Política de combate às drogas ainda é incipiente para o tamanho do problema no País

Segundo Gorete Marques, os maiores obstáculos são a criminalização da pobreza, pouca investigação no combate às drogas e um volume muito alto de prisões provisórias

 28/03/2023 - Publicado há 12 meses
A reformulação da nova Lei de Drogas de 2006 não deu conta de enfrentar o sistema do tráfico de drogas e não cuida dos usuários – Foto: Flavia Vilela/Agência Brasil

Uma pesquisa concluída no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – que ainda não foi liberada ao público e apenas debatida em apresentação fechada – chegou à conclusão que há criminalização da pobreza, pouca investigação no combate às drogas e um volume muito alto de prisões provisórias. O governo diz que os dados estão sendo analisados para subsidiar as ações do Poder Executivo. 

Resultado semelhante está numa pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP em 2011. Os dados coletados são da cidade de São Paulo, mas podem ser ampliados a níveis nacionais. Ambas as pesquisas demonstram o perfil do usuário de droga que é detido e preso provisoriamente, que acaba entrando no sistema prisional várias vezes por conta de quantidades pequenas de drogas. 

“A maior parte das pessoas presas por tráfico de drogas são jovens de 18 a 24 anos e a maior parte são negras, pessoas que são assistidas pela Defensoria Pública, o que indica que são pessoas hipossuficientes, que não têm recursos”, explica Gorete Marques, doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisadora do NEV. 

Gorete Marques – Foto: Reprodução/NEV-USP

A média do volume de drogas apreendida por abordagem é de cerca de 66 g, o que é equivalente a um saquinho de queijo ralado. “Se a gente for pensar em termos de impacto dessa ação policial, ela é muito pouco efetiva para combater de fato o mercado ilegal de drogas”, explica Gorete. Entrevistas conduzidas com policiais civis, promotores e juízes revelaram que a atual política de combate às drogas é a mesma coisa que enxugar gelo: uma série de prisões é feita, mas não tem impacto no mercado ilegal de drogas. O que acontece é o encarceramento sistemático de uma população vulnerável que, dentro do sistema prisional, sofre outros tipos de violação. 

Problemas

A pesquisa do NEV ainda revela que apenas 4% dos casos de abordagem foram resultado de investigação. “Isso mostra que a gente tem uma política extremamente ostensiva, focada na atuação da Polícia Militar, e muito pouco investigativa”, diz a pesquisadora. A complexidade do mundo das drogas exige investimentos e investigação, porque o sistema atinge várias camadas e atores da sociedade. 

Porém, as prisões feitas não solucionam o problema. A CPI do Narcotráfico, conduzida na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no período de 1999 a 2000, em seu relatório final, chegou à conclusão de que “não existe uma política articulada e consistente de combate ao narcotráfico no Estado de São Paulo”. 

“A gente tem uma política extremamente ostensiva, focada na atuação da Polícia Militar, e muito pouco investigativa” – Foto: Agência Brasil

Hoje, quem é preso é o jovem negro da periferia e, principalmente, as mulheres, que compõem grande parte dos acusados por tráfico de drogas. Para a socióloga, o impacto é muito danoso para a sociedade, sobretudo o segmento atingido por essa política. No final das contas, não faz diferença para o mercado do tráfico de drogas.

Ambas as pesquisas demonstram que a entrada nas casas é feita sem autorização judicial: “Sobre essa questão da entrada na residência das pessoas, a gente teve 17% de casos semelhantes na nossa amostra [do NEV] e em 5% desses casos a pessoa era abordada na rua”, diz Gorete. Outro problema ainda maior é que não há registro das denúncias, nem algum detalhamento, nos processos. Foi percebido que, “nos inquéritos policiais, os autos de prisão em flagrante não tinham nenhuma comprovação de que essas denúncias de fato foram realizadas”, diz.

Isso acontece por conta da forma como são feitas as abordagens e as denúncias. Não se sabe se as prisões são resultado de levantamento de informações ou se foram denúncias anônimas realizadas por populares ou por canais de denúncia. Isso resulta em um conjunto de provas fragilizadas baseadas em relatos policiais e legitimadas pelo sistema de justiça. Segundo Gorete, essa é uma  política ostensiva e baseada no patrulhamento de rotina. O sistema de justiça tem que lidar com isso legitimando uma prova frágil apenas baseada em relatos policiais. 

Resultados 

Esse cenário da pesquisa do Ipea e do NEV evidencia que o remédio que está sendo dado não está funcionando. Para a socióloga, a reformulação da nova Lei de Drogas de 2006 não deu conta, não enfrenta o sistema do tráfico de drogas e não cuida dos usuários. 

“Temos que olhar para essa realidade do uso das drogas e da dependência de substâncias entorpecentes como um outro problema dessa ponta. Então, a gente tem aí uma política muito incipiente para lidar com a realidade de drogas hoje no Brasil”, lembra Gorete. 

Ela ainda diz que o tabu em torno das drogas faz com que esse problema não avance. O custo milionário do combate às drogas, que não soluciona o problema e leva a um alto volume de encarceramentos, poderia ser usado para outras coisas: “São recursos que poderiam ser investidos de uma maneira mais efetiva para a sociedade, para a melhoria da população”, finaliza a pesquisadora. 


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