Mídias digitais expandem o debate político, mas podem afetar os processos eleitorais
Natasha Bachini alerta para os riscos da disseminação de notícias enganosas na internet e as dificuldades de reversão das suas consequências
A rapidez no recebimento e na troca de informações torna o debate político efêmero e superficial – Foto: creativeart -Freepik
O crescimento exponencial das mídias digitais tem redefinido drasticamente o cenário da política em nível nacional e mundial. A ascensão dessas plataformas proporcionou um acesso sem precedentes à informação e à comunicação instantânea, aumentando a participação e ampliando os espaços para discussão política. No entanto, esse ambiente também tem sido propício à propagação de notícias falsas e desinformação, que podem distorcer percepções públicas, comprometer processos democráticos e prejudicar a integridade das eleições.
De acordo com a socióloga Natasha Bachini, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, os meio digitais ampliaram o acesso da população às informações em geral, inclusive as de cunho político, principalmente pela redução do custo informacional, fator que possibilita a qualquer indivíduo conectado o acesso aos mais variados conteúdos. Dessa forma, ela explica que o debate expande-se para além das fronteiras físicas e também incorpora novos agentes que antes não participavam dele, já que era uma prática mais comum no Congresso e em movimentos sociais e sindicais, além de agendamentos midiáticos. A população comum, que ficava excluída desses espaços e reclusas ao debater suas opiniões em bares, restaurantes e outros estabelecimentos atualmente tem o poder de expressar sua opinião para mais pessoas.
Debate político
Conforme a pesquisadora, as novas tecnologias permitiram uma maior agilidade nos processos de debate, pois, através da internet, as informações podem ser obtidas em tempo real no mundo inteiro, ao passo que anteriormente era necessário esperar o lançamento dos jornais ou o início dos noticiários de rádio e televisão para se atualizar sobre os principais assuntos.
Em contrapartida, a especialista ressalta que a rapidez no recebimento e na troca de informações torna o debate político efêmero e superficial, uma vez que os participantes desse processo não contam com o tempo necessário para absorver as novas ideias e propostas. “Milhões de pessoas estão recebendo essas opiniões em tempo real, de forma muito rápida, sem saber se são verdadeiras. Isso confere, além da rapidez, uma superficialidade à discussão política, porque não se tem tempo para aprofundar os traços da discussão e amadurecer as ideias”, explica.
Outro impacto das redes sociais nas novas formas de discussão política baseia-se no uso dos algoritmos nessas plataformas. Natasha conta que esses sistemas impedem que os cidadãos tenham conhecimento da pluralidade de ideias presente na esfera pública, pois os algoritmos são treinados para apresentar aos usuários conteúdos relacionados ao que ele costuma consumir. Segundo a pesquisadora, quando uma pessoa recebe e observa informações que condizem apenas com suas diretrizes políticas, ela passa a acreditar que a maior parte da população compartilha dos mesmos ideais políticos.
Notícias falsas
Juntamente com a consolidação das redes sociais como um dos principais meios de comunicação e interação entre pessoas de todo o mundo surgem os riscos de disseminação das chamadas fake news. Natasha afirma que esse fenômeno pode significar graves transtornos para a sociedade, especialmente em períodos eleitorais e de crises de saúde pública, uma vez que a propagação de notícias falsas nas redes sociais ocorre de maneira rápida e muitas vezes descontrolada.
“Plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp têm algoritmos que priorizam conteúdos que geram maior engajamento, independentemente de sua veracidade. Isso significa que informações sensacionalistas ou emocionais, que frequentemente são falsas, tendem a se espalhar mais rapidamente do que notícias confirmadas por grandes portais ou agências de checagem”, comenta.
A falta de regulação jurídica e a arquitetura dessas plataformas dificultam o controle sobre o conteúdo compartilhado, pois o volume de informações veiculadas nesses locais é imenso e a fiscalização se torna uma tarefa complexa. Além disso, a especialista ressalta que as bolhas de filtro criadas pelos algoritmos reforçam as crenças dos usuários, fazendo com que notícias falsas sejam aceitas sem questionamento por aqueles que já estão predispostos a acreditar nelas.
Campanha negativa
De acordo com Natasha, existe também a campanha negativa, ou seja, desprestigiar o candidato oposto, que é uma prática comum e antiga no cenário político. No entanto, ela explica que, desde as eleições presidenciais de 2010, os candidatos e suas equipes perceberam a importância de conquistar o público também nos meios digitais através da profissionalização das campanhas. “Portanto, atualmente as campanhas eleitorais possuem, além da necessidade de exaltar o candidato político, o objetivo de difamar seus rivais de pleito”, analisa.
Uma vez que a campanha política é realizada no meio virtual e atinge um determinado público, o candidato passa a ter em seu favor uma militância orgânica e espontânea, composta de todos os apoiadores, que iniciam um papel propagandístico nas redes a partir da defesa dos seus ideais políticos e a contrariedade aos rivais de campanha. Além disso, Natasha destaca que grande parte das informações circula rapidamente e sem passar por filtragens editoriais e institucionais, portanto, as chances de informações enganosas se espalharem e atingirem mais pessoas são elevadas.
“Ainda que uma desinformação seja identificada e desmentida por uma agência de checagem, a reversão de seu impacto na sociedade é bastante complicada, pois ela já foi recebida por diversas pessoas que tomaram aquilo como verdade e compartilharam novamente, disseminando ainda mais a informação falsa”, destaca a pesquisadora.
Conforme a pesquisadora, por mais falaciosas que sejam as informações disseminadas, e mesmo que comprovada sua falsidade, é difícil alterar o pensamento das pessoas quando estão convencidas da própria verdade. Em períodos eleitorais, essa desinformação pode ser grave, pois, até ser desmentida, pode ocorrer de ter esgotado o período de campanha, possibilitando que os eleitores cheguem às urnas ainda acreditando na desinformação, o que pode afetar diretamente o resultado do pleito.
Estratégias de combate
De acordo com Natasha Bachini, é difícil lidar com o processo de desinformação por causa de sua complexidade, mas a sociedade vem evoluindo nesse combate, ao passo que começa a conhecer e se acostumar com as práticas de disseminação de notícias falsas. Ela conta que atualmente, ao contrário de alguns anos atrás, existem diversos meios de monitoramento, legislação, fiscalização e denúncia de notícias falsas, feitas através de importantes parcerias entre as organizações da sociedade civil e as autoridades jurídicas.
A especialista ressalta que as pessoas e as instituições estão mais atentas a esse tema e a aprendizagem está sendo realizada de maneira prática através do convívio diário com essas informações. Para ela, a relevância das mídias sociais ficou evidente nas eleições de 2018, em que uma série de candidatos se beneficiou de desinformações em suas campanhas e obrigou a Justiça Eleitoral a adotar medidas para inibir essas práticas.
Embora tenha havido uma redução nas práticas de desinformação entre 2020 e 2022, a pesquisadora diz que ainda não é suficiente e por isso é urgente regular o uso das mídias sociais e tornar as leis mais rígidas para políticos e partidos que utilizam ou se beneficiam de desinformação. “A internet não pode ser uma terra sem lei, a liberdade de expressão, embora garantida pela Constituição, não é irrestrita e precisa ser exercida de maneira responsável. Quando essa liberdade fere a legislação, é dever do Estado intervir e responsabilizar os infratores, garantindo a veracidade das informações que circulam na sociedade”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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