
A Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo, em conjunto com a Associação Médica Brasileira, divulgou recentemente os resultados preliminares do estudo Demografia Médica no Brasil, que traz levantamentos inéditos sobre a oferta de cursos de especialização médica no Brasil. Segundo os resultados, cerca de 41,2% desses cursos são oferecidos na modalidade de ensino a distância, enquanto 11,1% funcionam em regime semipresencial, o que acendeu um alerta sobre as consequências desses formatos na formação de médicos especialistas.
O levantamento analisou 2.148 cursos de especialização em medicina, oferecidos por 373 instituições no Brasil, revelando um crescimento expressivo na oferta dessa modalidade de ensino. De acordo com Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e coordenador do estudo, eles são cursos de pós-graduação lato sensu, modalidade de ensino destinada à atualização e aprimoramento profissional, mas com baixa regulação, já que não há uma autorização de reconhecimento pelo MEC ou por outro órgão de governo.
“Na medicina, de acordo com a nossa legislação, existem apenas duas formas de especialidade médica para obtenção do título de especialista, que seria a conclusão de um programa de residência médica, a modalidade mais adequada para se formar um médico especialista, ou pela titulação de uma sociedade de especialidade médica filiada na Associação Médica Brasileira. O que nós estudamos são cursos de especialização que não dão ao médico o direito de se apresentar como especialista”, complementa.
Ensino médico a distância
Scheffer ressalta que o fenômeno de crescimento da oferta desses cursos está diretamente ligado ao crescimento do setor privado de educação médica. Enquanto o Brasil forma cerca de 46 mil novos médicos anualmente, há uma defasagem significativa no número de vagas de residência médica, com apenas 15 mil a 16 mil vagas disponíveis para o primeiro ano de residência, considerado o método mais adequado para a formação de especialistas.

Para ele, existe uma incapacidade de expansão da residência médica na mesma velocidade e proporção em que se deu a abertura de novos cursos. “Com isso, há um crescimento desse mercado. Hoje, mais de 200 mil médicos no Brasil não têm título de especialista, então eles se tornam um potencial público para cursar essa modalidade de pós-graduação lato sensu”, explica.
Um dos pontos mais preocupantes, contudo, é a alta proporção de cursos oferecidos a distância. Scheffer ressalta que, para muitas especialidades médicas, essa modalidade não é adequada, uma vez que a prática presencial é essencial para a formação de competências técnicas. “Exigiria uma formação presencial, com campo de prática, com conteúdos práticos, então este é um problema que nós identificamos”, afirmou o professor.
Outros pontos
A falta de regulação adequada é outro ponto de destaque no estudo. Scheffer alerta que, enquanto algumas instituições renomadas, como a própria USP, oferecem cursos de excelência, outras instituições carecem de infraestrutura e corpo docente qualificado. Assim, muitos desses cursos são oferecidos por instituições sem experiência ou capacidade comprovada para formar especialistas, gerando uma oferta heterogênea e, em muitos casos, de baixa qualidade.
Outro problema identificado pelo estudo é a desconexão entre os 390 cursos de medicina no Brasil e as demandas reais do Sistema Único de Saúde (SUS). O professor aponta que muitos dos cursos ofertados estão voltados para o mercado privado, enquanto o atendimento médico público enfrenta filas imensas para consultas, exames e cirurgias especializadas.
Mudanças para o futuro
Diante desse cenário, Scheffer defende uma revisão na regulamentação dos cursos de especialização médica lato sensu, sugerindo que entidades da sociedade civil e especialistas, como a Associação Médica Brasileira, sejam envolvidas em um processo de avaliação mais abrangente desses cursos. “Eles precisam ter padrões mínimos de qualidade, com um corpo docente bem formado, infraestrutura e um projeto pedagógico”, destaca.
Sobre o assunto, ele conclui: “O Brasil necessita de médicos especialistas, irá necessitar ainda mais no futuro, para o envelhecimento da população e para tentar solucionar, por exemplo, as filas e especialidades médicas. Haverá necessidade de certificação desses cursos de pós-graduação lato sensu, isso requer rever as atribuições que hoje são do MEC e, da parte da Universidade, continuar com as pesquisas. Precisamos produzir cada vez mais conhecimento, não só recomendando regulamentação, mas avaliando a qualidade da oferta. O objetivo final de uma universidade pública é aproximar o conhecimento científico, nesse caso, da melhor formação médica, das prioridades do SUS e das necessidades de saúde da população”.
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