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Censura como meio de política dos afetos e bloqueio da argumentação

Ariani Bueno Sudatti Márcio Seligmann-Silva

resumo

O texto mostra por que hoje é essencial recordarmos os artigos 19 e 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948. Ele destaca que refletir sobre o sentido do “direito à liberdade de opinião e de expressão” e do “direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico” implica ir aos próprios fundamentos da política moderna, pois em seus alicerces encontramos tanto uma doutrina e uma prática dos arquivos quanto uma doutrina e prática da política dos afetos, com ênfase na compaixão e no medo. Apresenta-se em que medida a censura procura orquestrar não só o que podemos (e devemos) saber, mas também de quem devemos nos compadecer: pelo que e por quem deveríamos nos sacrificar e de quem devemos ter medo.

Palavras-chave: censura; compaixão; biopolítica; medo; argumentação.

 

abstract

This text shows why it is crucial we recall today Articles 19 and 27 of the 1948 UN’s Universal Declaration of Human Rights. It stresses that reflecting on the meaning of the “right to freedom of opinion and expression” and “the right to take part freely in the cultural life of the community, to enjoy the arts and to participate in scientific progress” implies reaching back to the very foundations of modern politics, as we will find there both a doctrine and an archive practice and a doctrine and a practice of affective politics, with an emphasis on compassion and fear. It shows how censorship seeks to determine not only what we can and should know, but also with whom we must sympathize, for which and whom we should sacrifice ourselves and of whom we should be afraid.

Keywords: censorship; compassion; biopolitics; fear; argumentation.

 

Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica
o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir,
sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.

“Artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.”

“Artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.”

“Artigo 22 da Constituição Brasileira: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; […] § 2o: é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

A chamada da notícia publicada no dia 22 de julho de 2018 era suficientemente eloquente: “Rússia, acusada de disseminar fake news, terá lei proibindo a prática”. Para combater os supostos hackers e se livrar da acusação de estar influenciando eleições ocidentais, a Rússia criou uma lei que visivelmente limita a liberdade de expressão. Se o governo de Vladimir Putin já havia criado leis que proíbem a “promoção da homossexualidade”, agora as regras que limitam a liberdade de expressão ficam mais estritas com a obrigatoriedade de que sites com mais de 100 mil visitantes por dia e campos abertos a comentários devam remover “publicações factualmente incorretas”, sob penas que podem chegar à soma descabida de 3 milhões de reais. A questão, é claro, é quem determina o que seria factualmente incorreto ou não. Como a lei não define isso, por evidente, isso ficará a cargo de algum burocrata do Estado (Folha de S. Paulo, 22/7/18, p. A12).

No Brasil de 2017 assistimos a um ataque em série a exposições e museus, a partir de manifestações, aparentemente orquestradas, articuladas por movimentos como o MBL, que denunciavam essas exposições como promotoras de pedofilia, zoofilia e ainda como pornografia. Isso ocorreu, por exemplo, com a exposição “Queermuseu”, que estava exposta no Santander Cultural, em Porto Alegre, e com apresentações do performer Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo. A exposição gaúcha acabou sendo fechada por conta das denúncias infundadas. Já a performance de Schwartz foi apresentada na abertura do 35o “Panorama da Arte Brasileira”, no dia 26 de setembro. Tratava-se de uma performance intitulada La Bête que dialogava com os trabalhos de Lygia Clark, notadamente seus Bichos, que consistiam em obras metálicas dobráveis. O Ministério Público reconheceu que não houve crime algum nessa performance, mas os grupos de direita conseguiram com essas ações criar um clima de caça às bruxas e de autocensura. Isso tanto é verdade que logo após esses incidentes a exposição “História da sexualidade” ocorrida no Masp, aberta em 20 de outubro, estabeleceu a censura por idade, deixando de fora os menores de 18 anos. Sem pauta política após o estrondoso fracasso do governo atual, as mesmas forças políticas que levaram ao golpe que empossou Temer na Presidência da República encenam esse teatro macabro, procurando criminalizar artistas, ali onde uma parte da classe política está, ela sim, com as mãos sujas de sangue.

