comissão deste ano estudou esse arquivo e percebeu que algumas práticas existem desde a época da ditadura. “Os apelidos, que são uma tradição muito antiga aqui, começaram porque os estudantes de geologia eram muito ativos contra a ditadura militar, e isso dificultava a identificação dos nomes originais deles”, conta Arthur Lima, também aluno de geologia e membro da Comissão de Recepção.

O professor Paulo Boggiani, que atualmente faz parte do corpo docente do IGc, foi aluno do instituto na década de 80. Ele conta que quando era calouro, o trote muito violento, justamente por conta da tradição de combate à ditadura. “Eles [os veteranos] faziam essa opressão para mostrar o que o governo militar fazia. Funcionava, nós tivemos várias lideranças que surgiram”, lembra.

O professor também afirma que, apesar da recepção ser integralmente organizada pelos alunos, o instituto ainda faz o monitoramento dos trotes através de uma ficha que é preenchida anonimamente pelos calouros. “Esta semana está correndo muito bem, está tudo tranquilo, e tenho sérias expectativas de que não vamos identificar nenhuma reclamação”, afirma Boggiani.

Ana Luísa afirma que desconstruir essa cultura de trote abusivo não foi fácil e que muitos veteranos antigos não concordaram com a mudança. Ainda assim, a estudante afirma que a comissão conseguiu se organizar e permanecer firme em relação à sua posição. “As comissões dos anos anteriores não tinham essa organização, e então era mais difícil falar que a gente ia mudar. Eu acho que a pressão de cima, dos veteranos, é o que mantinha isso”, avalia Ana Luísa.

O professor Boggiani concorda. Para ele, com a atual democracia, esse modelo de trote não se justifica mais. “Agora, felizmente, o grupo de alunos envolvido com a recepção viu a necessidade de tornar algo mais integrativo”, comenta. “Pela primeira vez aqui no Instituto de Geociências, o trote definitivamente acabou”.

Leticia Fuentes/Jornal da USP

 


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