Substâncias químicas descartadas no ambiente podem contaminar o ser humano de diversas formas

A pesquisadora Sheila Cardoso cita como um dos exemplos o mercúrio, capaz de ser acumulado por meio da ingestão do peixe, num processo a que se dá o nome de biomagnificação

 05/06/2023 - Publicado há 10 meses
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Os microplásticos biomagnificam e, como efeito tóxico adverso nas populações humanas, podem causar alterações no sistema endócrino – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

É muito comum escutar que comer muito salmão faz mal à saúde. Isso não é mentira, mas o problema não é o peixe em si, mas o mercúrio que ele acumula durante a vida e é repassado para os humanos.

“Nós convivemos hoje em dia com o lançamento de um grande número de substâncias químicas no meio ambiente. Existe a necessidade do desenvolvimento de pesquisas sobre os efeitos tóxicos adversos dessas substâncias e quais os processos que poderiam causar nos organismos“, explica Sheila Cardoso, doutora pelo Instituto de Biociências da USP e pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP. Ela acrescenta que cerca de 60 milhões de substâncias químicas são lançadas todos os anos e o conhecimento das consequências do contato com elas gira em torno de apenas 50%.

Diferentes termos, diferentes significados

Sheila Cardoso – Foto: LinkedIn

O acúmulo de uma substância química no organismo pode ter diversas nomenclaturas, dependendo do cenário em que ela ocorre. A biomagnificação, provavelmente o termo mais conhecido, corresponde à somatória em cadeia, ou seja, em mais de um nível trófico — diferentes estágios da cadeia alimentar: “A biomagnificação, basicamente, é o aumento da concentração de um composto químico, de uma substância química, ao longo da cadeia alimentar. Então, ocorre em mais de um nível trófico, pelo menos em dois níveis. Existe uma tendência de haver uma concentração maior quanto maior o nível: os predadores vão apresentar uma maior concentração da substância química em relação aos níveis tróficos inferiores”, diz a pesquisadora. A grande questão da biomagnificação é, muitas vezes, a dificuldade do organismo em se “desintoxicar” do composto acumulado, o que gera diversas consequências.

Quando a substância acumula em apenas um nível, o processo é chamado de bioacumulação. É importante ressaltar que nem todo composto é capaz de biomagnificar. Já a bioconcentração é o termo utilizado quando o organismo apresenta uma maior concentração da substância no seu interior ao ser comparado com o meio onde se encontra.

Sheila resume: “É preciso diferenciar esses três termos: a biomagnificação ocorre ao longo da cadeia alimentar; a bioacumulação é quando o organismo acumula a substância, mas ocorre apenas em um nível trófico e a bioconcentração é quando o organismo apresenta uma concentração maior da substância em relação ao meio”.

Exemplos

O mercúrio é capaz de biomagnificar até o ser humano devido à metilação. Esse processo, realizado principalmente por bactérias, quando no meio aquático, torna esse elemento capaz de ser acumulado por meio da ingestão do peixe. “Quando nós estamos falando do mercúrio, ele está sendo biomagnificado na cadeia trófica. O ser humano consome o pescado, então ele tende a ser o animal de topo de cadeia, o mais afetado em relação à biomagnificação. Para isso, o composto precisa ter algumas características específicas como serem lipossolúveis, ou seja, conseguem adentrar nas células. O mercúrio precisa estar na forma metilada, isto é, é preciso que haja condições ambientais para uma transformação química e ele seja biomagnificado“, explica a especialista.

Ele é apenas um dos exemplos. Outro é o DDT ou Dicloro-Difenil-Tricloroetano, um dos inseticidas de baixo custo mais conhecidos. Ele foi proibido no Brasil em 1998 e, em 2009, houve a sanção da Lei nº11.936 proibindo a fabricação, importação, manutenção em estoque, comercialização e o uso do composto em solo brasileiro. Muito utilizado também no controle da malária, o DDT pode estar relacionado com a morte de vários trabalhadores da extinta Fundação Nacional da Saúde na Região Norte.

Até os microplásticos entram no processo de biomagnificação, como coloca Sheila: “Os microplásticos e o bisfenol A, comum em alguns tipos de plástico, incluem um ramo de pesquisa relativamente recente. Eles biomagnificam e, como efeito tóxico adverso nas populações humanas, podem causar alterações no sistema endócrino, o que a gente chama de um ‘disruptor endócrino’”.

Alguns fármacos e compostos perfluorados (PFCs) podem ser acumulados em cadeia. Os últimos correspondem aos produtos químicos muito utilizados na impermeabilização das panelas, das embalagens. “Os compostos perfluorados estão sendo mais estudados recentemente e eles estão presentes em panelas de teflon, por exemplo, em revestimentos de embalagens para alimentos gordurosos, incluindo as de pipoca de micro-ondas. Alguns tecidos também podem ter esses compostos”, exemplifica a pesquisadora.

Há benefício?

Depois de tantos exemplos e de colocar que, em grande parte dos casos, a biomagnificação não é uma coisa boa, existe algum benefício? “Não são benéficas. O que pode acontecer é, por exemplo, uma substância que está sendo bioacumulada, biomagnificada na presença de uma segunda substância, ter o seu efeito tóxico adverso restringido. Então, ela não vai ter um malefício ou ele vai ser diminuído.”

Para Sheila, diretamente, não há um ponto específico a ser colocado como benéfico, mas existem algumas situações em que a biomagnificação, mas sobretudo a bioacumulação, ajuda a neutralizar os malefícios do acúmulo da substância química. “Existe uma situação específica quando nós falamos na bioconcentração. Na bioacumulação de metais em macrófitas aquáticas, o que acontece? Uma crosta aquática tende a apresentar elevadas concentrações de metais, então, essas plantas podem ser utilizadas para retirar esse contaminante do ambiente, teriam essa função de tratamento de água. Isso seria uma função benéfica”, explica a especialista.


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