Diante desse cenário que traçamos aqui muito rapidamente e a título introdutório, fica mais do que patente por que hoje é tão importante recordarmos os artigos 19 e 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948. Refletir sobre o sentido desse “direito à liberdade de opinião e de expressão” e do “direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico” implica, a bem da verdade, ir aos próprios fundamentos da política moderna, pois em seus alicerces encontramos tanto uma doutrina e uma prática dos arquivos quanto uma doutrina e prática da política dos afetos, com ênfase na compaixão. Tentaremos mostrar aqui em que medida a censura procura orquestrar não só o que podemos (e devemos) saber, mas também de quem devemos nos compadecer: pelo que e por quem deveríamos nos sacrificar e de quem devemos ter medo. Na narrativa dos fatos cotidianos incide a questão epistemológica da pluralidade de línguas e de interpretações, que deve ser enfrentada apenas via livre embate das inscrições e dos argumentos. Querer censurar ou falar em fake news implica impor o que seria “a” versão “verdadeira”.

O DIREITO À LIBERDADE DE OPINIÃO E DE EXPRESSÃO DE NOSSAS IDEIAS

Em 1644, em plena guerra civil inglesa, John Milton, esse grande poeta e ensaísta, publica um texto veemente se opondo à tentativa de recrudescimento da censura. Trata-se do conhecido ensaio Areopagitica. A speech for the liberty of unlicensed printing to the Parliament of England. Milton defende a liberdade de pensamento e de expressão como a base da política e da vida moderna: “Give me the liberty to know, to utter, and to argue freely according to conscience, above all liberties”. Ele compara também a interdição a um livro ao assassinato de uma pessoa e da razão: “[…] as good almost kill a man as kill a good book. Who kills a man kills a reasonable creature, God’s image; but he who destroys a good book, kills reason itself, kills the image of God, as it were in the eye”. Heine, no século XIX, retomará essa ideia: “Dort wo man Bücher verbrennt, verbrennt man am Ende auch Menschen” [“Onde queima-se livros, no fim queima-se também pessoas]”. Infelizmente, durante o Terceiro Reich passou-se da censura de livros à sua queima e à queima de opositores, de judeus e ciganos. Resistir à censura, portanto, tem um valor fundamental na construção de uma vida digna e deve ser uma prática cotidiana.

Vemos aqui nessas palavras de Milton a formulação de um verdadeiro direito natural à liberdade. As cartas estabelecendo os direitos da humanidade são os receptáculos privilegiados dessa tradição intelectual que defendia a existência desses direitos naturais e, portanto, inabaláveis, que sustentariam toda a arquitetura jurídica. O próprio termo “direito humano” é um sucedâneo do “direito natural” e foi utilizado em francês pela primeira vez em 1763, por Voltaire, em seu Tratado sobre a tolerância (Hunt, 2009, p. 21). Já o termo “direitos do homem” (assim mesmo, universalizando o homem em detrimento do outro gênero) foi utilizado em 1762 por Rousseau em seu O contrato social, sendo que aí ele ainda não dera uma definição do termo, que surge ao lado de “direitos da humanidade” e de “direitos do cidadão e do soberano”. Mas o importante é a formulação de um direito natural que possui a liberdade em seu âmago:

“Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, inclusive aos seus deveres. Não há nenhuma compensação possível para quem quer que renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e é arrebatar toda a moralidade de suas ações, bem como subtrair toda liberdade à sua vontade” (Rousseau, s.d., p. 17).

 

DIREITOS DO HOMEM COMO DIREITOS ENTRE IGUAIS: SOBRE A PIEDADE

Fundamental aqui é notar que para Rousseau a piedade é o princípio moral par excellence, enquanto um sentimento imediato, anterior à reflexão. Graças a ela podemos nos colocar no lugar de quem sofre e nos identificar com ele. Em um sentido bem cristão, lemos que a piedade é o primeiro sentimento de relação. O piedoso tem em si “le triste tableau de l’humanité”, pois toda humanidade sofre. No seu Discours sur les origines de l’inégalité parmi les hommes, ele fundamenta o direito natural a partir da noção de piedade:

