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Acolhimento e luta contra o preconceito: o papel dos coletivos LGBTQIAP+ da USP

Espaços de apoio e inclusão ajudam veteranos e calouros; Universidade mantém programa para combater discriminação e investe em cursos para compreensão da diversidade

05/07/2021

Victória Borges

Conhecido mundialmente como o mês do orgulho LGBT, o último junho foi sobretudo de reflexão, principalmente no contexto de pandemia e de luta contra a homofobia no país. A data faz referência à Rebelião de Stonewall, ocorrida nos Estados Unidos, em 28 de junho de 1969. Gays, lésbicas, transexuais e drag queens protestaram contra ações arbitrárias da polícia, que promovia batidas violentas e humilhantes em bares LGBTs de Nova Iorque. O episódio durou seis dias, mas deixou um legado eterno: a partir dele, se intensificaram as lutas contra a LGBTfobia e a busca por igualdade de direitos ao redor do mundo.

Dentro do ambiente acadêmico, os estudantes da comunidade LGBT encontraram nos coletivos — grupos de pessoas que compartilham uma causa comum — não só uma forma de resistência, militância e articulação de ideias, mas também uma rede de apoio, afeto e troca de conhecimento.

Luísa Almeida, por exemplo, ingressou no curso de Letras, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em São Paulo, em 2019. No primeiro momento, o ambiente novo e grandioso trouxe algumas dificuldades e incertezas para ela: não sabia bem como fazer amigos, nem com quem conversar.

Ao final do primeiro ano da graduação, participou, junto com outros alunos do curso, da fundação do coletivo Todas as Letras. “O coletivo foi um divisor de águas importante para mim. Foi um espaço que me acolheu. Sinto que realmente fiz amigos e pude achar meu lugar dentro da USP”, ressalta.

A estudante já sabia que era bissexual antes mesmo de ingressar na Universidade. Porém, durante o ensino médio, não teve tantas experiências. “Foi uma época meio nebulosa para mim. A faculdade trouxe essa vivência de estar num ambiente com tantos tipos de pessoas diferentes”. 

Estar no coletivo ajudou Luísa a entender melhor sua relação com o gênero e a sexualidade. “Convivendo com pessoas nãobinárias e trans, consegui entender que minha identidade de gênero não é cis, ela é fluída. Percebi que está tudo bem você se descobrir, se entender e depois se desentender com o que já estava pré-estabelecido, sem ter que ‘sair do armário’, por exemplo”.

Luísa Almeida, do Coletivo Todas as Letras - Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Eu lembro que a bissexualidade foi uma grande questão pra mim, porque eu precisei me assumir para os meus pais. Isso não tinha que ser necessário. Não porque é um segredo, eu não tenho nada a esconder, mas porque é uma questão minha, que não diz respeito às outras pessoas. Posso aparecer namorando uma menina, assim como posso aparecer namorando um menino. A nãobinariedade, por exemplo, é uma questão que eu acho que não preciso expor para outras pessoas, que não preciso assumir e pedir desculpas para que me deixem existir. Isso é uma coisa que o coletivo me ensinou"

Luísa Almeida, do Coletivo Todas as Letras

A ideia de criar o coletivo partiu de uma publicação em um grupo de estudantes de Letras da USP no Facebook. Luísa conta que, dentro do curso, há muitas pessoas que fazem parte da comunidade LGBT e, na mesma hora, muitos manifestaram interesse em participar do coletivo, que hoje se mantém ativo nas redes sociais. “Além da página do Facebook e do Instagram, também temos um grupo no Whatsapp, onde falamos sobre coisas mais sérias, mas também jogamos conversa fora”.

