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O revisionismo tem que ser feito a partir de uma interpretação progressista da história - Fotomontagem com imagens de Freepik e Rawpixel
Revisão de livros didáticos deve levar em conta a inserção de narrativas da população silenciada
A representatividade das parcelas da população que são apagadas da história é fundamental na hora de revisar os livros didáticos
O revisionismo é o ato de revisar algum conteúdo, alterando-o na maioria das vezes. Quando colocado na pauta dos livros didáticos, a forma de formulação, além dos temas abordados, precisa ser repensada. “A parte metodológica desses livros, conteúdos e métodos tem sido mudada com muita falta de cuidado, ou se não com muito cuidado, para implementação de um ensino de caráter mais técnico. Há também uma posição política contrária à interferência de professores, de intelectuais que trabalham na área de educação, nas diferentes disciplinas e na entrada de novos sujeitos, principalmente nesse último governo [de Jair Bolsonaro]“, comenta Circe Bittencourt, doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
A professora Carlota Boto, da Faculdade de Educação da USP, acrescenta: “O revisionismo tem que ser feito a partir de uma interpretação progressista da história, de uma interpretação que possa fazer jus aos povos que foram oprimidos, a parte da população que foi subalternizada e que foi silenciada por parte de processos de opressão e de violência. É necessário que haja uma revisão desses conteúdos, de modo que possa haver essa reparação por parte da memória que se constitui a partir desses fatos“.
Modelo
Circe descreve o modelo dos livros didáticos atuais como tecnicista, ou seja, uma formação focada mais no mercado do que no conhecimento a ser adquirido pelo aluno: “As disciplinas estão se transformando em disciplinas de formação para o mercado mesmo. Esses métodos são agora tecnicistas. O aluno lembra o texto, aprende apenas o essencial para responder a testes”.
Ela ainda coloca como “catequético” o modelo: “As análises dos livros didáticos hoje são extremamente simplificadoras do conhecimento. É uma simplificação porque não desenvolve a capacidade do aluno de pensar. Eu, que estudei muito a história dos livros didáticos: como eram os exercícios ? Quem descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral. Em que ano foi descoberto o Brasil? Ai, você responde. Esse é o método catequético”.
Circe Bittencourt - Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo
Durante o governo Bolsonaro, uma mudança no edital de compra de livros didáticos foi notícia, já que deixava de exigir dos novos materiais a concordância com a agenda da não violência contra as mulheres, promoção das culturas quilombolas e dos povos do campo. A alteração foi anulada e a culpa, colocada no governo anterior.
A representatividade das parcelas da população que são apagadas da história é fundamental na hora de revisar os livros didáticos: “Eu penso que, hoje, mais importante do que a revisão de conteúdos curriculares já trabalhados, é a inserção de novas narrativas, de novos conteúdos que contem outras histórias dos povos e das populações silenciadas. É preciso abordar no currículo ‘o silêncio dos vencidos’, a expressão é do Edgar de Decca, e é importante nós trabalharmos essa dinâmica, que é composta por luta e por resistência. É preciso que as histórias vencedoras sejam confrontadas e sejam substituídas, eventualmente, pelos gritos dos excluídos. É nesse sentido que é importante o currículo ser redimensionado”.
Além do acréscimo de narrativas das parcelas silenciadas, a revisão não apenas terminológica, mas também de conceitos, é outro tópico a ser analisado no âmbito do revisionismo dos livros didáticos: “É muito importante uma revisão dos significados que estão na base dos conceitos e das interpretações acerca de diferentes fenômenos e fatos históricos. Por exemplo, a palavra índio é uma palavra equivocada e a palavra indígena é uma palavra socialmente construída e que tem um significado muito mais amplo do que a primeira. Assim como a substituição da palavra revolução pela palavra ditadura. Isso tem sido feito há algum tempo nos livros didáticos, então a ideia da ditadura de 1964 já tem aparecido e a palavra revolução já é revogada, por assim dizer”. Embora o último exemplo seja real, durante o governo Bolsonaro, o filho do presidente e também deputado, Eduardo Bolsonaro, incitou o revisionismo do período ditatorial retratado pelos livros didáticos.
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