“Sobretudo, não vamos concluir, com Hobbes, que, por não ter qualquer ideia da bondade, o homem seja naturalmente mau, que seja vicioso porque não conhece a virtude, que recusa sempre serviços aos seus semelhantes que não crê dever-lhes […]. Há, aliás, outro princípio de que Hobbes não se apercebeu e que, tendo sido dado ao homem para acalmar em certas circunstâncias a ferocidade do seu amor-próprio, ou o desejo de se conservar antes do aparecimento deste amor, tempera o ardor que tem pelo seu bem-estar por uma repugnância inata em ver sofrer o seu semelhante. Não julgo ter de temer qualquer contradição ao conceder ao homem a única virtude natural que até o mais feroz detrator das virtudes humanas lhe teve de reconhecer. Falo da piedade, disposição que convém a seres tão fracos e sujeitos a tantos males como nós o somos; virtude tanto mais universal e tanto mais útil ao homem quanto ela lhe é anterior ao uso de qualquer reflexão e tão natural que os próprios animais algumas vezes dão sinais sensíveis dela” (Rousseau, 1976, pp. 43 e segs.; Rousseau, 1964, pp. 153 e segs.)1.

Como prova da naturalidade da piedade e de sua anterioridade com relação a toda reflexão, Rousseau recorda que nos espetáculos mesmo o tirano, que não hesitaria em aumentar os tormentos dos inimigos, fica enternecido e chora. Todas as virtudes sociais provêm da piedade e o homem aparelhado só com a razão e sem a piedade seria um monstro. Dentre os derivados da piedade ele recorda a amizade, a clemência e a generosidade. A comiseração seria “um sentimento que nos coloca no lugar daquele que sofre”, mas que teria se tornado mais fraco no homem civil. A base da comiseração, como a da piedade, é a identificação: “[…] a comiseração será tanto mais forte quanto mais intimamente se identificar o animal espectador com o animal sofredor” (Rousseau, 1974, p. 46; “[…] la commiseration será d’autant plus énergique que l’animal Spectateur s’identifiera plus intimement avec l’animal souffrant” (Rousseau, 1964, p. 155). A razão, engendrando o amor-próprio, permite, graças ao fortalecimento da reflexão, que não nos sintamos mais identificados com a pessoa que sofre. Como resumiu Hannah Arendt (1988, p. 64), para Rousseau: “Onde terminava a paixão – a capacidade de sofrimento – e a compaixão – a capacidade de sofrer com os outros –, começava o vício”. Para ele, contrariamente aos teóricos do trágico e do sublime, mas em harmonia com autores cristãos, a compaixão estaria vinculada a uma repugnância generalizada com relação a ver a morte e o sofrimento. Também a teoria moral do século XVIII de um modo geral (de modo oposto a Edmond Burke) fala de um desconforto com relação à visão do sofrimento alheio. Detecta-se em Rousseau uma releitura piedosa da história da humanidade. Para impedir que a piedade descambe em uma fraqueza, ele afirma que ela deve ser generalizada e estendida ao gênero humano: tendo piedade da espécie, a piedade se converte em fonte da justiça.

 

A AMBIGUIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

O corolário dessa fundamentação dos “direitos naturais” ou “direitos do homem”, ou, mais corretamente, “direitos da humanidade” no afeto da compaixão é que necessariamente teremos compaixão e, logo, incluiremos no círculo compassivo da humanidade apenas aqueles com quem nos identificamos. Aqui percebemos um ponto nevrálgico, aquilo que chamaremos de ambiguidade dos direitos humanos. Como Aristóteles já escrevera em sua Arte retórica, temos compaixão apenas pelos nossos “iguais”. “Temos compaixão”, ele escreveu, “dos que nos são semelhantes na idade, no caráter, nos hábitos, nas dignidades, na origem [cata géno], porque em todos esses casos é mais evidente a possibilidade de também nós sofrermos os mesmos reveses, e em geral devemos admitir também aqui que tudo quanto receamos que nos aconteça causa compaixão, quando ocorre a outros” (Aristóteles, 2000, pp. 55 e 57).

