“Foro privilegiado” não deve ser extinto, mas reformulado

Rubens Beçak diz que extinguir o foro vai causar mais transtornos ao País do que lidar de maneira direta com ele; uma PEC que trata do assunto está engavetada na Câmara dos Deputados há mais de quatro anos

 17/03/2023 - Publicado há 1 ano
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No Brasil, existem cerca de 55 mil pessoas com direito ao foro privilegiado – Foto: Wikimedia Commons

 

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O foro por prerrogativa de função é um mecanismo que garante a certas autoridades públicas, de prefeitos a presidente da República, que sejam julgados por um júri especial quando suspeitos de crimes de função. Ou seja, eles não serão julgados pelas instâncias comuns da Justiça brasileira, mas por instâncias superiores como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo. A medida está na Constituição Federal de 1988. O Brasil tem 55 mil pessoas protegidas pelo foro, segundo a Confederação de Servidores Públicos, e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que reformula a medida, adormece na Câmara dos Deputados.

Rubens Beçak – Foto: Arquivo Pessoal

Devido a escândalos de corrupção, entre outros crimes, envolvendo várias autoridades contempladas com o foro por prerrogativa de função, que passou a ser usado para impedir investigação de crimes comuns, foi-se criando na sociedade uma sensação de mal-estar e desconfiança a esse mecanismo. É a sensação da impunidade e, não é por acaso, que a medida passou a ser chamada de “foro privilegiado”. Entretanto, o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Rubens Beçak, afirma que o foro por prerrogativa de função não nasceu com o intuito de ser um manto acobertador de casos de corrupção. “Uma pessoa que exerce um mandato parlamentar, por exemplo, não pode sofrer perseguições, algo que impeça o seu direito de expressar opiniões ou até de fazer denúncias. Nesse caso, o foro vem para dar segurança jurídica para essas pessoas.” 

Todavia, ele reconhece como legítima a sensação de impunidade que permeia a sociedade. “O foro, que é uma defesa de função, do livre exercício dela, acaba por ser vista como um privilégio devido a muitos se blindarem com esse foro e não terem apuradas e julgadas as denúncias de corrupção.”

PEC para acabar com a impunidade 

Beçak explica que o foro pode, sim, ser utilizado – e tem sido – para acobertar e dificultar a tramitação de processos de crimes comuns, ou seja, aqueles delitos não atrelados à função que o agente exerce. “Eu não sou contra o foro por prerrogativa de função, mas a gente sabe de uma série de casos de pessoas que deveriam ser julgados pelas instâncias comuns da Justiça e foram para um tribunal com composição diferenciada; muitas denúncias de acobertamento e proteção dos julgados.”  

Enfatizando não ser contra a existência do foro, ele reconhece que é necessário uma reformulação para garantir um melhor controle sobre quem pode ou não utilizá-lo, além de dar maior segurança jurídica. “Eu não vou pelo caminho da extinção não, acho que, se extinguir, você piora, pois equipara juridicamente esses agentes públicos às outras pessoas, o que pode fazer com que ele comece a ser perseguido.”

Para garantir a apuração de denúncias em caso de crimes comuns para quem está protegido pelo foro de prerrogativa de função, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 333/2017 foi aprovada no Senado por 75 votos a 0 e encaminhada para a Câmara dos Deputados, onde chegou a ser aprovada em todas as comissões em que tramitou. Há mais de quatro anos, no entanto, a PEC aguarda para ser colocada em pauta para votação no Plenário.

Plenário do Senado Federal – Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Prática secular e internacional 

Apesar de o foro ser reconhecido e garantido pela Constituição de 88, ele não é novo e muito menos é uma prática exclusiva do Brasil. Beçak explica que esse dispositivo remonta há séculos. “O Brasil reconhece o foro por prerrogativa de função desde a época do Império. Surgiu na Constituição de 1824. Pode-se dizer que a prática do foro por prerrogativa de função remonta ao início do constitucionalismo, logo na era das revoluções.”

Segundo o estudo Foro Privilegiado: Pontos Negativos e Positivos realizado pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Newton Tavares Filho, países como a Espanha e França possuem, em maior ou menor escala, o foro por prerrogativa de função. Mas há países que não adotam a medida, entre eles, Inglaterra, Argentina, Chile, México e Cabo Verde. Na Alemanha e na Itália, apenas o presidente do país tem proteção do foro. 

O artigo 105 da Constituição Federal de 1988 estabelece quais autoridades deverão ser julgadas nos diversos tribunais. Confira a seguir: 


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