Como entidades estudantis da USP garantem a segurança dos alunos em festas?

Para não ocorrer situações trágicas como no passado, entidades repensaram ações

 30/07/2018 - Publicado há 6 anos
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A Taça Universitária de São Carlos (Tusca) ocorre anualmente em outubro e, em sua última edição, recebeu 20 mil pessoas – Foto: Atlética Caaso

A Universidade é um espaço para aprendizado, produção de conhecimento e um importante ambiente de convívio para os estudantes. Mas essas interações não ocorrem apenas dentro da comunidade universitária. Há também festas e campeonatos esportivos organizados pelos próprios alunos por meios de entidades estudantis.

Na USP, são três os principais organizadores de eventos de entretenimento e esporte. Os centros acadêmicos, responsáveis por representar os alunos, lutar pela permanência estudantil, por livres espaços de convivência e quaisquer outras pautas que englobem a vida universitária. Os grêmios, que cuidam diretamente da parte acadêmica, ajudam os alunos na relação com os professores ou com a burocracia da graduação. E as atléticas, responsáveis por manter o esporte universitário, financiar jogos e cuidar dos atletas. Todas essas entidades são geridas por alunos, assim como os eventos que organizam.

Também é de responsabilidade das atléticas realizar os inter campeonatos, que acontecem quase sempre em alguma cidade do interior do Estado de São Paulo. Neles, diferentes faculdades se reúnem para competir em modalidades esportivas, futebol, basquete, tênis, natação, xadrez etc. As atléticas realizam grande parte das festas da USP.

Para além da diversão dos universitários, esses eventos também são importantes para a manutenção das entidades que os realizam. Em 2011, na 32ª edição da Taça Universitária de São Carlos (Tusca) realizada por entidades estudantis da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), um dos estudantes morreu atropelado durante o evento que abria a competição. Em junho, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou recurso e manteve a decisão de condenar as atléticas envolvidas na organização da Tusca e uma empresa a pagar uma indenização de R$ 125 mil à família do jovem.

Este não foi o único acidente grave que ocorreu em eventos universitários. Em 2014, um estudante foi encontrado morto na Raia Olímpica do campus Cidade Universitária, após a festa de comemoração dos 111 anos do Grêmio Politécnico. Posteriormente a este caso, as festas dentro do campus foram proibidas.

Muita coisa mudou nos últimos anos, as entidades se reestruturaram, replanejaram e pensaram em como aumentar a segurança dos alunos. O Jornal da USP conversou com algumas atléticas para saber as medidas adotadas pelas entidades. Confira:

Escola de Comunicações e Artes

A FestECA é a primeira grande festa do ano organizada pela ECAtlética e, em 2018, aconteceu no Sambódromo do Anhembi, com mais de 4 mil pessoas – Foto: Blacktag

A FestECA, organizada anualmente em março pela ECAtlética, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), ocorria no velódromo da Cidade Universitária e, após a proibição de festas no campus, passou ser realizada externamente.

Em 2018, pela terceira vez, o evento foi no Sambódromo do Anhembi, na zona norte de São Paulo. “O sambódromo é sempre um desafio. É a primeira grande festa do ano e por ser um espaço público envolve muita burocracia. Mas, ao mesmo tempo, é muito legal, traz uma energia boa e é simbólico organizar a FestECA lá”, diz Antônio Morandin, estudante de Relações Públicas na ECA e diretor de eventos da atlética.

Eles começaram a organizar a festa em novembro do ano passado, quase cinco meses antes da realização. Para proteger as 4,5 mil pessoas presentes no evento, foram contratados 120 seguranças, 22 bombeiros, 40 extintores de incêndio, duas ambulâncias e um ambulatório.

Todos esses profissionais se reúnem, antes do início da festa, para conversar e alinhar questões sobre a dinâmica, os espaços, os locais estratégicos etc. “Este ano, tínhamos plataformas altas com seguranças que ficavam apenas observando o ambiente, para impedir casos de roubo ou furto de celular”, disse Morandin.

Como o sambódromo é grande e a festa teria muita gente, foi deixado um corredor cruzando o espaço. Se alguém passasse mal ou ocorresse alguma emergência, haveria um lugar da pista para atravessar a festa sem nenhum fluxo de pessoas. “A equipe médica analisou as informações que passamos e deu uma nota para a festa. Esta nota classifica o risco do evento e, a partir disso, sabemos quais requisitos são necessários. Montamos toda a planta da festa pensando neste risco”, explica o estudante de Relações Públicas.

A FestECA possui grande público externo. Mas diferente do que se espera, foram registrados poucos furtos ou roubos durante o evento. Os principais casos estavam relacionados à opressão (ocorrências de machismo, racismo, LGBTfobia etc). Em festas da USP, os alunos costumam organizar uma Comissão Anti-Opressão (CAO), responsável por rondar a festa e impedir estas práticas, mas os casos ainda são recorrentes em festas universitárias.

