Legislativo manipula informações e afeta a qualidade da democracia

José Álvaro Moisés comenta reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre a liberação de recursos do orçamento secreto, que atenderam a interesses puramente políticos

 15/12/2021 - Publicado há 2 anos

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Em sua coluna desta semana, a última do ano, o professor José Álvaro Moisés volta a abordar o tema do orçamento secreto, desta vez comentando uma reportagem especial do jornal O Estado de S. Paulo da última segunda-feira (13), segundo a qual as cidades que mais receberam verbas do chamado orçamento secreto são ligadas aos líderes do Congresso e ao líder do governo  do presidente Jair Bolsonaro no Senado. De acordo com a matéria, a distribuição de recursos obedeceu a critérios políticos discutíveis, que deixaram em “situação sofrível municípios vizinhos cujo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é semelhante ao das cidades que foram beneficiadas”.

O colunista prossegue: “O ponto importante é que, ao contrário do que disseram ao Supremo Tribunal Federal, líderes do Congresso como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, a distribuição de recursos do orçamento secreto não prioriza serviços essenciais como educação e saúde, mas prioriza o interesse político de alguns poucos parlamentares que fazem parte da base eleitoral do governo do presidente Jair Bolsonaro”. Ele cita ainda um dado da reportagem do Estadão, segundo o qual as quatro cidades campeãs em verbas do orçamento secreto, mesmo não sendo capitais de Estados, receberam empenhos que somam mais de R$ 731 milhões em 2020 e 2021, volume de recursos muito superior ao que receberam outros 2.261 municípios que fazem parte da base da pirâmide das cidades brasileiras.

“Quais são os problemas que afetam a qualidade da democracia? […] Em primeiro lugar, o fato de as decisões contrariarem a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO, que em seu artigo 86 determina que as transferências de recursos públicos devem levar em conta os indicadores socioeconômicos da população a ser beneficiada.” De acordo com o colunista, ainda citando a reportagem do Estadão, esse critério não foi respeitado. “Nem os princípios constitucionais que advogam a igualdade de tratamento entre entes federativos e cidades do País. Mas o segundo aspecto é ainda mais importante: ao argumentarem com a ministra Rosa Weber, que através de uma liminar tinha suspendido a liberação de recursos, os presidentes do Senado e da Câmara disseram que a suspensão implicava risco de não atender a serviços essenciais, como saúde e educação, mas não há nenhuma garantia de que o dinheiro vá necessariamente para essas áreas essenciais das políticas públicas”, diz Álvaro Moisés. “Isso significa que os dois presidentes do Legislativo deram uma informação errada para a ministra do Supremo, que depois liberou a sua própria liminar. O Supremo Tribunal Federal ainda tem de examinar essa questão, mas os fatos mostram que o Legislativo manipulou informações para influenciar uma decisão extremamente importante do Poder Judiciário. Isso compromete a qualidade da democracia.”


Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente,  quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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