Projeto do G20 sobre saúde propõe abordagem mais justa no enfrentamento de crises globais

Gonzalo Vecina Neto comenta proposta encabeçada pelo Brasil, a qual tem como objetivo unificar e descolonizar o modo como crises são abordadas

 19/06/2024 - Publicado há 6 meses
Com um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo e com uma longeva tradição em vacinação em massa, o Brasil pode ocupar um lugar de destaque – Foto: Spencerbdavis/Wikimedia Commons/CC BY 4.0
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O Grupo de Trabalho da Saúde do G20 avança em aliança para a produção de vacinas. Segundo a embaixada brasileira, há consenso entre as delegações para a criação de uma aliança global na produção de remédios, vacinas e insumos. Os termos da proposta, encabeçada pelo Brasil, ainda estão em negociação, mas contam com amplo apoio de delegações. Caso seja aprovada, precisa ser referenciada em reunião ministerial próxima à reunião, que acontece em outubro.

Para comentar a proposta, o entrevistado é Gonzalo Vecina Neto, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, que também foi diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ele sintetiza a questão: “Organizações multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), irão responder para garantir o acesso de materiais, medicamentos e principalmente de vacinas para fazer frente a emergências [sanitárias]”.

O projeto

Dado que a pandemia pegou o mundo de surpresa em pouco tempo, Vecina Neto diz que as indústrias e países “conseguiram dar uma resposta bastante rápida, só com um pequeno problema: a maior parte dessas doses foi parar na Europa e nos Estados Unidos, nos países desenvolvidos”. Todas as doses iniciais iam para os países ricos, tendo eles comprado muito mais do que de fato precisavam; já os emergentes e subdesenvolvidos tinham que esperar as sobras.

Gonzalo Vecina Neto – Foto: Reprodução/GEN Medicina

A proposta, encabeçada pelo Brasil, é de que haja uma organização mundial para a regulação e enfrentamento de crises. O professor ressalta ainda que é muito provável que novas epidemias virão, além da covid, sendo mais uma questão de tempo. Com isso em mente, deve haver um mecanismo que preze por uma distribuição justa e lógica do ponto de vista de eficiência sanitária.

Em suma, o projeto é “criar uma coalizão de países e de instituições que estejam preparados para dar respostas, que sejam respostas para toda a população mundial e não para a população dos seus respectivos”, explica o especialista. Especialmente nas fases iniciais, quando os insumos ainda estão sendo descobertos e produzidos, “se tivermos uma quantidade de vacinas que não seja suficiente para atender a todos, sim, terá que se usar um critério para fazer a distribuição das vacinas”, adiciona ele. O ponto é que a distribuição não se dê por quem pode pagar mais, simplesmente.

Critérios de distribuição

Vecina Neto comenta que o Brasil, por exemplo, decidiu priorizar os mais idosos e os portadores de comorbidades por terem mais chance de morrer, caso tenham a doença. Mas essa medida não é necessariamente a certa. Ele dá outro exemplo: “A Indonésia resolveu vacinar prioritariamente os mais vulneráveis, aqueles que não podiam se proteger da doença, quem tem que sair para comer todos os dias”. Essa mesma medida, no Brasil, mudaria os grupos prioritários para os “negros, pobres, que necessariamente se expunham ao vírus porque tinham que comer”.

Hoje, ainda é difícil de falar com certeza o que foi certo e o que foi errado. Mas buscar uma solução que seja mais justa e que sirva melhor para o mundo como um todo seria o ponto-chave dessa nova discussão. Essa aliança global “faria a coleta desses produtos que fossem produzidos [vacinas, medicamentos etc] e que possam ser distribuídos com conceitos humanitários e levando em conta as necessidades das diferentes populações”, diz o médico.

Por fim, Vecina Neto faz questão de afirmar a importância do Brasil nesse cenário. Com um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo e com uma longeva tradição em vacinação em massa, o País pode ocupar um lugar de destaque. Para isso, ele reforça a relevância de se incentivar a pesquisa e a indústria nacional, como foi o caso do Instituto Butantã durante a pandemia. Das 735 milhões de doses de covid aplicadas no Brasil, quase metade foi produzida no próprio país.


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