Essa construção do comum, daqueles dignos de compaixão e portadores de direitos naturais, passa pelo constante ato de traçar as fronteiras e reforçar muros e barreiras entre grupos sociais, de gênero e também etários. Afinal, mulheres e crianças não eram cobertas por esse cobertor compassivo, como tampouco os escravos e negros, no século XVIII. Como Hunt (2009, p. 27) nota com relação aos dois primeiros, elas não teriam a “autonomia” necessária para exercer os direitos humanos. Cesare Beccaria só pôde escrever seu tratado Dos delitos e das penas, em 1764, com sua crítica radical das penas violentas e calcado na ideia de direitos humanos, graças a esse estabelecimento do ideário da compaixão. É verdade que a história dos direitos humanos na modernidade é a história do alargamento desse cobertor compassivo. Não se trata de uma história linear nem isenta de retrocessos, negociações belicistas e barbáries (Seligmann-Silva, 2009, p. 102). Mas, sem cair no teleologismo fácil, podemos ver um caminhar do nascimento dos direitos do homem no século XVIII até o chamado direito dos animais, no século XXI (se neste ano comemoramos os 70 anos da declaração da ONU dos Direitos do Homem, comemoramos também os 40 anos da Declaração Universal dos Direitos dos Animais da Unesco/ONU de 1978). Em 1787 criou-se a Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos, na Inglaterra; em 1788 foi fundada a Sociedade dos Amigos dos Negros por Brissot (Hunt, 2009, pp. 106 e 207); em 1824, a Society for the Prevention of Cruelty to Animals, admirada por Schopenhauer (Seligmann-Silva, 2011, p. 48); em 1961, a Anistia Internacional; e, em 1971, os Médicos sem Fronteiras.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, decretada pela Assembleia Geral, também é calcada na compaixão e mantém todas as ambiguidades dessa paixão: ela prevê a proteção dos direitos naturais, sendo que a força pública será utilizada nesse sentido, instituindo uma hidra que, para proteger, controla. Lá também constam os artigos 10 e 11, que citamos em nossa epígrafe. E aí também a proteção já transborda para o controle: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”. “Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

 

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A DECLARAÇÃO DA ONU

A Segunda Guerra Mundial, com seus mais de 60 milhões de vítimas fatais, fez com que a humanidade, ou parte dela, sentisse necessidade de repensar seus fundamentos e o próprio humanismo que sustentou suas ideologias. Daí a Declaração Universal de 1948. Não por acaso, pensadores à esquerda costumavam desconfiar e até debochar da cartilha humanista, de Charles Fourier a Marx (Hunt, 2009, pp. 199 e seg.). Mesmo pensadores “de centro” ironizaram esse ideário. Para Hanna Arendt (1988, p. 71), por exemplo: “A piedade, tomada como fonte de virtude, tem demonstrado possuir uma capacidade para a crueldade maior do que a própria crueldade”. Ela cita umas passagens de documentos das seções da Comuna de Paris à Convenção Nacional que deixam patente esse fato (biopolítico) quanto à unidade entre piedade e crueldade: “Par pitié, par amour pour l’humanité, soyez inhumains” (grifo no original). “Assim, o cirurgião hábil e prestativo, com sua cruel e benevolente faca, decepa o membro gangrenado, a fim de salvar o corpo do paciente” (apud Arendt, 1988, p. 71 – grifo meu). Não por acaso a metáfora aqui é médica. Esta imagem pode muito bem ser aproximada da expressão corrente no Terceiro Reich para o programa de eutanásia com relação aos considerados “doentes mentais incuráveis”, que na verdade era a concretização de um projeto de eugenia: Gnadentod, “morte por graça”, que Agamben (2002, p. 147) recorda em seu ensaio sobre o Homo sacer. Como ele chama a atenção, este projeto estava voltado para “a eliminação da vida indigna de ser vivida”. Mas vale enfatizar que Auschwitz não se deixa explicar pela compaixão. Sem a estoica indiferença para com a dor dos outros e sem um prazer perverso, o assassinato de milhões não teria sido possível. Portanto a luta pelos direitos da vida passa a ser pensada após a sucessão de barbáries que marcou o século XX como uma parte daquilo que Foucault denominou de biopolítica, como tentativa de se voltar a máquina biopolítica contra sua própria lógica.

