Reação do Congresso a recente decisão do STF revela resistência em cumprir a Constituição

José Álvaro Moisés repercute em sua coluna a reação do Congresso ante a decisão do STF de confirmar a suspensão da execução das emendas impositivas de deputados e senadores para suas bases de apoio

 21/08/2024 - Publicado há 5 meses

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O STF confirmou por unanimidade a decisão liminar do ministro Flávio Dino, que semanas atrás suspendeu a execução das emendas impositivas de deputados e senadores destinadas às suas bases de apoio. Logo após a confirmação unânime pelo STF da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo PSOL, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, visando a retalhar o Supremo Tribunal Federal, enviou para a Comissão de Constituição e Justiça duas propostas de emendas à Constituição que afetam gravemente os Poderes do Supremo: por um lado, propondo a limitação de decisões monocráticas, como a do ministro Flávio Dino, proposta já aprovada pelo Senado, por outro, criando a prerrogativa de o Legislativo sustar decisões do STF pelo voto de dois terços da Câmara e do Senado, ambas limitando a autonomia da Corte Suprema.

Na opinião do cientista político e professor José Álvaro Moisés, a iniciativa de Lira é um claro sinal de esperneio do Congresso Nacional em face da exigência de que a instituição cumpra o que está estabelecido na Constituição. A reação de Lira, apoiada em parte pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, agrava o crescente conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário, “conflito que, a depender de sua intensidade, pode afetar o princípio de harmonia e cooperação entre os Poderes republicanos com vistas a assegurar a capacidade do Estado de atender aos interesses coletivos da sociedade brasileira. O conflito afeta também o Poder Executivo, com o progressivo autoempoderamento que as duas casas do Congresso vêm realizando há alguns anos, no contexto de crises políticas que afetaram profundamente o funcionamento da democracia”.

Segundo o colunista, a avaliação do que isso significa para a qualidade da democracia deve ter em conta outras decisões do Parlamento brasileiro, de caráter claramente antirrepublicano: “Além da reação ante a decisão do STF sobre as emendas, a recente anistia à irregularidade dos partidos que feriram princípios de representação política, por não reservar recursos para candidaturas femininas e de negros, como previstos na lei, se soma à lamentável decisão do Congresso de aumentar, de modo absurdo, o volume de recursos para os fundos partidários anual e eleitoral, em uma clara contradição com a escassez de recursos do País para instituições, por exemplo, como o SUS”, analisa ele. “É preciso dizer claramente que esse conjunto de decisões vergonhosas, dando mais poder ao Congresso, além de contrariar objetivos de governo para atender a interesses coletivos, rebaixam a qualidade da democracia […] o cenário não é positivo e é um dos fatores que mais influem para que continue crescendo no Brasil a desconfiança das pessoas quanto a essas instituições fundamentais da democracia; isso talvez explique por que, lamentavelmente, há tão pouca reação da cidadania e de instituições da sociedade civil, como sindicatos, mídia, associações estudantis e acadêmicas, grupos religiosos etc. O que está em jogo é o modo do Parlamento enfrentar os grandes desafios da sociedade brasileira, particularmente as desigualdades sociais e econômicas”, finaliza Álvaro Moisés.


Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente,  quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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