Investimento em políticas públicas é essencial para a inclusão de deficientes auditivos na escola

Na opinião de especialistas, é necessário compreender que o projeto de inclusão desses indivíduos precisa ser iniciado no ensino básico e que existem diferentes aparatos legais para isso 

 30/05/2023 - Publicado há 10 meses
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É importante destacar que as pessoas com deficiência apresentam o direito de serem incluídas no sistema educacional – Foto: Pexels

 

 

Atualmente, o Brasil conta com uma população de cerca de 9 milhões de pessoas com deficiência auditiva. Apesar do número ser alto, a representação desses indivíduos em diferentes espaços da esfera pública não é feita proporcionalmente. Nesse sentido, aumentar sua inclusão no sistema educacional nacional é essencial para dar os primeiros passos em busca da mudança do cenário presente.

Em abril, a Universidade de São Paulo aprovou sua primeira docente com deficiência auditiva, Sylvia Lia Grespan Neves, que será professora em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) na Faculdade de Educação. “Só é possível a difusão, a valorização e pensar nas melhores formas de inclusão das pessoas com deficiência com a participação dessas pessoas. Temos que possibilitar caminhos para que esses indivíduos estejam nos diferentes contextos. Precisamos de professores com deficiência que possam participar nos diferentes âmbitos da sociedade”, destaca Ana Paula Zerbato, docente da Faculdade de Educação da USP e doutora em educação especial.

A especialista explica que a contratação da primeira professora com deficiência auditiva é uma grande conquista, mas que é necessário continuar caminhando para garantir condições igualitárias de acesso à Universidade, com a contratação, por exemplo, de tradutores e intérpretes de Libras. Para isso, é necessário compreendermos que o projeto de inclusão desses indivíduos precisa ser iniciado no ensino básico. 

Escolas 

É importante destacar que as pessoas com deficiência apresentam o direito de serem incluídas no sistema educacional brasileiro por meio de diferentes aparatos legais. Entre eles, encontra-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146), que assegura o exercício pleno de direitos para a garantia da inclusão social e do exercício da cidadania.

Ana Paula Zerbato – Foto: Lattes

Cássia Sofiato, professora da Faculdade de Educação da USP, considera que, apesar das políticas públicas existentes para a garantia da inclusão, “ainda se constitui como um desafio a permanência desses estudantes na escola comum, assim como a sua efetiva participação no processo educacional”. A professora destaca ainda que o censo escolar de 2022 revelou o aumento de matrículas de pessoas com deficiência em escolas comuns. Esse dado é importante, pois revela a importância da consolidação da educação inclusiva no Brasil para além das documentações, mas com a inclusão prática dessas pessoas.

Há um certo tempo, no lugar de políticas escolares inclusivas, as “escolas especiais” eram mais comuns, contudo, Ana Paula reflete que elas abrem margem para a desresponsabilização do Estado pela garantia do direito de todos. É também interessante notar que, em muitos casos, esses espaços são financiados pela iniciativa pública, quando esses investimentos poderiam ser direcionados para a inclusão desses indivíduos em escolas comuns. Além disso, destaca-se que a segregação dessas pessoas dos espaços comuns costuma gerar o aumento dos preconceitos.

A especialista explica que um dos desafios ainda presentes para a promoção da inclusão é a ausência da garantia do acesso, principalmente com relação ao ensino médio técnico e ao ensino superior. A permanência desses estudantes também é uma dificuldade encontrada por esses sujeitos, já que eles nem sempre possuem acesso ao atendimento educacional especializado. Por fim, é necessário repensar a prática docente para garantir o aprendizado desses estudantes.

Libras

O Decreto nº 5.625 de 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, estabelece a educação de deficientes auditivos em um modelo de educação bilíngue. Ana Paula comenta que essa é uma conquista da comunidade com deficiência auditiva. Assim, a língua de instrução nesses ambientes é a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua, enquanto a língua portuguesa é utilizada como língua secundária. “Muitos podem criticar esses espaços e questionar se eles não são iguais a escolas “especiais” e segregadas, mas é válido destacar que elas são pautadas no mesmo currículo da escola comum. É previsto o acesso a esse currículo na sua primeira língua”, explica a especialista. 

Para a consolidação efetiva das pessoas com deficiência nos sistemas escolares, é necessário o aumento dos investimentos em formação continuada de professores – Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

 

O ensinamento dessa língua é importante, pois muitas crianças deficientes auditivas crescem com pais ouvintes que não buscaram o aprendizado da língua de sinais, assim, a constituição do aprendizado é essencial nesse período. Os maiores desafios para a implementação desse sistema estão ligados à ausência de profissionais capacitados para o ensinamento desses métodos. Assim, um alto investimento é essencial para o funcionamento da aplicação da língua bilíngue.  

A professora lembra ainda que o português e a libras não são as únicas línguas presentes no País, sendo necessário também o reconhecimento da pluralidade do Brasil acerca dessa temática. “Nós convivemos com mais de 150 línguas indígenas, precisamos problematizar e pensar no respeito e na valorização dessas línguas que culturalmente fazem parte do nosso país”, explica Ana Paula. O financiamento de pesquisas que estudam e divulgam a libras também são importantes para a aplicação destas. 

Maior acessibilidade

Cássia Sofiato – Foto: Antoninho Peri/Unicamp

Cássia Sofiato declara que, para a consolidação efetiva das pessoas com deficiência nos sistemas escolares, é necessário o aumento dos investimentos em formação continuada de professores, trabalho colaborativo dentro das escolas, troca de experiências e a promoção de práticas pedagógicas que considerem os percursos de desenvolvimento individuais em um ambiente coletivo. Além disso, inserir essas pessoas como protagonistas de debates —  a sua participação no planejamento, desenvolvimento, avaliação e criação de políticas públicas de inclusão são processos que podem auxiliar na transformação do cenário atual. 

Além disso, a cultura escolar também deve apresentar maiores alterações para que o trabalho escolar consiga ser pensado a partir das diferenças. A participação democrática das pessoas com deficiência na construção de políticas públicas também é essencial para garantir o exercício ativo desses indivíduos. Assim, a escuta a essas pessoas é um bom primeiro passo de avaliação para as novas propostas que, mais para frente, devem apresentar um retorno em forma de investimento.


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