 

SOBRE CENSURA E PAUTAS

É importante ter em mente, quando se fala em censura e em direito à liberdade de pensamento e de opinião, que, pese o exemplo acima da Rússia, o Estado como agente de censura se torna cada vez menos visível nessa história da construção da compaixão e dos direitos do homem. Mas nem por isso a censura deixa de atuar, sob a sua forma mais perversa e ativa, a das pautas. Quem cria as pautas internacionais, nacionais e locais de nossos jornais cotidianos? São essas pautas que vão mobilizar e formatar nossos ódios e (com)paixões. Elas são, portanto, essenciais e revelam a importância sagrada da liberdade de imprensa e da perversidade que é se pensar em liberdade quando apenas meia dúzia de agências internacionais e nacionais criam as pautas, ajudando assim a criar os “amigos” (os iguais, dignos de compaixão e de direitos humanos) e os inimigos (os não iguais, dignos de medo/ódio). As paixões trágicas estudadas por Aristóteles, compaixão (éleos) e medo (phóbos), são assim distribuídas por partes da humanidade e direcionam toda ação política. A política é antes de mais nada política do medo e da compaixão e a censura desempenha aí um papel fundamental. De um lado, se criminaliza populações (classes, partidos, gêneros, ativistas pelos direitos humanos, etc.), de outro, se constrói os grupos por quem devemos lutar e nos sacrificar. Nesse sentido, vale lembrar a incontornável máxima que Marx e Engels desenvolveram em A ideologia alemã (1845-46), que expressa de modo cristalino como essas pautas são criadas/ocultas: “Os pensamentos da classe dominante são, em cada época, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que é a força material dirigente é também a força espiritual” (Marx & Engels, 1932, p. 26).

Victor Hugo, um dos paladinos na luta pela liberdade de opinião na França do século XIX, escreveu em “La liberté de la presse”, pouco tempo depois, em 1850:

“A soberania do povo, o sufrágio universal, a liberdade da imprensa são três coisas idênticas, ou, para dizer melhor, a mesma coisa sob três nomes distintos. As três constituem todo nosso direito público: a primeira é o princípio, a segunda é o modo, a terceira é o verbo. A soberania do povo é a nação em estado abstrato, é a alma do país; ela se manifesta sob duas formas: de um lado, ela escreve, é a liberdade de imprensa; de outro, ela vota, é o sufrágio universal.

Essas três coisas, esses três fatos, esses três princípios, ligados por uma solidariedade essencial, exercendo cada um a sua função, a soberania do povo vivificando, o sufrágio universal governando, a imprensa esclarecendo, confundem-se em uma unidade estreita e indissolúvel e essa unidade é a república” (Hugo, 2002, pp. 260 e seg.).

Mas a questão aqui, o problema, é a plutocracia/oligopólio e seu domínio sobre a construção e distribuição das notícias. Não por acaso, no “Complemento da Declaração dos Direitos do Homem” (elaborado pela Liga dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1936), o artigo sobre liberdade de opinião destaca esse risco: “Artigo 7º – A liberdade de opinião exige que a imprensa e todos os outros meios de expressão do pensamento sejam livres do domínio das forças do dinheiro”. Nada mais utópico, no sentido plenamente negativo desse termo, uma vez que a lógica que determina toda a organização social no capitalismo é justamente o “time is money”. Vale lembrar, ainda, que a liberdade de opinião e de pensamento só se torna efetiva quando as pessoas têm acesso à educação e aos bens culturais e, mais ainda, possuem tempo livre para refletir criticamente sobre aspectos importantes da existência e da vida social. Esse tempo livre para Marx nada tem a ver com tempo ocioso no sentido simplesmente do não trabalho. Muito pelo contrário, ele vincula a reorganização das atividades humanas a uma outra lógica das relações humanas que se opõe ao trabalho alienado, que transforma o homem e os demais seres vivos em coisa.