O grupo realiza eventos culturais e debates on-line, além de reuniões de confraternização, que promovem a integração entre os estudantes do curso. Existem ainda alguns projetos que auxiliam pessoas trans — de dentro e fora da USP — no processo de retificação de nome e gênero. “Nós arrecadamos doações e a partir delas ajudamos essas pessoas, indo ao cartório e pagando as novas certidões. Também já fizemos distribuição de cestas básicas para pessoas LGBTs em situação de vulnerabilidade”. 

Outra pauta, conjunta com o coletivo Intertransvestigênere Xica Manicongo, também da USP, é a luta pelas cotas para transexuais. No Brasil, ao menos 12 universidades públicas têm vagas reservadas para trans. 

“Meu curso é um dos que mais tem pessoas LGBTs e o que mais tem pessoas trans de toda a Universidade. O coletivo é um ponto de encontro para essas pessoas, funciona como uma rede de apoio, não só técnico, mas também no sentido afetivo”, conta Luisa.

Estudantes que realizaram retificação de nome e gênero com auxílio do Coletivo Todas as Letras - Foto: Reprodução/Instagram

Diversidade na engenharia

coletivo Poli Pride começou em 2013, na Escola Politécnica (Poli) da USP em São Paulo, quando um grupo de amigos decidiu estudar a diversidade de gênero e sexualidade e levar essas questões de forma mais explícita ao restante da unidade.

O grupo se oficializou no ano seguinte e, a partir disso, passou a se estruturar como coletivo. Atualmente, a gestão do Poli Pride é formada por 13 pessoas, entre diretores, coordenadores e conselheiros. Também foi formada a Comunidade, um grupo no Whatsapp, no qual os estudantes podem interagir uns com os outros.

“Nós criamos esse laço entre os LGBTs da Poli. No começo do ano, tentamos puxar os calouros para o grupo, para que eles se sintam confortáveis e pertencentes à Universidade”, conta Luana Auatf, estudante de Engenharia Civil e coordenadora do coletivo.

Para Luana, o início da faculdade foi um período difícil. Ela participou de algumas entidades, mas teve dificuldade em encontrar amigos. “Quando você não se sente pertencente, a chance de achar que a faculdade não é pra você é muito alta. E eu sentia isso. Não conseguia nem entender o que os professores estavam falando e me perguntava se realmente merecia estar ali”.

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Luana Auatf, do Coletivo Poli Pride - Foto: Arquivo pessoal

Mas as coisas mudaram depois que a estudante foi apresentada ao coletivo e entrou para a Comunidade, onde conheceu pessoas novas e pode compartilhar experiências. “Fazer amizades e ter com quem conversar sobre as matérias me ajudou demais. É isso que eu tento fazer para as outras pessoas também”.

Além de ser um espaço de acolhimento, o Poli Pride também promove eventos à comunidade universitária, como a Semana de Diversidade da Escola Politécnica (SEDEP), momento de atividades, workshops e palestras que abordam temas voltados à comunidade LGBT, e o Prêmio Diversidade USP

A primeira etapa da segunda edição do prêmio ocorreu na segunda-feira, 28 de junho. A iniciativa busca incentivar ações relacionadas à diversidade e a causas sociais criadas dentro da Universidade, premiando em dinheiro o projeto mais votado.

Ao todo, foram seis inscritos dentre as categorias “Iniciativas e ações para o público LGBT”, “Acesso, inclusão e permanência de grupos minoritários na USP” e “Da USP para a comunidade: projetos para a comunidade externa”. Os vencedores foram divulgados no dia 30 de junho. A apresentação dos projetos pode ser conferida no canal do Frente Poli Pride, neste link.

O Poli Pride  também realiza ações internas aos alunos da Poli, como os Popcorn Pride, sessões de filmes relacionados ao universo LGBT, seguidas de rodas de conversa, e mentorias voltadas aos membros da comunidade LGBT. “A mentoria ajuda os alunos a se desenvolverem acadêmica, profissional e pessoalmente, além de incentivar a permanência no curso”, explica Pedro Bacic, coordenador do coletivo e estudante de Engenharia da Computação.

