A ciência serve como um fim em si, mas também para ser aplicada. E com problemas no planejamento urbano, social e ambiental, é de se questionar o porquê de decisões ainda não terem sido tomadas para solucioná-los, em especial com tantos especialistas alertando para as questões. Marcos Buckeridge, vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, comenta a desconexão entre ciência e política no Brasil e no mundo.
Primeiro, ele traz um panorama da situação internacional. Especialista em questões climáticas, Buckerigde foi para as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023, em Dubai. O evento, que é uma das maiores – se não a maior – congregações do tipo no mundo, deveria ser a ponte entre a solução científica e o planejamento político.
O relato dele, no entanto, é alarmante: “A ciência não tem um papel forte ali nas COPs. É tão pobre a COP nas discussões que a única coisa que se vê de ciência ali é realmente que a temperatura está aumentando, as coisas mais simples”. Isso vai na contramão do que era esperado para uma reunião da proporção de uma COP. Ele complementa que “não existe uma participação mais efetiva da ciência na comunicação com os gestores e tomadores de decisão”.
Segundo ele, não é por falta de dados, estudos e especialistas – o que falta é a integração do sistema. Enquanto pesquisas são feitas, a prática ainda deixa a desejar, comprometendo grande parte do potencial da produção científica.
Situação do Brasil
Se o cenário já é complicado na reunião da ONU, no Brasil não é diferente. O problema, como comenta Buckeridge, começa a partir do sistema: “Hoje em dia, temos uma distorção: os políticos [fora do Executivo] estão entrando na gestão de dinheiro que deveria ser feita pelo Poder Executivo, exclusivamente”. Deputados, por exemplo, acabam assumindo cargos de gestão como efeito da política “toma lá, dá cá” sem serem especialistas.
Com a chegada de pessoas despreparadas a cargos de gestão, as decisões passam com frequência por decisões políticas, não por fatos. “Se a gente tiver Câmaras que tomam decisões embasadas no conhecimento, e não embasadas em ideia e ideologia, isso nos levaria a fazer a prevenção”, diz o professor. No caso da prevenção, Buckeridge compara essa política como um ‘seguro’, o que pode chatear as pessoas por não ter efeitos imediatos. Um político sem embasamento tende a fugir dessas demandas, e aí a necessidade de se ter alguém especialista à frente das tomadas de decisão.
Abaixo dos cargos altos, as Secretarias e Ministérios já estão montadas com técnicos e conhecedores das áreas. “O sistema está pronto; falta conectar. Esses gestores geralmente são muito bons, eles estão preocupados, eles entendem a importância de se fazer a preparação”, o afirma. Segundo ele, o Brasil produz dados relevantes e tem um grupo grande de profissionais competentes, mas, como ele complementa, “a priorização é sempre feita pelo político”.
A pesquisa
A fim de elaborar o fato de que boa parte das pesquisas já existe, Buckeridge fala dos itens de agenda produzidos pelo IEA. “Eles permitem que a priorização seja feita e que políticas públicas mais específicas sejam desenhadas para diferentes locais e diferentes situações.” O político-gestor pode pegar esses itens e mesclar, integrando as propostas e adaptando as pesquisas de caso a caso. Segundo o pesquisador comenta, esses itens de agenda têm um enorme potencial para embasar políticas públicas de qualidade, mas infelizmente são muitas vezes ignorados.
Mas também não basta seguir uma vez e pronto. Buckeridge compara as políticas públicas com um pet, um animal de estimação: tem que cuidar toda hora. “A partir do momento que a política começa a ser executada, ela tem que ser constantemente ajustada, porque o sistema vai mudando.” O sistema é fluido e a inovação precisa sempre se atualizar; o problema brasileiro, segundo ele, é não encarar esse fato: “O Brasil faz todos os planos e acha que simplesmente fazer os planos vai ser o suficiente para você prevenir algum evento”.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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