As várias facetas de Machado de Assis serão abordadas em curso livre da USP

Curso on-line e gratuito sobre Machado de Assis explora múltiplas abordagens sobre sua obra; inscrições estão abertas até o dia 25 de janeiro

 17/01/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 17/05/2023 as 20:50
Arte sobre foto/Wikimedia Commons

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Quem foi Machado de Assis? Sua habilidade em discutir temas complexos da natureza humana e a projeção de sua obra na literatura mundial fazem com que o autor seja considerado um dos maiores escritores de todos os tempos. Esta classificação, no entanto, não é suficiente para englobar a complexidade que envolve a figura emblemática do escritor como vai mostrar o curso gratuito Abordagens plurais sobre a obra de Machado de Assis, oferecido no formato virtual pelo Museu Republicano de Itu (MRI) da USP, entre os dias 1 e 4 de fevereiro.

Com inscrições abertas ao público até o dia 25 de janeiro através deste link, o curso vai mostrar que Machado de Assis foi um homem de múltiplas facetas. Além de ter escrito clássicos como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, produziu crônicas, críticas literárias e editou seus próprios livros. O objetivo da iniciativa, segundo a coordenadora e supervisora do museu Maria Aparecida de Menezes Borrego, é “discutir facetas de Machado de Assis e múltiplos aspectos de sua obra por meio de abordagens de especialistas de várias áreas do conhecimento”. Serão disponibilizadas 400 vagas e não é necessário ter conhecimento prévio sobre o assunto.

No primeiro dia, as palestras Difusão do conhecimento histórico em museus universitários, Machado de Assis, páginas de literatura e história e Machado de Assis na biblioteca do Museu Republicano de Itu: curadoria e organização de uma exposição, irão dialogar como a exposição Machado de Assis, páginas de literatura e história, em cartaz no Centro de Estudos do Museu Republicano de Itu desde setembro de 2019. 

No segundo encontro, as palestras Machado de Assis e a renovação intelectual da geração de 1870 e (I)materialidades animais no Rio de Janeiro de Machado de Assis irão tratar de  como questões como escravismo, o abolicionismo e o racismo científico influenciam na literatura de Machado de Assis e na forma ele foi recebido pela sociedade de sua época. O contexto da cidade do Rio de Janeiro e o processo de inserção no universo intelectual do autor serão discutidos no terceiro encontro em Machado de Assis e a experiência da história: melancolia e assombramento do passado e “O grito do Ipiranga”: um inédito do jovem Machado de Assis

Maria Aparecida de Menezes Borrego – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

Por fim, no quarto e último encontro, as palestras  Machado de Assis editor e A história de uma coleção machadiana: o projeto editorial e o papel do editor terão como tema as experiências de Machado de Assis na edição de livros além das questões que permeiam suas escolhas editoriais e as publicações.

Maria Aparecida explica que uma das questões fundamentais do curso é “mostrar o potencial da obra machadiana para discutir uma série de temas caros à história do Brasil, tais como escravidão, abolição, monarquia, república, cidadania, trabalho, mulheres, ciência e tantos outros. Ou seja, fazer um esforço de pensar como a literatura é também fonte para o historiador”.  

Da Independência à República: Machado de Assis e a história do Brasil

Nascido em 21 de junho de 1839 na cidade do Rio de Janeiro, Joaquim Maria Machado de Assis acompanhou eventos marcantes, como a Independência do Brasil, em 1822, a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870, a Abolição da Escravidão, em 1888, e a Proclamação da República, em 1889. 

Por essa razão, sua vida privada e a sua obra dialogam com os acontecimentos que conturbaram a sociedade brasileira de sua época, como explica Lúcia Granja, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das palestrantes do curso. “Uma palavra importante para a gente entender o Machado de Assis é a intensidade da vida que ele viveu. Ele participou ativamente da vida social, política e artística da sua época”, diz.

Lúcia Granja irá ministrar a palestra “Machado de Assis editor” no dia 4 de fevereiro – Foto: Divulgação/Unicamp

Lúcia destaca o posicionamento crítico de Machado frente às mudanças políticas que se passavam. Em relação à abolição da escravidão, por exemplo, ela diz que “ele sempre vai acompanhar esse movimento, reverberando-o algumas vezes na sua ficção, outras vezes na crônica, mas sobretudo fazendo essa leitura do que é esse movimento nas camadas profundas da vida política brasileira e suas consequências na sociedade”.

