Guerra e paz criam dilema digital

A inteligência artificial pode ser sua aliada ou adversária neste cenário tecnológico

 27/02/2023 - Publicado há 1 ano
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Para o professor Gilson Schwartz, em sua primeira coluna do ano, a história da tecnologia entra agora numa fase crítica, em que é preciso decidir se a inteligência artificial vai servir para a destruição ou para a criatividade, a sustentabilidade e a cidadania. A inteligência artificial não funciona sozinha. É urgente redescobrir e inventar os espaços da criatividade, da inovação e da invenção de novas formas de viver.

“Demissões em massa por e-mail, um inverno cripto, ou seja, forte desvalorização das criptomoedas nos últimos seis meses, as maiores empresas do universo digital afetadas e a emergência com intensidade sem precedentes da inteligência artificial,  guerra eletrônica e guerra dos chips, um confronto entre os Estados Unidos e a China, que vai das acusações de espionagem ao controle sobre aplicativos usados por milhões de consumidores.

Esse é o quadro atual, os confrontos digitais estão presentes também no campo de batalha entre Estados Unidos e Otan, de um lado, e Rússia, de outro, no território da Ucrânia. São novas formas de guerra cibernética que vão do uso de drones ao rastreamento de tropas a partir do uso do celular pelos próprios combatentes em suas trincheiras. Todos esses fatores colocam a história da tecnologia num momento absolutamente crítico, em que a opção entre criação e destruição vem para primeiro plano. Estamos ficando mais inteligentes para matar ou para viver?

Será que a inteligência artificial funciona sozinha, sem brincar com a inteligência humana? Quais os novos espaços da criatividade, da inovação e da invenção de novas formas de viver? Será que a gente está terceirizando a nossa inteligência para robôs e outros artefatos tecnológicos que são muito propícios à espionagem, à violação da privacidade e da intimidade? Isso quando não se trata de estímulos à vigilância, à violência e à ruptura da ordem democrática e do Estado de Direito.

Há também o que já parece uma pandemia de problemas de saúde mental, afetando especialmente as crianças e os mais jovens. Nós vamos ver novos mercados de consumo gigantescos nos EUA, na China e em outros lugares ou cada vez mais a ampliação dos meios de produzir controle, bolhas de opinião e ansiedade, depressão e outros transtornos que afetam nossos modos de comer, dormir e criar laços sociais?

A destruição digital em massa pode deixar as instalações físicas, as infraestruturas das cidades relativamente a salvo. É o controle dos corpos, dos comportamentos e dos desejos que veio para primeiro plano, sem que as políticas públicas voltadas à cidadania avancem com a mesma rapidez. A água, as fontes de energia e os territórios férteis escapam ao bombardeio digital. Ou são poupados por drones e mísseis que usam tecnologias de alta definição para atingir um alvo.

Lembra aquela cena do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, em que o macaco descobre que um osso pode virar uma ameaça ou mesmo arma? Estamos diante de ferramentas que também podem servir para abrir caminhos, projetar novas formas de morar e circular nas cidades. O mesmo pedaço de madeira ou ferro pode servir para ameaçar, pode também servir como alavanca para deslocar pedras e criar novos espaços de convivência e assim viver em segurança e harmonia entre seres humanos e também com a natureza e o planeta.

O consumo de energia elétrica, associado à nova fronteira tecnológica e digital, a chamada transformação digital, é o grande calcanhar de Aquiles de todo o sistema, além das questões éticas, políticas e geopolíticas que estão colocadas quando projetamos uma expansão infinita do consumo digital dependente da fabricação de interfaces, com o uso intensivo de plásticos, produtos químicos e metais raros.

O fato é que o planeta já passou do ponto em termos de proteger as fontes de energia e água, portanto, ameaça também as fontes de alimentação saudável. Há uma oposição evidente entre a transformação digital acelerada e o uso de recursos naturais e humanos de forma sustentável”, finaliza Schwartz. 


Iconomia 
A coluna Iconomia, com o professor Gilson Schwartz, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

 


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