Imagem: Divulgação/Cursinho Popular Arcadas

Cursinho Popular Arcadas investe em integração para democratizar acesso ao ensino superior

Criado por estudantes da Faculdade de Direito da USP, curso pré-vestibular não cobra mensalidades e atua há dez anos para auxiliar estudantes com dificuldades econômicas a realizar o sonho de ingressar num curso superior

 15/09/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 23/09/2022 as 17:05

Texto e diagramação: Gabriele Koga

A Faculdade de Direito (FD) da USP surgiu a partir de um convento, construído por volta de 1647, ao lado de igrejas franciscanas no Largo de São Francisco, na capital paulista. Depois foi anexada à USP, em 1934, como uma das unidades fundadoras. Desde seu início, a FD é palco para eventos que pautam transformações político-sociais e a luta por interesses democráticos e direitos humanos ao longo da história do Brasil e de São Paulo.

É com esse espírito que alunos da FD se organizam desde 2011 para auxiliar estudantes com dificuldades econômicas que sonham ingressar num curso superior. Eles fundaram o Arcadas Vestibulares, que, a partir do final de 2021, passou a se chamar Cursinho Popular Arcadas, com a proposta de oferecer um preparatório pré-vestibular que democratize o acesso ao ensino superior. Também com o objetivo de despertar o desenvolvimento crítico às desigualdades que prevalecem até os dias de hoje na sociedade brasileira, o projeto oferece oportunidades de ensino sem cobrar qualquer mensalidade.

O projeto conta com repasses mensais do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. “A gente também consegue dinheiro com vaquinhas, formulários do Adote um Boleto, rifas e lojinhas do cursinho com produtos da São Francisco [FD] e do Arcadas, como camisetas e canecas”, explica Jacqueline Souza, presidente do cursinho. As despesas incluem auxílio vestibular e transporte, além da impressão de apostilas para os estudantes.

Jacqueline Souza, presidente do Cursinho Popular Arcadas – Foto: Arquivo pessoal

Voluntários que fazem a diferença

Com uma década de atividades, o Cursinho busca expandir e profissionalizar suas atividades cada vez mais. Atualmente são pouco mais de 100 pessoas envolvidas de forma voluntária, incluindo corpo docente e administrativo formado por alunos dos mais variados cursos de graduação da USP: 24 professores, 25 monitores, 53 plantonistas e 9 coordenadores.

Gestão 2022 do Cursinho Popular Arcadas - Foto: Rebeca Alencar

Os professores e demais voluntários docentes são submetidos a um processo seletivo para identificar o domínio nas disciplinas lecionadas: Português, Inglês, Matemática, Química, Biologia, Física, Geografia, História, Atualidades e Filosofia, e “precisam demonstrar sensibilidade com os alunos”, conforme descrito no edital.

“Ser professor é algo realmente muito significativo. Quando eu estava no período de vestibular, tive professores e professoras incríveis que foram essenciais na minha jornada de aprovação e também marcaram minha formação pessoal. Esse é o principal significado para mim, poder retribuir tudo aquilo que recebi. A experiência tem sido ótima”, conta Vinicius Pontirolle, professor de matemática do Cursinho Popular Arcadas há três anos e estudante na FD.

Para ele, o contato próximo entre o professor e os alunos é um diferencial na preparação para os vestibulares e pode facilitar o equilíbrio entre a rotina de estudos e a vida fora da sala de aula. “Vejo que a relação professor-aluno faz parte desse processo. É essencial que o professor a todo tempo lembre que, um dia, já foi aluno. A sala de aula tem que ser um lugar onde todos aprendem e todos ensinam e também onde se tem um espaço de liberdade e segurança para desabafos. Esse contato próximo é a forma de criar vínculos e ajuda com que o vestibulando se lembre de que não está sozinho nessa fase”, complementa.

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Vinicius Pontirolle, professor de matemática do Cursinho Popular Arcadas – Foto: Arquivo pessoal

Ensino

Nas salas de aula, a fim de preparar os vestibulandos academicamente para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e grandes vestibulares, há revisões de conteúdos escolares com materiais didáticos referência no País. “A nossa principal parceria é o Anglo Vestibulares. A gente recebe todo o material deles do curso extensivo, como as apostilas, os simulados, os manuais dos professores e a plataforma com a resolução de exercícios”, conta Jacqueline.

O curso é estruturado em uma turma única, com aulas de segunda a sábado. Durante a semana as aulas são ministradas das 14 às 18 horas e os plantões de dúvidas individuais funcionam das 13 às 14 horas e das 18 às 19 horas. Aos sábados, são alternados simulados e aulas das 8 às 13 horas.

O ingresso dos alunos se dá por meio de dois processos seletivos. No começo do ano letivo, há 120 vagas a serem ocupadas por estudantes do terceiro ano do Ensino Médio ou que já tenham se formado, incluindo cotistas raciais e trans. A segunda seleção é destinada para vagas remanescentes e acontece na metade do ano. Ambos os sistemas contam com a realização de provas (simulados ou redações) e avaliação de condições socioeconômicas dos candidatos. As informações podem ser obtidas nos editais disponíveis no site do Cursinho Popular Arcadas.

