Calouros de Arquitetura e Design da USP recebem kit com materiais de desenho

Após suspender a prova de habilidades, a FAU decidiu investir na iniciativa como política de permanência

 07/01/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 17/05/2019 as 10:53
Por
Estudantes de Arquitetura mostram os itens do kit distribuído pela FAU no ano passado. Os calouros de 2019 ganharão ainda uma trena e um livro – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

.

Kauan Silva começou a estudar Arquitetura em uma instituição particular com bolsa do Prouni, mas acabou trancando o curso. Um dos motivos da desistência foi a longa lista de materiais exigidos para as aulas, que não cabia no orçamento da família. Meses depois, quando soube que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, em São Paulo, havia suspendido a prova de habilidades específicas em seu processo seletivo, decidiu tentar entrar no curso novamente. Ele não só foi aprovado, desta vez, em uma universidade pública, como não precisou mais se preocupar com boa parte daquela lista.

Na sua primeira semana de aula, em 2018, Kauan Silva e todos os ingressantes da FAU receberam um kit com diversos tipos de lápis e lapiseiras, régua, estilete, borracha, escalímetro e jogo de esquadros, ou seja, instrumentos básicos que seriam utilizados durante toda a formação.

A lista foi pensada após uma grande consulta a professores e estudantes, que resultou em um conjunto de materiais técnicos comuns à maior parte das disciplinas dos cursos de Design e Arquitetura. “Decidimos que aquilo seria para todos, para quem pudesse ou não comprar, porque não se trata de uma política assistencialista, mas de permanência estudantil”, explica a diretora da FAU, Ana Lúcia Duarte Lanna.

À época, a professora presidia a Comissão de Graduação da FAU, coordenando a criação do kit com a comunidade da faculdade.

Kauan Silva, da primeira turma de Arquitetura a receber o “kit calouro” – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

Eu não conhecia praticamente nada dos materiais, apenas algumas lapiseiras, porque eu desenhava em casa. Mas não sabia como usar o escalímetro, como manusear as réguas, só fui aprender aqui. Tem professores que pedem para que a gente não tenha receio em perguntar. O receio existe, porque é como se já fosse para termos noção daquilo”

A ideia começou a ser discutida quando a unidade decidiu extinguir temporariamente a prova de habilidades específicas como critério de seleção dos candidatos. A avaliação exigia conhecimentos em geometria e desenho e noções de representação espacial, uma condição apontada por muitos como elitista.

Com a decisão, a FAU pôde aderir ao Enem e o perfil dos alunos começou a mudar. “Não foi apenas uma mudança de renda, mas de perfil geográfico, de origem familiar, práticas culturais. E no processo de discussão e reconhecimento desse novo aluno, pensamos numa série de iniciativas e o ‘kit calouro’, como foi nomeado, foi uma delas”, conta Ana Lúcia.

.

Uma consulta com professores e estudantes ajudou a definir os materiais básicos que os alunos precisariam ter durante a sua formação, como lápis e lapiseiras, régua, estilete, borracha, escalímetro e jogo de esquadros – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

.

Cada kit custou cerca de R$ 290. Fazer a compra não foi simples, já que todos os itens apresentavam diversas especificações técnicas para garantir sua qualidade. “Deve haver precisão dos traços, as réguas precisam ser bem cortadas, a borracha precisa ser de um determinado material”, exemplifica a professora. A iniciativa, desde o planejamento, compra e montagem dos kits, mobilizou docentes, funcionários e alunos e contou com o apoio financeiro da Pró-Reitoria de Graduação da USP.

O estudante do segundo ano de de Arquitetura Lucas Silveira Borges, 19 anos, que ingressou no curso pelo Sisu – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

Antes de entrar na USP, eu vi um vídeo na internet e fiquei assustado. Diziam que o curso de Arquitetura exigia uma lista enorme de materiais e que saía muito caro. Foi um alívio muito grande chegar e receber o kit”

Além destes materiais, a FAU também se movimentou para realizar uma grande compra de um item essencial de desenho: papel. Assim, cada um dos alunos – e não só os do primeiro ano – têm direito a uma cota de impressão em diferentes tipos de papel.

O kit que será distribuído em 2019 conta com duas novidades: uma trena e um livro sobre um dos edifícios da FAU.

Diversidade

Os alunos que começaram a faculdade em 2018 – 150 alunos de Arquitetura e 40 de Design – foram os primeiros a terem acesso aos materiais. A turma do ano anterior, no entanto, foi a primeira com ingressantes do Sisu, uma experiência que ajudou a entender os desafios que esse novo perfil de alunos apresentava à FAU. Os estudantes se queixavam, por exemplo, do estranhamento junto aos professores, que esperavam deles alguns conhecimentos técnicos prévios. Agora, o próprio kit calouro é uma espécie de apresentação a esse novo mundo.

A diretora da FAU, professora Ana Lanna, que coordenou a criação do kit durante sua gestão na Comissão de Graduação da unidade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“As adequações estão sendo realizadas no interior das próprias disciplinas. Não foi necessário mudar os programas, apenas introduzir com cuidado alguns conceitos de desenho”

Ao suspender a prova de habilidades, a FAU adotou o compromisso de rediscutir a medida após um período de cinco anos. Para a diretora da unidade, as mudanças provocadas pela adesão ao Sisu estimularam uma reflexão bastante produtiva, necessária a qualquer unidade de ensino. E menciona outro grande ganho: a diversidade dos alunos, que trazem para a sala de aula diferentes experiências de cidade.

A estudante do segundo ano de Arquitetura, Ketlyn de Freitas, concorda. “Até a turma que entrou em 2016 você percebe que há um perfil mais homogêneo. São pessoas de determinados bairros, colégios, famílias. Depois, você vê que mudou, e não só em termos de condições financeiras. Hoje, numa mesma mesa de trabalho, temos pessoas do Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, do interior de São Paulo e cada um apresenta seu ponto de vista. São muitos sotaques e visões diferentes e isso é muito rico”, afirma a aluna, que ingressou na USP pelo Sisu.

A estudante de Arquitetura Ketlyn de Freitas é de Sorocaba e ingressou na USP pelo Sisu – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

“Como fiz um curso técnico em Design de Interiores na Etec da minha cidade, eu já tinha alguns materiais, que minha mãe comprou parcelado. Quando passei na USP tive receio, pois eles já estavam um pouco gastos e eu sabia que o custo seria maior, devido ao uso mais recorrente. Era uma preocupação”

 

 

 

 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.