Vivemos agora a era da explosão das novas mídias e da resistência à plutocracia via novos canais, como Mídia Ninja ou Jornalistas Livres, entre centenas de outros. Como na ditadura de 1964-1985, contra o apoio massivo da grande imprensa e dos canais de televisão ao regime autoritário, surgiu a chamada imprensa alternativa, com jornais como O Pasquim, Movimento, Opinião, entre os mais conhecidos. Hoje, cada um com seu dispositivo privado de captação de imagens pode ser um repórter, pode ajudar a furar o gigantesco muro construído pela grande mídia. A estabilidade da ideologia dominante é garantida às custas de um grave corte entre o sentido construído pelo discurso e a própria realidade sócio-histórica. Levantar-se contra as vozes impostas pelo discurso hegemônico envolve questionar as práticas discursivas estabelecidas, submeter o sentido instituído ao confronto com a realidade histórica e social que lhe é subjacente.

 

A ARTE COMO INSCRIÇÃO A CONTRAPELO DO QUE FOI CENSURADO E DO NEGACIONISMO

Um aliado nessa construção de outras pautas são os artistas. Lembro, nesse sentido, de um trabalho do artista chileno Alfredo Jaar, Untitled (Newsweek), de 1994, ano do genocídio da população tutsi em Ruanda. Essa obra de Jaar é um trabalho quase psicanalítico de inscrição de uma memória recalcada. Jaar monta nessa obra 17 pranchas compostas com as 17 capas da revista Newsweek publicadas durante o período no qual se dava o massacre na África. A obra destacava o contraste entre a realidade e a sua representação “oficial”. A suposta revista de notícias e informação passou 100 dias sem noticiar que se dava naquele momento um dos genocídios mais sangrentos do século. Suas capas destacavam as fotos de estrelas do futebol e da música, lembravam o dia do desembarque aliado na França em 1944, tematizavam o mercado de ações, especulavam sobre a possibilidade de vida em Marte, etc. Abaixo de cada imagem que reproduzia essas 17 capas, o artista escreveu o que acontecia em Ruanda em cada um daqueles momentos. A arte trabalha aí como escritura a contrapelo, como reveladora de imagens que estão sendo o tempo todo recalcadas, riscadas ou mesmo barradas de serem inscritas. O artista se volta para o sofrimento que a sociedade recusa ver – a não ser sob o signo da espetacularização ou da manipulação nacionalista, como no caso dos atentados terroristas e de sua cobertura. Esse tipo de imagem espetacular cega ao invés de abrir nossos olhos para o real. A imagem de artista, pelo contrário, pode servir de ponte e acesso para o “outro” e para o real.

Outra obra que merece destaque como contrainscrição da barbárie é o trabalho de Jaime Lauriano Quem não reagiu está vivo (2015). Trata-se de uma série de dez pranchas com folhas enquadradas sob material transparente, cada qual com uma imagem na parte superior, um título no meio e um texto em português e inglês na metade de baixo. Essa forma lembra, não por acaso, a forma barroca do emblema, que era caracterizada pelo jogo entre um título, um texto em forma de poema ou de prosa e uma imagem. O título portava a “moral” do emblema. Aqui nessa obra de Lauriano, os títulos assumem mensagens que visam a rever a história do Brasil, orientando-a agora do ponto de vista dos vencidos e espezinhados. Ele concretiza a necessidade de se “escovar a história a contrapelo” (Benjamin, 2012, p. 245), na expressão de Walter Benjamin, contra-arquivando a história. Como Benjamin nota na mesma tese, “Sobre o conceito da história”, o historiador crítico, o materialista histórico deve recuar (distanciar-se) criticamente da noção de história tradicional, poderíamos dizer com Nietzsche (1988), monumentalista, que vê na história um cortejo de vencedores e se identifica com ele (Benjamin, 2012, pp. 244-5).

