Redução de indicadores de violência rebate argumento sobre ADPF favorecer o crime no Rio de Janeiro

Paulo Ballesteros fala das implicações da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 que, enquanto esteve em vigor, diminuiu o índice de crimes violentos no Estado do Rio

 Publicado: 11/11/2024 às 11:59
Os dados contradizem argumentos que sustentam que a ADPF favorece o crime e o tráfico de drogas – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, também conhecida como “ADPF das Favelas”, é uma medida que visa a limitar operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, autorizando-as apenas em casos estritamente necessários. A medida foi proposta por partidos e organizações da sociedade civil, preocupados com os altos índices de letalidade policial nas comunidades cariocas, em especial diante de operações frequentes e frequentemente fatais.

Paula Ballesteros, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, explica que a ADPF, instaurada em 2019 e reforçada em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi impulsionada pela série de mortes de civis, incluindo crianças, que resultavam das operações policiais no Rio. A ação de 2020, durante a pandemia, determinou que a polícia justificasse cada operação, restringindo sua atuação nas proximidades de escolas e hospitais e exigindo a preservação das cenas de crime.

Consequências

Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve uma queda nas taxas de homicídios, mortes de policiais, crimes patrimoniais, roubos de carga e a transeuntes no Rio de Janeiro entre 2019 e 2023, período em que a ADPF esteve em vigor. Esses dados contradizem argumentos que sustentam que a ADPF favorece o crime e o tráfico de drogas.

“Contra evidências não há opiniões. O levantamento do fórum é baseado em dados e estatísticas, ainda que exista muita dificuldade de se fazer esses registros, mas superando esse pressuposto os dados mostram que houve essas reduções, esses ajustes no cenário do Rio de Janeiro. Não necessariamente operações policiais e não necessariamente ocorrendo em comunidades são as que reduzem as taxas de criminalidade”, afirma. Um dos pontos de crítica levantados por opositores à ADPF é a ideia de que ela teria favorecido o fortalecimento do crime organizado, que teria expandido seu domínio no Rio. Paula contesta essa visão simplista, argumentando que o crescimento do crime organizado é um fenômeno nacional e não diretamente causado pela ADPF.

Foto de uma jovem de camisa branca olhando para a câmera enquanto sorri
Paula Ballesteros – Foto: Núcleo de Estudos da Violência da USP

“Precisamos romper, também na segurança pública, essas supostas ideias de causalidade imediata entre uma ação ou uma definição e os resultados nas taxas de criminalidade. No caso do Rio de Janeiro, o que aconteceu foi que a suspensão das operações policiais não impactou a redução, porque ela também depende de outras coisas. A diversificação dos crimes e até o fortalecimento do crime organizado acontece em outros lugares também. Não é consequência direta da ADPF”, explica. Um exemplo da especialista é que vários estudos no ano passado e no começo deste ano mostraram o fortalecimento dessas organizações também na Amazônia Legal.

Paula ainda abordou o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que traz outros aspectos em relação às taxas de criminalidade, e que o fortalecimento do crime organizado é um dos poucos pontos no qual se verifica um “questionamento”. Segundo ela, o relatório do CNJ, em grande medida, está alinhado com o que as organizações da sociedade civil têm demonstrado, como o relatório do Fórum Brasileiro. “Ainda que se aponte o fortalecimento do crime organizado, ele não é necessariamente consequência direta da ação ou das medidas que se tomaram, e ele também depende de outras ações da polícia, porque ela não pode só depender de operações nas comunidades para resolver a questão do crime organizado”, comenta.

Outro aspecto fundamental, segundo Paula, é a falta de uma governança eficiente na segurança pública. A gestão da informação e a governança das ações policiais ainda são deficiências estruturais no Brasil. “É preciso aprimorar a gestão das informações e padronizar os registros de segurança. A criação de um Sistema Nacional de Informações é essencial para unificar e facilitar o acesso aos dados”, afirmou a pesquisadora, ressaltando que, sem essa padronização, a análise dos dados fica prejudicada.

O que deve ser feito

Para Paula, a segurança pública no Brasil necessita de políticas mais integradas e voltadas para a prevenção e o planejamento a longo prazo, especialmente nas áreas mais vulneráveis. Ela ressalta que “não se vai terminar, enfrentar ou reduzir o crime organizado com ações e operações que não sejam voltadas especificamente para o crime organizado”, e explica que nem todos os Estados têm planos estaduais de segurança pública, com participação social e análise criminal, e isso dificulta a definição dos objetivos para entender quais são os recursos que vão estar disponíveis. “A questão da gestão da informação precisa ser realmente aprimorada. Inclusive, uma das propostas é a criação de um Sistema Nacional de Informações de segurança pública e sistema prisional, justamente para facilitar a consulta e fazer uma padronização”, complementa.

Embora vários pontos sejam disseminados pelo País, Paula entende que alguns caracterizam a situação específica do Rio de Janeiro. “Na questão do Rio de Janeiro, eu destacaria um ponto, que é o papel da Secretaria de Segurança como órgão articulador das ações. No Rio houve um tempo em que não havia Secretaria de Segurança e você tem, inclusive, uma organização militar que não tem um poder civil que está sobre ela, o que é muito relevante em termos do uso da força das polícias. E um segundo ponto é a questão de várias operações fazendo prisões preventivas de policiais envolvidos com atos ilícitos, ilegais e desvios”, conclui.


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