Novos meios de pagamento ameaçam a existência dos cartões

Internet banking, surgimento do Pix, transferências e cartões digitais e a adesão da população a moedas digitais revolucionaram o mercado financeiro

 07/10/2022 - Publicado há 2 anos
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Usuário fazendo transação bancária pelo celular – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
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Em palestra no mês de agosto passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse acreditar que os cartões de crédito deixarão de existir em breve. Essa possibilidade nem soa estranha, já que, nos últimos anos, houve um crescimento das transações bancárias pela internet, pagamento de contas pelo celular, substituição do cartão físico pelo digital e o surgimento do Pix. 

Cláudio Lucinda – Foto: FEA

A tendência é que, por conta disso, outras formas de pagamento parem de ser usadas. “O que vai ser afetado primeiro não vai ser o cartão de crédito, mas sim o boleto, o cheque e a TED (Transferência Eletrônica Digital)”, explica o professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, Cláudio Lucinda.

O internet banking, implementado em todos os bancos no Brasil hoje, ampliou as transações por meio da internet. Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indica que, de 2020 para 2021, houve um aumento de 13% no orçamento dos bancos para tecnologia e é esperado um investimento de R$ 35,5 bilhões para este ano. O Open Finance, sistema de compartilhamento de dados de usuários do sistema bancário, impulsiona esse aumento no orçamento.

Isso indica que a tendência é a dominação do digital no que diz respeito ao sistema bancário. Hoje, por exemplo, já se pode visualizar toda a situação de sua conta acessando um aplicativo em seu smartphone. Dados do Banco Central revelam que, desde 2019, o instrumento mais utilizado para transferências bancárias são os telefones celulares. Apenas no segundo trimestre de 2022, cerca de 24 bilhões de transações foram feitas por esse canal.

Além de diminuir as filas, permitiu que mais pessoas tivessem controle de suas finanças e está sempre disponível, o que significa mais praticidade no dia a dia do brasileiro e melhora na experiência do cliente. O uso dos meios de pagamento digitais, por sua vez, estimula a bancarização das pessoas: a inclusão de pessoas no sistema financeiro. 

O Auxílio Emergencial, distribuído a partir de 2020, aumentou muito os relacionamentos banco/cliente e, até o final daquele ano, cerca de 14 milhões de pessoas tinham aberto uma conta, entrando no sistema financeiro nacional.

O Pix, pagamento instantâneo brasileiro

O Pix, lançado pelo Banco Central em 2020, também marca uma evolução nos meios de pagamento. Por meio dele, é possível fazer transferências monetárias em questão de segundos. Não há cobrança de taxa para pessoas físicas – diferentemente da TED e do DOC – e o pagamento de boletos pode ser feito a partir da leitura de um código de barras ou QR Code por meio da câmera do celular.   

Gráfico retirado do site do Banco Central

 

Apenas em agosto deste ano, o Banco Central registrou quase 2,2 bilhões de transações por meio do pagamento instantâneo. A instituição também computou cerca de 135 milhões de usuários, físicos e jurídicos, cadastrados no Diretório de Identificadores de Contas Transacionais. Desde o quarto trimestre de 2020, o Pix teve uma escalada impressionante: de quase 178 mil usuários naquele ano para 5,4 milhões de usuários até o segundo trimestre deste ano. É o meio que mais cresce atualmente no Brasil. 

Mesmo com alta adesão, o sistema de pagamento instantâneo ainda apresenta riscos, como a Quadrilha do Pix. Lucinda explica que se trata de uma operação dentro e fora do campo, altamente especializada e, para combatê-la, é necessário “ter uma estrutura centralizada, que controle a movimentação de recursos dentro do sistema financeiro”. Ele também lembra que ainda não há uma jurisprudência consolidada para esses tipos de procedimentos. 

As pessoas estão parando de usar cartões?

Pesquisa feita pelo Serasa aponta que, mesmo com o crescimento dessas plataformas digitais, muitas pessoas ainda usam os cartões. O uso do cartão de crédito para pagamentos teve aumento de 42,4% nos primeiros três meses do ano. A modalidade não será a primeira a ser substituída, já que oferece benefícios, como o parcelamento.

“Existe uma operação de crédito envolvida. Ele é uma modalidade de pagamento um pouco mais complexa, que eventualmente pode ser substituída pelo Pix, mas não vai ser tão imediato quanto no caso do cheque, nem no caso da TED, nem no caso do boleto”, diz Lucinda.

Apesar disso, no cartão de débito, esse aumento ficou em 15,2%, enquanto os pré-pagos registraram alta de 148,4%. Entre os meios de pagamento consolidados, os cartões ainda dominam: 9,5 milhões de usuários de cartões de crédito, débito e pré-pago. Porém, separadamente, o Pix já supera: 5,4 milhões. 

Gráfico retirado do site do Banco Central

 

O Banco Central já estuda a implementação do Real Digital. Como explica Cláudio Lucinda, “é uma moeda digital que tem as propriedades do Bitcoin de ser um registro descentralizado. Só que, diferentemente do Bitcoin, que não é associado a ninguém, ele estaria associado ao banco central do País”. A ideia é ser uma extensão do papel-moeda, ou seja, apenas uma outra forma do real e seria emitida pelo Banco Central. 

“Isso me parece que ainda vai levar um certo tempo, mas em médio a longo prazo a tendência é que você não tenha mais papel moeda para servir de meio de pagamento. Vai ser tudo via registro eletrônico”, diz o economista.

 A digitalização dos meios e a maior adaptabilidade da nova geração aos meios de pagamento, via telefone celular, já começaram a revolucionar o sistema financeiro. Mesmo assim, ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Eu acho que ainda tem algumas coisas que precisam ser pensadas institucionalmente para adaptar essa marca institucional para o Brasil. São passos importantes e que de fato vão melhorar a competição no sistema bancário nos próximos anos, o que vai refletir em melhores condições para os clientes”, finaliza o professor. 

O fim dos cartões pode ainda não estar tão próximo e, talvez, os de débito sejam os primeiros a serem esquecidos pela população. No mais, é impressionante a escalada de outras formas de pagamento, o que indica que a projeção do presidente do Banco Central está de acordo com a realidade que cerca todos os brasileiros e permeia as relações financeiras atuais. 


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