
Muito se fala das vantagens econômicas que o atual sistema agropecuário traz para o Brasil, tido como “o grande celeiro do mundo”. Contudo, pesquisadores estão questionando cada vez mais essas vantagens e entendendo que há custos ocultos na lógica predominante que também devem ser levados em conta.
Arilson Favareto, novo professor titular da Cátedra Josué de Castro da USP, explica melhor o que é chamado de lógica predominante e onde entram esses custos ocultos.
Lógica predominante

O pesquisador explica que o modelo atual de agropecuária intensiva foi fruto de investimentos que começaram a ser feitos ainda em 1960, para combater a falta de alimentos. Hoje, contudo, nosso problema é outro: temos produção suficiente de alimentos, só não estão plenamente distribuídos: “A partir de 1960, houve um enorme investimento em pesquisa, assistência técnica e financiamento para disseminar um modelo fortemente baseado no uso de insumos químicos, processamento de alimentos e na seleção e disseminação de variedades de plantas e animais mais produtivos. Esse modelo conseguiu aumentar e estabilizar a oferta, de modo que hoje não há falta de alimentos. A fome e a desnutrição ainda existem, e isso é uma vergonha, mas acontece por dificuldade de acesso e de poder aquisitivo da população mais pobre”, expõe Favareto.
Essa maneira de produção alimentar gera muita riqueza principalmente para os detentores de grandes porções de terras e outros meios de produção da indústria de alimentos. Contudo, os impactos ambientais e de saúde populacional gerados por esse sistema geram custos que, como não são diretamente pagos pelos detentores, dificilmente são contabilizados.
Custos ocultos
O levantamento O Estado da Alimentação e da Agricultura da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta que esses custos ocultos em 2023 chegavam a US$ 12 trilhões. Conforme explica Favareto, um dos principais fatores que contribuem para esse custo é o impacto do sistema de produção na saúde: “É comprovado que algumas doenças não transmissíveis são causadas pelo padrão de consumo alimentar atual. Sabemos também que muitos aditivos químicos presentes na agricultura convencional e nos ultraprocessados são nocivos à saúde humana, e muitas pessoas que desenvolvem essas doenças no Brasil usam o sistema público de saúde, que é custeado pelo conjunto da sociedade”.
Além disso, o modelo de agricultura predominante atualmente é baseado no que Ricardo Abramovay chama de “monotonia de sistemas alimentares”. Isso significa que a produção depende da eliminação da biodiversidade, o que também traz custos não contabilizados.
“A indústria de carnes depende da degradação de áreas ricas em biodiversidade e o desmatamento da Floresta Amazônica é o maior exemplo disso. Além da perda de diversidade, que em si é um valor, isso altera o metabolismo dos ecossistemas: menos floresta significa menos umidade no ar, o que significa aquecimento, mudança no regime de chuvas, aumento dos chamados eventos extremos como secas prolongadas ou tempestades mais intensas, a depender da época e da região. Tudo isso causa estragos e perdas que também implicam custos para a sociedade.”
Buscar alternativas
Outro relatório, publicado em 2024 pela Food System Economics Commission, mostra que, se colocados na balança, os custos ocultos do atual sistema agroalimentar já superam os ganhos gerados por ele. O professor dá detalhes: “A viabilidade econômica desse modelo está posta em xeque, e isso precisa ser debatido, caso contrário, o conjunto da sociedade paga a conta sem saber. O relatório mostra que uma transição dos sistemas alimentares para formas de produzir e consumir mais saudáveis e sustentáveis poderia evitar 174 milhões de mortes prematuras, além de gerar renda para 400 milhões de pequenos produtores”.
Os relatórios mostram que uma transição agroalimentar já é possível, mas desafiaria o capital daqueles que lucram com a manutenção da monotonia alimentar atual. “O Brasil tem todas as condições de liderar essa mudança em escala global, mas não estamos indo nessa direção; por isso é importante cobrar das lideranças políticas e empresariais”, finaliza Favareto.
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