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A história dos primeiros professores da Universidade

Documentos contam parte da história dos primeiros intelectuais a lecionar na USP

 24/01/2017 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 26/01/2024 às 10:09

JORNAL DA USP

Missão francesa (1934). Professores franceses reunidos para comemorar o sucesso da missão. Em pé, da esquerda para a direita: (1) ?, (2) ?, (3) René Thiollire, (4) Moura Campos, (5) ?, (6) Afonso Taunay, (7) Etiène Borne, (8) Paul Bastide, (9) Paul Hugon, (10) Júlio de Mesquita Filho, (11) André Dreyfuss, (12) ?, (13) Vicente Rao. Sentados, da esquerda para a direita: (1) ?, (2) ?, (3) Reynaldo Porchat, (4) ?, (5) Theodoro Ramos. Foto: Acervo CAPH / FFLCH

Em 25 de janeiro, exatamente no aniversário de fundação da cidade de São Paulo, foi publicado o decreto de criação da USP. Há 90 anos nascia a Universidade, reunindo em uma só instituição sete outras já existentes – entre elas, a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica. A novidade era a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLC) da USP, um ambiente que deveria reunir as mais diversas áreas do saber.

Para lecionar na recém-fundada unidade, pesquisadores e intelectuais franceses, italianos, alemães e alguns poucos portugueses, espanhóis e estadunidenses vieram ao Brasil entre 1934 e 1944. A chegada desses estrangeiros possibilitou a criação de uma universidade com formações diversas, pouco exploradas até então no Brasil: a maior parte deles foi convocada para ministrar disciplinas de áreas como filosofia, biologia, química, física, matemática, história e sociologia.

O professor Teodoro Ramos, originalmente da Escola Politécnica e primeiro diretor da FFCL, foi o responsável pela contratação dos professores estrangeiros. E ele tinha uma missão adicional: não contratar professores consagrados.

A proposta era encontrar jovens que estivessem dispostos a vir criar uma universidade em um país distante como o Brasil. Lévi-Strauss, por exemplo, tinha 26 anos e era professor de ensino secundário na França. O português Francisco Rebelo Gonçalves, contratado para a cadeira de Filologia Portuguesa, tinha apenas 27 anos e Fernand Braudel, 32.

Detalhe de livro contendo o contrato de Claude Lévi-Strauss - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Naquela época, a Alemanha vivia o começo de um governo nazista e a Itália, há mais de uma década, convivia com o fascismo de Mussolini. A França era uma democracia e, por isso, muito das disciplinas de humanidades foram direcionadas principalmente a professores franceses. Já as de ciências exatas e naturais, que se acreditavam menos voltadas para a formação reflexiva e ideológica do estudante, foram entregues a alemães e italianos.

Detalhe de livro contendo o contrato de Gleb Vassielievich Wataghin - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Acervo encontrado

Em 2016, o Arquivo Público do Estado de São Paulo (Apesp) encontrou três livros com os contratos desses intelectuais que formaram a primeira geração de professores e pesquisadores da USP, no total são registros de 85 pessoas entre professores, assistentes ou técnicos que trabalharam na USP entre as décadas de 1930 e 1940.

Os documentos foram descobertos durante o trabalho de criação de um guia sobre o Acervo Permanente do Apesp. Os livros estavam em meio ao material do fundo pessoal de um historiador e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, como é chamada hoje a antiga FFCL, e desconectados de seu contexto de produção, ou seja, a Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública, à qual a USP era subordinada na época.

 

Detalhe de livro contendo o contrato de Fernand Paul Achille Braudel - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Nos registros, há informações sobre a vinda de professores estrangeiros e nacionais, nos quais é possível saber sobre aspectos da organização estrutural, acadêmica e filosófica da Universidade, a constituição de hierarquias na docência e no funcionalismo, a padronização de métodos de avaliação, a orientação intelectual e a política educacional à época.

Entre os nomes que chegaram à USP naqueles anos estavam Claude Lévi-Strauss, Gleb Wataghin, Felix Rawitscher, Heinrich Rheinboldt, entre outros intelectuais que contribuíram para o desenvolvimento das ciências em todo o mundo. 

Detalhe de livro contendo o contrato de Jean Maugüé - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As aulas eram dadas no idioma nativo de cada professor e a exigência nos cursos era alta. “Usavam avental branco, com a ideia de que eles eram cientistas. Sabe-se que notas muito altas não eram comuns”, afirma a professora da FFLCH Maria Arminda do Nascimento Arruda.

A Universidade comportava poucos alunos. Apenas jovens com a sorte de terem um estudo prévio de elite conseguiam entrar no Colégio Universitário, que em dois anos preparava os estudantes para a graduação na USP.

Hoje, segundo Maria Arminda, o ensino é muito diferente. “Éramos poucos, hoje os alunos são muitos. E quando se amplia o número de estudantes você recebe estudantes com formações muito diferenciadas.” A ideia de formações gerais e da concentração de diversas ciências em uma só faculdade também não perdurou. “Esse processo de especialização é mundial. As universidades foram se especializando, formando para o mercado.”

Detalhe de livro contendo o contrato de Paul Vanorden Shaw - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Contribuição dos docentes no Brasil

O convite para lecionar na USP não serviu somente à Universidade e aos estudantes por eles formados. A vinda dos intelectuais estrangeiros permitiu o desenvolvimento da pesquisa no Brasil e suas produções contribuíram mundialmente.

Detalhe de livro contendo o contrato de Pierre Monbeig - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Com salário de 3.158 francos franceses, intermediados pelo Consulado Francês, Claude Lèvi-Strauss veio à USP em 1935, com contrato para ministrar disciplinas de sociologia. Durante os poucos anos em que permaneceu no Brasil, fez expedições ao interior do País e deu início aos estudos com povos indígenas. Mais tarde, foi lecionar nos Estados Unidos, onde estudou os índios norte-americanos e se tornou um dos maiores etnólogos no mundo.

Detalhe de livro contendo o contrato de Paul Arbousse-Bastide - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O físico russo naturalizado italiano, Gleb Wataghin, veio ao Brasil já com experiência como professor. O cientista desenvolveu diversos artigos científicos de importância mundial com a colaboração de seus estudantes formados. Foi sua iniciativa de produção científica que permitiu a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Instituto de Física Teórica, hoje ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp), e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Detalhe de livro contendo o contrato de Giacomo Albanese - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A herança deixada pelos professores do período de fundação da USP, além do início da pesquisa em diversas áreas, foi uma geração de intelectuais ilustres brasileiros, que se tornaram os próximos docentes da Universidade. “Os estrangeiros formaram, sobretudo, uma coisa notável: os novos professores, a geração de brasileiros. Antonio Candido, Florestan Fernandes, Lourival Gomes Machado, Fernando Henrique Cardoso são exemplos”, reconhece Maria Arminda.

Reg.261-22 Reitoria. Prêmio USP de Direitos Humanos. Instituto Butantã e FIOCRUZ. Raul Machado Neto. 2022/12/08 Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Professora e ex-aluna da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Galeria na FFLCH

Quem passa pelos corredores do prédio da diretoria e da administração da FFLCH pode conferir a Galeria dos Fundadores da FFLCH. São fotos e informações biográficas de 33 professores da primeira turma de formandos (1936/1937) da FFCL. 

São nomes como Afonso Taunay, Teodoro Ramos, Gleb Wataghin, André Dreyfus, Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss, Otoniel Mota, Giuseppe Ungaretti. A galeria também está disponível on-line neste link. 

Roberta Vassalo/Jornal da USP

Com informações do Diário Oficial do Estado de São Paulo