Lembremos também da formulação de Górgias: “Quando as pessoas não têm memória do passado, visão do presente nem adivinhação do futuro, o discurso enganoso tem todas as facilidades” (O elogio de Helena). Assim, acompanhamos nas pranchas de Lauriano uma reescritura de uma história que parecia familiar e conhecida, mas que é transformada e revelada em seu fundo de violência recalcada. Com seu foco nas lutas de resistência e na violência da repressão, ele trabalha no sentido de construir uma nova imagem para a história de um país que ainda costuma cultuar seus “heróis” vindos de suas elites. Também em seus outros trabalhos, Lauriano costuma se engajar pela inscrição da violência de raça, desconstruindo um poderoso negacionismo presente na cultura brasileira que até hoje resiste a reconhecer e inscrever a história da violência contra negros e indígenas.

Não podemos esquecer que, desde o final do século XX e no nosso século, passou-se a observar as artes como poderosos meios de inscrição da violência e dos traumas sociais. A arte finalmente abandonou o campo da mera “imitação” e passou a ser um “agente” de memória e de história. Não por acaso exposições trazem em suas pautas temas políticos da atualidade. Questões ligadas à imigração, a gênero e transexualidade, a memória de totalitarismos e de ditaduras, debates religiosos fazem com que as artes adentrem de modo crítico áreas que antes eram consideradas tabu. As artes, sobretudo a partir das vanguardas, tornaram-se agentes de mudança da esfera pública: elas constituem-se de uma linguagem distinta que faz estremecer nossa prosa utilitarista e moralista. A arte mais e mais (já desde o Romantismo) foi cerceada pela censura: as imagens (como escreveu Flusser) foram banidas para os museus. Daí a doutrina da “arte pela arte” e a demonização da arte política. Mas essa doutrina derreteu sobretudo desde os anos 1960 e nos defrontamos com um panorama totalmente novo. Não só as artes mudaram (e o próprio conceito eurocêntrico de arte teve que ser revisto), mas também a política, que se tornou espetáculo cooptado por fundamentalismos econômicos e religiosos, transformou-se.

 

A VOLTA DA RETÓRICA

Devemos ter em mente que a liberdade de pensamento, de ideias e de opiniões, bem como a liberdade para tomar parte da vida cultural da comunidade, não é uma invenção iluminista ou do direito moderno. Entre os gregos, o nascimento do direito, com a constituição dos primeiros tribunais de nossa história, coincide com o despontar de uma tradição que se identifica plenamente com esses ideários: vale dizer, a tradição dos sofistas e dos estudos de retórica que eles desenvolveram, no século IV a.C. Os sofistas defendiam com veemência a tese de que não existe uma verdade única, e por isso todos teriam o direito de defender em praça pública o seu próprio ponto de vista. Liberdade de pensamento, de opinião e de manifestação eram valores indissociáveis da democracia grega. Na base da sofística reside a relativização axiológica e a premissa de que a verdade como valor não existe, como podemos ler nos lemas de Górgias e de Protágoras, respectivamente: “O Homem é a medida de todas as coisas”; “Nada existe; em segundo lugar, mesmo que exista alguma coisa, o homem não a pode apreender; em terceiro lugar, mesmo que ela possa ser apreendida, não pode ser formulada ou explicada aos outros”. Para Protágoras, a verdade existe apenas como a verdade de cada indivíduo, de cada cidade, de cada pólis. Podemos também interpretar o “nada existe” de Górgias como a inexistência do real ontológico em si mesmo. O que existe não é a coisa em si, mas a palavra ou os discursos. É no reino da palavra que a vida social ganha existência, por isso o domínio da retórica e de todas as técnicas de argumentação surge como um instrumento importantíssimo dentro do contexto da democracia grega, e aqui prepondera a lógica de que vence a tese mais bem sustentada no debate público. O poder do melhor argumento que persuade os cidadãos a agir em determinada direção substitui a violência física. Assim, existe uma ambiguidade importante no pensamento dos sofistas: se o que vale é o poder da palavra utilizado para justificar todo e qualquer ponto de vista, o mundo dos sofistas também fundamenta um humanismo e um ideal de tolerância diante de opiniões diferentes, base esta do pensamento democrático e dos artigos da Declaração dos Direitos do Homem aqui abordados.