Após a pandemia, o Cursinho Popular Arcadas retomou aulas no modelo presencial em 2022 – Foto: Rebeca Alencar

"O sentimento de ter sido aprovada, eu não acredito até hoje"

Rebeca comemorou seu ingresso na ECA USP na Festa dos Aprovados, organizada pelo Cursinho Popular Arcadas - Foto: Arquivo pessoal

Rebeca Alencar, estudante de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, foi aluna do Cursinho Popular Arcadas durante 2018 e 2019. Para ela, o período de vestibular foi difícil. “Foi uma loucura. Eu vim de uma escola pública, embora ela fosse referência na região por ter um bom ensino, ainda havia muita novidade. Então, eu entrei no Arcadas no terceiro ano do ensino médio e houve conteúdos que aprendi em uma aula no cursinho, porque as coisas eram aceleradas. Foi um período de adaptação muito grande assim que eu descobri meus limites para ter uma rotina nova e não foi fácil conciliar tudo isso”, explica.

A estudante conta que ser vestibulanda acarretou dificuldades ao cuidar da saúde já que priorizava seu tempo para estudar. “Saúde mental também é um problema. Quando você fica até 4 horas da manhã estudando, vê que não está rendendo e começa a se culpar. Você vai para o cinema com seus amigos curtir um pouco e se culpa porque é o tempo que poderia estudar. Foram coisas assim que eu procurei trabalhar muito melhor no meu último ano de cursinho”.

 

Apesar das adversidades, a jovem aponta que o diferencial do cursinho foi o acolhimento, que a ajudou a superar o período conturbado. “Tudo para mim era muito novo tanto no espaço quanto na rotina. O Arcadas era um ambiente mais acolhedor. A minha amiga, na época, fazia um cursinho particular no mesmo ano que eu comecei. Ela sofreu uma pressão enorme e falava que era um ambiente muito competitivo. Eu nunca senti isso. Eu pude contar com todo mundo, que sempre esteve próximo para ajudar quando a gente precisasse. Acho que é uma coisa muito específica de cursinho popular assim”.

Atualmente, Rebeca é diretora de Relações Públicas (RP) do projeto. “Eu queria muito continuar contribuindo com o Arcadas da forma que eu sabia. Ano passado, eu era coordenadora pedagógica. Coincidentemente, RP é uma função que abrange muitas coisas que eu aprendo em jornalismo. Eu queria muito usar o que eu estou aprendendo para o Arcadas ficar ainda melhor, sabe? E continuar aproveitando, porque a gente sempre pode aprender mais”, conclui.

Tive que aprender os meus limites. Descobri que era capaz muita coisa que eu não sabia antes, mas tinha que me respeitar por conta da minha saúde, do meu sono e da minha saúde mental. Foi um período de incertezas. Eu fui reprovada uma vez e cheguei muito perto, mas fiquei na lista de espera e não consegui. Eu não queria passar por isso de novo com uma trajetória de muito medo. A experiência de vida também em ser a responsável pelos meus resultados e ver o fruto de todo meu esforço não tem o que pague. O sentimento de ter sido aprovada, eu não acredito até hoje.

Eu brincava com o pessoal do Arcadas falando que se o nome aparecesse na lista, era lenda urbana, porque todo mundo que estava ali tinha o nome na lista. Eu nunca imaginava que isso aconteceria e aconteceu comigo. É um negócio completamente absurdo. A minha família me apoiava muito e os meus pais abriram mão de muitas coisas para que eu continuasse estudando, assim como a minha irmã mais velha e o meu cunhado. Então, acho que não foi uma aprovação só minha, sabe?

Rebeca Alencar, ex-aluna do Cursinho Popular Arcadas

Atendimento individualizado

Com a necessidade de auxiliar os estudantes para além das salas de aula, criou-se em 2015 um projeto de tutoria para atendimentos individualizados. Nesse processo, os vestibulandos interessados entram em contato com um membro da equipe do cursinho, o qual atuará como tutor. Dessa forma, o tutor passa a orientar os estudos e oferecer ajuda aos alunos com as mais diversas dificuldades ao longo do ano, como um ombro amigo nos momentos difíceis do período de vestibular. 

Também existem monitorias personalizadas de redação e língua inglesa. Nas monitorias de inglês, após um teste de nivelamento, os alunos são divididos em pequenos grupos para proporcionar um melhor aprendizado e um ambiente acolhedor. Para redação, os estudantes são divididos em grupos menores para o aproveitamento da discussão de temas propostos semanalmente, a fim de ampliar o repertório e a crítica nos textos. 

Além disso, os plantonistas estão disponíveis oito vezes por semana para auxiliar a compreensão das aulas e a resolução de exercícios de forma individualizada. Para que todos tenham acesso ao espaço, são realizados plantões diários para sanar dúvidas. 

“É claro que queremos que todos da nossa turma sejam aprovados, mas não temos que ‘entregar resultado’, e isso é ótimo, pois podemos caminhar de uma forma mais orgânica, sem ficar preso em cumprir estritamente um cronograma. Outro ponto é a busca por incentivar a democratização da educação, nós do Arcadas temos isso como grande elemento orientador”, conclui Pontirolle.

CURSINHO POPULAR ARCADAS

Projeto busca inclusão social por meio da educação e democratização do ensino superior no País

FUNCIONAMENTO

GRADE HORÁRIA

MATERIAL

TUTORIA

MONITORIA e plantões

LOCAL

PROCESSO SELETIVO

png aluno rosa OK

ALUNO (A)

VAGAS

120

png professor rosa OK

VOLUNTÁRIO (A)

VAGAS

111

*O número de vagas para voluntários (as) varia anualmente


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