Taxar os super-ricos e grandes fortunas não resolve o problema

A percepção da população é que taxar os mais ricos supriria a arrecadação necessária, mas, segundo Rodrigo Mahlmeister, a porcentagem de super-ricos no País é menor que 1%

 22/03/2023 - Publicado há 1 ano

 

A população quer a redistribuição de renda sem aumento de impostos e sem gasto público – Fotomontagem a partir dos subsídios gráficos com licença Creative Commons e Marcos Santos/ USP Imagens
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A discussão sobre os impostos e o sistema tributário é uma constante no País. Pensar em quem tem que pagar mais e quanto é algo que permanece em debate, sai governo, entra governo. Nesse cenário, a Nota Técnica 19 O que pensa o eleitorado brasileiro sobre redistribuição de renda? investiga exatamente isso.

Os brasileiros apoiam massivamente o papel do Estado na redução da desigualdade de renda, só que, ao mesmo tempo eles acham que os impostos já são altos demais no Brasil”, explica Rodrigo Mahlmeister, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP. Ao mesmo tempo que o brasileiro é resistente ao aumento da carga tributária, é, em sua maioria, favorável à redistribuição – política do Estado de tirar de alguns e dar para outros. 

Rodrigo Mahlmeister – Foto: Linkedin

Mahlmeister diz que isso é um paradoxo insustentável na prática, porque uma forma de o Estado diminuir a desigualdade é taxar a população para melhorar a condição de vida de uma faixa mais necessitada. Em outras palavras, a população quer a redistribuição de renda sem aumento de impostos e sem gasto público. A fonte desse paradoxo, diz Mahlmeister, é a percepção da população sobre qual classe social ela está inserida. No geral, as pessoas se consideram pobres ou de classe média, e que pagam bem mais impostos do que deveriam. O sistema tributário brasileiro atual é cruel com todas as faixas, mas, proporcionalmente, os mais pobres pagam mais do que os ricos.

A solução, então, seria aumentar a taxa apenas dos mais ricos. “Quando a gente fala sobre impostos no Brasil, a população apoia duas só coisas: reduzir impostos sobre os pobres e da classe média e aumentar os impostos dos ricos”, diz o pesquisador. Os candidatos à Presidência no ano passado exploraram muito esse assunto, porque sabem que é uma medida de grande apoio no Brasil. A Nota Técnica 19,  na contramão, concluiu que tributar apenas a faixa que a sociedade considera os mais ricos não seria suficiente para custear políticas públicas e diminuir as desigualdades socioeconômicas. 

Os ricos e super-ricos 

A questão é que “primeiro é importante a gente se atentar à percepção da população sobre o que significa ser rico”, diz Mahlmeister. Não existe uma resposta certa, porque cada um considera uma coisa. Como explica o pesquisador, às vezes as pessoas estão entre os 5% e 10% da população mais rica do País e se acham pobres: “Os ricos, na percepção da população, são sempre os outros”. Isso transfere o custo da redistribuição a terceiros.

Ele explica melhor: todo mundo apoia taxar os ricos porque ninguém se considera rico no Brasil. Há uma percepção errada entre a população de que os ricos são aqueles que ganham salários milionários, além de uma grande parte achar que esse perfil populacional é mais comum do que realmente é. Na realidade, eles são menos de 1% da população. Mesmo que um imposto sobre grandes fortunas, ou sobre os ricos e super-ricos, fosse implementado, o potencial arrecadatório desse imposto ficaria comprometido. A mesma coisa aconteceria se houvesse isenção no Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 5,2 mil. Nesse cenário, a ordem de perda de arrecadação seria de R$ 90 bilhões. “Mesmo se a gente aumentasse a tributação sobre lucros de dividendos e aumentasse o Imposto de Renda sobre esse 1% mais rico do País, seria bem difícil compensar essa perda de arrecadação. Ou seja, não dá, essa equação não fecha”, explica o pesquisador. 

A situação atual é um dilema 

“Para compensar essa arrecadação, a saída seria fazer um imposto muito alto sobre esse grupo de pessoas super-ricas”, diz. A taxação sobre grandes fortunas é muito apoiada, porém, os detentores dessa riqueza têm um grande poder e uma grande influência no Congresso, de forma que, mesmo que proposto um projeto de taxação, não passaria. Da mesma forma, é improvável que o governo consiga aumentar a taxa de isenção do Imposto de Renda para perto de R$ 5 mil, como anunciado na campanha, por conta da queda da arrecadação. Improvável também é que uma taxação dos super-ricos compense essa perda de arrecadação tão grande da isenção. 

“A saída seria tentar achar algum equilíbrio, por exemplo, aumentar a faixa de isenção, mas não aumentar tanto para não comprometer a arrecadação, ou criar um aumento no imposto sobre lucros de dividendos”, diz. Ele ainda complementa que o discurso de taxar os super-ricos é uma estratégia certeira em épocas eleitorais, tanto pelo apoio popular que a pauta recebe como pela forma vaga da promessa: sempre é o outro que vai pagar a conta, então, se nada mudar para mim, não vou deixar de votar no candidato. 


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