Escola Politécnica

Este tipo de ação é realizado em eventos organizados pela Associação Atlética Acadêmica Politécnica, da Escola Politécnica (Poli) da USP. Eles participam anualmente do InterUSP e do Engenharíadas, dois campeonatos esportivos que ocorrem em cidades do interior de São Paulo.

Para Fernanda Alves, diretora de eventos da atlética da Poli, o trabalho da CAO tem viés de conscientização. “A partir do momento em que mudamos a mentalidade das pessoas, as coisas não acontecem mais. Fazemos um grande trabalho pré-evento para deixar claro que o inter não vai ser um espaço para oprimir alguém.”

O InterUSP deste ano foi cancelado em decorrência da greve do caminhoneiros. Sua última edição, em 2017, foi em São Carlos.  – Foto: Usina Universitária

O InterUSP é realizado, tradicionalmente, no feriado de Corpus Christi, mas, este ano, foi cancelado em decorrência da greve dos caminhoneiros. Antes disso, a atlética tinha planejado uma oficina de cartazes na USP, com palavras de ordem, em relação aos preconceitos e opressões que costumam existir.

“É muito difícil controlar tudo que cinco mil pessoas vão fazer em quatro dias de inter. Então aproveitamos todo o poder que a entidade tem para conscientizar e dar apoio caso ocorra alguma coisa”, disse Fernanda.

Durante as festas, o maior objetivo da CAO da Poli é levar a pessoa que sofreu opressão à delegacia para fazer um boletim de ocorrência. “Não fazer um boletim é a pior coisa que pode acontecer, sem esse registro não temos como lutar com a diretoria da faculdade para tomar medidas contra o agressor ou impedir que ele compareça à próxima festa”, disse a diretora de eventos da atlética.

Quando questionada sobre o principal caso de opressão, Fernanda conta que “racismo e homofobia estão muito presentes no dia a dia da Poli, mas em um ambiente de festa e bebida, machismo é o principal.”

Escola de Engenharia de São Carlos

Na Taça Universitária de São Carlos, estudantes competem em modalidades esportivas como futebol, basquete, tênis, natação etc – Foto: Atlética Caaso

Este ano, a Poli também participará da Tusca, campeonato que ocorre em outubro, em São Carlos, organizado principalmente pelas atléticas da UFSCar e da USP.

Segundo Eduardo Fukumoto, estudante de Engenharia Mecatrônica e diretor de eventos da Atlética Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (Caaso) da USP, em São Carlos, eles contratam um segurança a cada 80 pessoas e também organizam ambulatório e ambulâncias para emergência, sempre dando prioridade a empresas que já tenham trabalhado em grandes eventos universitários.

Para ele, as festas e eventos do interior costumam ser diferentes dos da capital. “Quem frequenta festas em várias universidades percebe que cada uma possui seu modelo específico, a ‘vibe’ de cada uma é diferente.”

Durante a organização da Tusca, eles pedem o auxílio da Polícia Civil de São Carlos para cuidar da parte exterior do evento. “Nós fazemos o máximo para garantir que o inter seja a melhor experiência para os alunos, que ninguém seja assaltado, furtado ou agredido.”

Fukumoto lembra que a população de São Carlos era muito resistente em relação aos eventos da USP, mas, atualmente, a atlética realiza uma série de projetos sociais na cidade para aproximar os estudantes da comunidade. “Especialmente na Tusca, que traz a São Carlos cerca de 20 mil pessoas, tentamos fazer com que o evento agregue algo para os moradores, afinal, ele afeta a cidade inteira. Então alguns serviços e comércios precisam se beneficiar.”

Faculdade de Direito

Largo São Francisco, no centro de São Paulo, é o local para realização de festas da Faculdade de Direito da USP – Foto: Henrique Cabral e Timothy Oliveira/Alfa Flash

O contexto da Atlética XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, é muito diferente da Atlética Caaso. As maiores festas organizadas são no Largo São Francisco, no centro de São Paulo, com cerca de 2,5 mil pessoas. “O largo não é igual qualquer espaço de festa fechado, é um local aberto, no centro da cidade. A segurança e a logística são completamente diferentes”, diz Carolina Gonçalves dos Santos, estudante de Direito e secretária geral da atlética.

Após o processo de alvará para a liberação do largo, eles cercam o ambiente com duas grades para impedir que os moradores de rua da região entrem no espaço. Também contratam ambulâncias, montam um ambulatório e organizam uma comissão anti-opressão.

Carolina acredita que as pessoas ainda têm uma visão deturpada sobre a Universidade e os eventos que os alunos organizam. “Muito desse preconceito existe devido ao passado que as festas da USP carregam. Mas as coisas melhoram e evoluem, tivemos um avanço muito grande e tomamos cuidado com tudo que pode acontecer em uma festa. A gente dá o nosso melhor em cada evento, se antes as pessoas não se importavam, hoje se importam dez vezes mais.”


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