Filho do pintor e dourador Francisco José de Assis, da açoriana Maria Leopoldina Machado de Assis e neto de ex-escravizados, o autor carrega em sua obra a proposta de analisar os impactos das transformações políticas nas camadas mais populares. Nessa ideia, Lúcia aponta que Machado de Assis refletia como o brasileiro se relacionava com as resoluções políticas, encontrando em eventos como a Proclamação da República uma repetição do comportamento de não combater os problemas em sua origem e de manter na elite o poder de tomada de decisões. 

“As modificações são apenas aparentes e jamais são estruturais, ou efetivamente pensadas para resolver o problema de forma ampla. Elas são sempre muito superficiais e isso parece claro para Machado de Assis”, ressalta Lúcia.
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Confeitaria do Custódio 

Em Esaú e Jacó, romance publicado em 1904, há uma passagem que reflete a posição machadiana em relação à proclamação da República. Na história, o personagem Custódio decide pintar a placa de sua loja Confeitaria do Império’. Enquanto o pintor executa a arte, acontece o golpe republicano e o personagem enfrenta a dúvida se deve mudar o nome de seu estabelecimento para Confeitaria da República. Assim, Machado de Assis explicita o que aquela mudança política representou para a maioria dos brasileiros: uma simples mudança de fachadas.

Ilustração: Rodval Matias – Reprodução FTD

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Relação de Machado de Assis com o mercado editorial   

Uma perspectiva inovadora proposta no curso é a de estudar a relação de Machado de Assis com o mercado editorial, em sua luta para manter o controle sobre seus textos. Lúcia entende que essa abordagem muda a forma como o escritor é retratado. “Ingenuamente a crítica tem debatido muito a genialidade de Machado de Assis, mas essa genialidade que a história dele nos legou foi dia a dia construída com muita batalha do próprio autor, por exemplo, para ser publicado ou para publicar seus textos da maneira como ele gostaria”. 

Ela diz que, nas palestras do quarto dia, será estudada a experiência do autor na passagem por várias editoras, seus possíveis conflitos com editores e a escolha de pagar pela publicação de seus livros. Contexto que está relacionado à sua participação em debates sobre propriedade literária, direitos autorais e a criação da Academia Brasileira de Letras.
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Machado de Assis e seus parceiros na fundação da Academia Brasileira de Letras. De pé: Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, João Carneiro Bandeira, Filinto de Almeida, Sebastião Passos, Antônio Magalhães, Bernardelli, Rodrigo Octávio, Júlio Afrânio Peixoto; sentados: João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos – Foto: Wikimedia Commons

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Um crítico à república no Museu Republicano

Fachada do Museu Republicano de Itu – Foto: Helio Nobre

O Museu Republicano de Itu, responsável pelo curso Abordagens plurais sobre a obra de Machado de Assis, é uma unidade auxiliar do Museu Paulista da USP. Suas instalações estão localizadas no sobrado histórico em que se realizou, em 18 de abril de 1873, a Convenção Republicana de Itu – reunião que marcou a fundação do Partido Republicano Paulista. Fundado em 1923 por Washington Luís, então presidente do Estado de São Paulo, o museu é um centro de estudo da Primeira República Brasileira, que realiza, além de exposições com seu rico acervo, atividades de ensino e pesquisa. 

Desde 2019, o museu conta com a exposição temporária Machado de Assis, páginas de literatura e história, que fará parte do diálogo proposto no curso. Apesar de Machado de Assis não ter sido, em vida, um apoiador ávido do regime republicano, sua presença no Museu Republicano é de grande relevância, segundo Lúcia Granja. “Eu acho muito importante esse curso estar sendo dado dentro desse espaço, porque o Machado foi um dos observadores mais sagazes dos primeiros anos da República”.

Lúcia acredita que seja preciso abstrair as especificidades do período histórico das críticas feitas por Machado de Assis. Para a professora, embora o objeto das análises da época de Machado de Assis fosse diferente, o que ele percebeu no Brasil no século XIX cabe perfeitamente no Brasil do século XXI. “Machado de Assis, foi intenso e profundo, e, por isso, ele é extremamente atual. É importante a gente entender o que ele estava dizendo e abstrair como alguma coisa geral para o Brasil. Como se o Machado de Assis fosse um dos primeiros intérpretes do país e o que ele disse naquela época, a gente vai continuar validando no século XXI”, conclui.    

O curso

O curso é gratuito, com dez horas de duração, e será realizado de 1 a 4 de fevereiro, na semana de aniversário da cidade de Itu. Serão disponibilizadas 400 vagas, sorteadas pelo sistema Apolo/USP. O prazo de inscrição é até o dia 25 de janeiro. Para se inscrever, clique aqui. 

A programação completa está disponível no site do Museu Republicano. 

 

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