Por isso também, entre os gregos, Aristóteles se debruçou sobre esses teóricos do discurso e redigiu sua própria Retórica. À diferença dos sofistas, como teórico da ética e com toda base filosófica dada por seu mestre Platão, Aristóteles moraliza a retórica desenvolvendo a diferenciação entre uma argumentação racional e uma argumentação superficial e enganosa. É preciso ser capaz de defender teses e antíteses não para torná-las equivalentes, mas para entender melhor os mecanismos do pensamento e poder decidir com justiça. Esse embate racional entre teses e antíteses é a base da dialética, que por sua vez constitui o logos, a parte mais racional da retórica aristotélica. A injustiça prepondera quando o pior argumento vence, justamente porque a arte da argumentação não foi cultivada e praticada como deveria (Aristóteles, 1991, p. 23). A retórica em Aristóteles permite entender criticamente a realidade e assim exercitar nossa liberdade de opinião e de pensamento. Sua função não é somente persuadir, mas permitir entender e analisar o que cada caso comporta de persuasivo, para, caso alguém se valer de argumentos desonestos, estar em condições de refutá-los.

Na modernidade, a ideia iluminista da existência de uma verdade científica como a única possível e valorizada sufocou o mundo da relativização dos valores e das ideias. O censor aparecerá sempre como aquele que detém a verdade e possui a força (o direito) a seu favor, para poder impô-la.

Como se sabe, a sofística foi absolutamente desvalorizada dentro de nossa tradição filosófica, sobretudo a partir do Iluminismo, e, não por acaso, os teóricos da argumentação do século XX, sobretudo no pós-Segunda Guerra Mundial, no momento de reconstrução das democracias ocidentais, tratam de reabilitar a importância do pensamento de Aristóteles e dos sofistas sobre a retórica. Nesse momento histórico, de tentativa de elaboração desse passado sangrento, abominável e traumático representado pelos ideários nazistas e pelos horrores da guerra, foi necessário reafirmar o pluralismo axiológico, a relativização da verdade e a importância da argumentação para a história do pensamento. A liberdade de opinião se torna novamente a chave-mestra para se pensar o próprio conceito de racionalidade, que volta a ser regido pela liberdade do cientista de postular e defender, através de um processo argumentativo racional, a sua verdade, sabendo que jamais essa será a única possível e existente. Nesse sentido, no direito, merecem destaque os trabalhos do filósofo do direito Chaïm Perelman, conhecido por ser um dos grandes reabilitadores dos estudos de retórica no pós-Segunda Guerra Mundial, com sua nova retórica (Sudatti, 2003), bem como de Recasens Siches, no México, e Theodor Viehweg, na Alemanha, dentre outros.

Aqui podemos entender que o Artigo 220 da Constituição Brasileira, que veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, erigindo o ideal de liberdade de pensamento, criação, expressão e informação, é tributário dessa linhagem teórica, que valoriza a argumentação como exercício fundamental de racionalidade e liberdade, que entende esse exercício como indissociável do pensamento democrático. Não por acaso, no atual contexto histórico de reafirmação de uma linhagem conservadora, reacionária e neofascista da política, esses princípios constitucionais estão sendo tão violados e mitigados. Contra a melancolia a que esse estado de coisas nos condena, devemos mobilizar a cupiditas, as paixões positivas, que permitirão enfrentar todo medo e temor que as forças obscuras movimentam.

 

 

ARIANI BUENO SUDATTI é professora da Escola Paulista de Direito.

MÁRCIO SELIGMANN-SILVA é professor titular do IEL-Unicamp e autor de O local da diferença. Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução (Editora 34).

 

 

1 Sobre a importância da piedade na formação da sociedade cf. também o prefácio ao Discours (Rousseau, 1964, pp. 125 e seg.). É verdade que no Essai sur l’origine des langues Rousseau apresenta-se mais próximo das ideias de Hobbes. Ele argumenta que na verdade a piedade exige um movimento de reflexão que inexistiria no estado natural. Mas, mesmo assim, ele ainda insiste no elemento primário da piedade, como algo natural (cf. Rousseau, 1998, pp. 139-40). Sobre a paradoxal unidade da doutrina da piedade nestas duas obras de Rousseau cf. Derrida (1967, pp. 243-72).

 

 

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