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Pedro Bacic, do Coletivo Poli Pride - Foto: Arquivo pessoal

Apresentação do segundo Prêmio Diversidade USP, Promovido pelo coletivo Poli Pride - Foto: Reprodução / Youtube

No último ano, deram início ao projeto “Banheiro para Todes”, que consiste na inserção de plaquinhas inclusivas, sem distinção de gênero, em todos os banheiros da Poli. Luana conta que o coletivo recebeu apoio da unidade durante o processo. “Não fomos barrados em nenhum momento. A ideia foi muito bem apoiada, principalmente pela comissão de ética e pela nossa diretora, Liedi Bernucci. Eles sempre olham para o que a gente faz, ajudam a compartilhar e divulgar nossos projetos”.

Pedro ressalta que, apesar do ambiente acadêmico ter aberto as portas à comunidade LGBT, nem todos os alunos sentem-se acolhidos e por isso os coletivos são importantes. “Nós continuamos existindo e precisamos de espaço. Não é porque começaram a abrir as portas que já é o suficiente, ou que estamos no lugar onde gostaríamos de estar. É muito importante a gente continuar mostrando os próximos passos dessa aceitação”.

L

Lésbicas
Mulheres que sentem atração sexual/afetiva por pessoas do mesmo gênero (cis ou trans)

G

Gays
Homens que sentem atração sexual/afetiva por pessoas do mesmo gênero (cis ou trans)

B

Bissexuais
Pessoas que sentem atração sexual/afetiva por pessoas de ambos os gêneros (cis ou trans)

T

Transexuais, travestis e transgêneros
Pessoas que não se identificam com o gênero atribuído em seu nascimento

Q

Queers
Pessoas que transitam entre os gêneros

I

Interssexual
Pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal não se encaixa no binário masculino-feminino

A

Assexual
Pessoas que não sentem atração sexual/afetiva por outras, independente do gênero

P

Panssexuais
Pessoas que sentem atração sexual/afetiva por outras pessoas

+

Inclusão de outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero não contempladas pelas outras letras

USP em prol da Diversidade

Assim como em diferentes setores da sociedade, o mundo acadêmico também se articula para combater o preconceito e discriminação. Desde 2011, a USP mantém o programa USP Diversidade, vinculado aos programas USP-Comunidade da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU). A ideia é desenvolver ações que estimulem a inclusão, a igualdade, a solidariedade, a promoção e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos.

O USP Diversidade articula-se com projetos, programas, atividades e grupos da Universidade para a criação e o fortalecimento de ações e de políticas de diversidade. Além disso, o programa atua em parceria com órgãos e instituições externas à Universidade, como a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids).

No site do programa, há um repositório com materiais sobre Diversidade na USP, Mulheres, LGBTQIA, Étnico-racial, Religião, Gênero, Desigualdade de Gênero, Violência de Gênero. Um desses documentos é um guia com orientações para apoiar estudantes ou funcionários que estejam fazendo transição de gênero.

Outras ações estão em cursos e treinamentos para melhorar a compreensão sobre a  diversidade, além de orientação sobre como proceder em casos de violência para usufruir de amparo dentro e fora do âmbito universitário.

Nome social

Em respeito à identidade de gênero dos estudantes, desde 2010, transexuais e travestis têm o direito de serem chamados pelo nome social dentro da USP. No final de 2016, a Universidade definiu que os documentos internos — cartão USP, listas de presença, Bilhete USP (Busp), declarações, resumo escolar, atestados e histórico escolar (sem conclusão) — seriam identificados apenas com o nome social definido. No caso do diploma, o nome social vem seguido da expressão “registrado civilmente por”, e o nome civil. Para solicitar a alteração dos documentos, o aluno deve ir até o serviço de graduação da sua unidade e preencher o formulário referente ao nome social. É necessário levar um documento com foto para identificação. 

