A professora Raquel Rolnik foca como tema de seu comentário a retirada, pela Prefeitura de São Paulo – em plena semana da Consciência Negra -, das luminárias japonesas na Rua dos Aflitos, no bairro da Liberdade, fruto de pressão do Movimento Negro. A colunista salienta que, embora seja um bairro que foi orientalizado, cuja presença, sobretudo japonesa, é muito forte, é um território negro, como exemplificado pela presença, naquela região, da Capela dos Aflitos, “uma referência religiosa importantíssima para a comunidade negra” e um símbolo também importante “daquele espaço, que era o espaço onde estava situada a forca, onde existiam elementos de tortura, de pelourinho”, ao lado do qual existe ainda o Cemitério dos Aflitos, onde, em 2018, foram encontradas nove ossadas durante uma escavação arqueológica, ossadas essas identificadas como as de corpos de ex-escravizados. Isso gerou um movimento importante para a criação ali de um memorial, “o Memorial dos Aflitos, marcando esse espaço, inclusive o nome do bairro Liberdade tem a ver com isso, com essa presença negra, com o fim da escravidão, com essa luta, e simplesmente você apagar isso e dizer que a Liberdade é japonesa, você simplesmente passa por cima de toda essa história”, acrescenta a professora.
A respeito disso, a colunista conta que a Prefeitura tem planos de construir uma esplanada na região, juntando vários viadutos, inclusive um polo gastronômico e cultural, uma obra também orientalizada, “de novo sem levar em consideração o lugar que ela está e por que ela está lá”. Raquel salienta que o que está em discussão, na verdade, é a memória do local, uma discussão que está no centro de muitos movimentos hoje presentes na cidade, como, por exemplo, o movimento Bom Retiro é o Mundo, “que é um movimento que tenta dizer, ‘olha, o Bom Retiro tem uma presença coreana importantíssima’ – aliás, é até bom a gente dizer que, quando se fala de oriental e se fala em japonês (isso de novo está presente na história da esplanada), esquece que, entre os povos orientais que estão muito presentes na cidade, nós temos chineses de várias regiões e temos coreanos também. Então japonês já é uma redução dessa complexidade, e ao mesmo tempo, também, é uma redução dizer que é oriental, porque temos uma luta no Bixiga para dizer ‘tem italiano, mas também o Bixiga é um território negro’ e uma luta no Bom Retiro para dizer ‘tem coreano, sim, mas essa não é uma cidade coreana, essa é uma cidade multicultural que tem outros povos também'”, finaliza ela seu comentário.
Cidade para Todos
A coluna Cidade para Todos, com a professora Raquel Rolnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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