Os ministros da Saúde do G20 reuniram-se sob a presidência do Brasil e aprovaram duas declarações inéditas. A primeira visa a melhorar os sistemas de saúde globais e enfrentar as desigualdades agravadas pela pandemia da covid-19. O professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP Gonzalo Vecina Neto faz um balanço das discussões sobre a saúde global no G20.
Desigualdade global no centro das discussões
O professor Vecina Neto aponta que um dos maiores desafios é a desigualdade entre países no acesso a recursos para a saúde. Ele destacou o impacto da pandemia, que revelou a disparidade no acesso a vacinas, com países ricos acumulando doses enquanto regiões como a África ainda enfrentam lacunas significativas de imunização. “As questões relativas, principalmente, à desigualdade entre os países – os países do terceiro mundo, os países pobres -, ainda existe muita desigualdade e acho que esse foi o grande foco que o G20 tentou dar e levar para esse foco, a possibilidade de que os débitos, as dívidas dos países que estão no Terceiro Mundo possam ser utilizados em parte para cobrir essas necessidades de melhorar a assistência à saúde nesses países”, afirma.
A primeira declaração do G20 propõe que, nos próximos dois anos, os países busquem recuperar e superar os níveis de assistência médica pré-covid-19. É um objetivo ambicioso, considerando que muitos sistemas de saúde ainda se recuperam do impacto da pandemia. A proposta inclui melhorar o acesso a medicamentos e vacinas, especialmente em regiões vulneráveis.
“Mas temos que lembrar que, infelizmente, o mundo nunca teve e está cada vez mais distante de ter uma articulação voltada para resolver problemas comuns. Os problemas comuns acabam não sendo adequadamente tratados pelos países quando eles se reúnem. Veja, por exemplo, o que aconteceu durante a pandemia na distribuição de vacinas. Os países ricos, Estados Unidos e Europa, compraram três a quatro vezes mais vacinas do que eles precisavam para cobrir toda a sua população. E até hoje nós não conseguimos atingir os países da África com uma adequada vacinação”, exemplifica Gonzalo.
Meio ambiente e saúde
O segundo documento do G20 reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. Vecina Neto explica como eventos climáticos extremos, como ondas de calor e inundações, aumentam o risco de surtos epidêmicos. Ele destacou o papel das mudanças climáticas na explosão de casos de dengue no Brasil, que saltaram de 1,5 milhão para 6 milhões em um ano. “O segundo documento é voltado mais para essas questões do clima e da saúde. E aí está voltado para tentar melhorar a nossa capacidade de prever e de reagir a ondas de calor, inundações, secas, incêndios florestais e o aparecimento de novas epidemias. Porque esses eventos climáticos pressionam a vida, pressionam a vida vegetal, a vida dos animais, a vida dos micros seres que vivem nos animais”, discorre.
O professor ainda dá outros exemplos, como o aumento dos casos de dengue no País “Este ano nós tivemos uma explosão de casos, 6 milhões de casos de dengue aqui no Brasil, quando em média nós tínhamos 1,5 milhão de casos por ano. Por que nós tivemos essa explosão de casos? Muito provavelmente a explicação mais importante é o aumento da temperatura,” defende.
Propostas para a melhoria
Um dos principais resultados da reunião foi a proposta de uma coalizão para capacitar países do sul global na produção de insumos médicos, como vacinas. Vecina Neto ressaltou a importância de transferência de tecnologias, como a de RNA mensageiro, para que regiões como América Latina e África possam produzir seus próprios imunizantes. “A produção regional é essencial para atender à demanda global”, afirma.
As discussões no G20 reforçam a necessidade de colaboração global para enfrentar desigualdades e crises emergentes. Propostas como a Uma Só Saúde e a produção regional de insumos são caminhos promissores, mas exigem investimentos e vontade política para se tornarem realidade. A Uma Só Saúde busca prever e mitigar os impactos das mudanças climáticas na saúde, como a disseminação de zoonoses. O professor alerta que doenças como a covid-19, que têm origem animal, refletem essa conexão. Ele destacou o Plano de Ação Conjunto de entidades como OMS, FAO e Programa da ONU para o Meio Ambiente, voltado a enfrentar esses desafios até 2026.
As propostas do G20 precisam sair do papel rapidamente, segundo Vecina Neto. “Esses países vão ter que se entender para que ações práticas reais ocorram, particularmente no acesso a medicamentos e vacinas”, conclui o professor.
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