Para mais informações, acesse:
prceu.usp.br/uspdiversidade/nome-social

Uma campanha do USP Diversidade nas redes sociais procura esclarecer sobre as formas de auxílio em caso de LGBTQIAfobia dentro e fora da Universidade. A campanha orienta sobre os canais que a comunidade LGBTQIA que teve seus direitos violados deve procurar, incluindo a Ouvidoria Geral da USP, a unidade na qual o estudante faz parte e a Delegacia de Delitos de Intolerância. Clique aqui para conferir.

O Jornal da USP veicula o SaúDiversidade, um podcast de saúde para as pessoas LGBT+, apresentado por Mario Cesar Vilhena – Professor e Pesquisador em Direitos Humanos – e Vivian Avelino-Silva – Médica Infectologista e Professora na Faculdade de Medicina da USP e na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

O podcast já tem 34 episódios disponíveis, confira neste link ou acompanhe pelo Spotify.

Coletivos da USP nas redes

EACH – Coletivo Saia Debaixo
https://www.facebook.com/SaiaDebaixoColetivo

ECA –  Coletivo Camaleoa
https://www.facebook.com/camaleoa.usp

EEFE – A Liga – Coletivo LGBT EEFE

EE – Coletivo Codeenf
https://www.facebook.com/codeenfusp 

Poli – Coletivo PoliPride
https://www.facebook.com/polipride
@frente.polipride

FCF – Coletivo LGBT da Farma
https://www.facebook.com/lgbtfarma 

FD – Coletivo Ferro’s
https://www.facebook.com/coletivoferros
@coletivoferros

FEA – Coletivo FEA Society
https://www.facebook.com/TheFeaSociety
@feasociety

FFLCH – Coletivo Todas as letras (Letras) // Madame Satã (História) // Lampião da Esquina (Sociais)
https://www.facebook.com/todasasletrascoletivo
https://www.facebook.com/coletivolgbtdahistoria
https://www.facebook.com/coletivoLGBTnasociais
@todasasletrascoletivo

FM – Núcleo de Estudos em Gênero, Saúde e Sexualidade
https://www.facebook.com/NEGSSFMUSP/
@negss.fmusp

FMVZ – Coletivo LGBT – VET USP
https://www.facebook.com/Coletivo-LGBT-VET-USP-144334639362318/ 

FO – Coletivo Godivas
https://www.facebook.com/godivasFO/ 
@godivas_fousp

IB – Coletivo BioDiversidade
https://www.facebook.com/watch/coletivobiodiversidade

IF – Coletivo Prisma
https://www.facebook.com/prismagw 

IGc – Coletivo Diversaurus
@diversaurus.igc
https://www.facebook.com/Coletivo-Diversaurus-LGBT-IGc-USP-487140458099654/ 

IME –  Coletivo DiversIME
https://www.facebook.com/diversimeusp 

IQ – Coletivo DiversifIQ-se
@diversifiqse

IRI – Coletivo MaRIas
https://www.facebook.com/coletivolgbtriusp 
@mariasiriusp

Ribeirão Preto

FFCL – Coletivo Philomena
https://www.facebook.com/coletivophilomena
@coletivophilomena

FARMA – Coletivo Farmagia
@coletivofarmagia

FMRP – Liga Acadêmica de Gênero, Saúde e Sexualidade
https://www.facebook.com/Lagssex.fmrp 
@lagssex.fmrp

FDRP – Coletivo Coração
https://www.facebook.com/fdrplgbt 
@coletivo.coracao

EERP – Liga de Estudos em Gênero e Sexualidade
https://www.facebook.com/LEGS.USP 
@legs.usp

São Carlos

CAASO – Coletivo Nuances CAASO
https://www.facebook.com/nuancescaaso/
@nuancescaaso

Piracicaba

ESALQ – Coletivo Integra ESALQ
https://www.facebook.com/integraesalqusp
@integraesalqusp