Na coluna desta semana, o professor Renato Janine comenta a realização da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação, que está se realizando em Brasília. O professor explica que conferências desse tipo ocorrem desde a virada do século. “Mas entre a quarta e esta transcorreram 14 anos, um tempo muito longo e que mostra muito bem todos os problemas que tivemos nesse período. Tivemos a crise que levou à derrocada do governo Dilma, tivemos a administração de Temer pautada pelo corte de gastos, a administração negacionista de Bolsonaro, na qual não se esperaria de forma alguma que se apostasse na ciência, na tecnologia ou sequer na inovação, e agora a volta da ciência, com a volta de uma certa normalidade. O governo convocou esta conferência, que é um pleito da comunidade científica, e por que não dizer também empresarial, dado que a terceira perna da CT&I interessa, sobretudo, ao setor produtivo, aos empresários.”
Janine conta que essa conferência está sendo preparada há cerca de um ano e teve um número extraordinário de eventos preparatórios: “Entre conferências livres, conferências temáticas e reuniões estaduais temos mais 150”. O volume de material dos eventos preparatórios foi tão grande, que, de acordo com o professor, foi necessário recorrer à inteligência artificial para transcrever as falas e depois preparar um resumo dos principais tópicos, que resultaram em dois livros eletrônicos. “Como presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) irei participar do evento especialmente coordenando uma mesa no terceiro dia, que será justamente nesta quinta-feira, dia 1º de agosto. Uma mesa sobre a contribuição das ciências humanas e das humanidades para o desenvolvimento do Brasil em todos os pontos de vista, econômico, social e, sobretudo, político e moral.”
O professor explica que o foco de uma conferência nacional é definir quais são as prioridades de pesquisa, quais áreas que o Brasil pode e deve pesquisar. “Não sei se será o entendimento do governo, mas eu tenho para mim que o Brasil não pode ser líder em todas as áreas do conhecimento, é óbvio. Nós não temos dinheiro nem quadros para isso, mas, pelo tamanho da sua população, pelo seu PIB e do seu território, o Brasil tem duas obrigações principais: a primeira, ele tem que ser bom em todas as áreas. Não digo ser excelente, líder. Líder não pode ser, eu já disse, mas bom ele pode ser. Ele pode ser bom no que diz respeito à energia nuclear, mesmo que o nosso laboratório acelerador de partículas não lineares, o Síncrotron, que está em Campinas, seja pouco mais de 1% do tamanho do comprimento do Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), que fica na fronteira franco-suíça. Então, mesmo com essa diferença, nós podemos ser bons. Podemos até ser muito bons, temos que estar constantemente antenados como se faz nos países desenvolvidos. Dei exemplo da energia nuclear, daria também da egiptologia. Parecem quadros muito diferentes, mas temos que ter espaço para ter alguns egiptólogos bons do Brasil.”
Janine defende que “a nossa principal obrigação é sermos líderes naquilo que nos compete. Isso diz respeito à biodiversidade, sendo que a Amazônia tem provavelmente o maior estoque de biodiversidade do mundo; diz respeito às energias alternativas e eu acrescentaria, também, um terceiro ponto, que é o das formas de relacionamento humano. O Brasil tem uma capacidade de integração, de inclusão, que é superior, por exemplo, aos países da Europa e os Estados Unidos. Não estou falando da questão econômica, estou falando de um traço da nossa cultura que ainda tem muito o que ser desenvolvido, enfrentando o racismo, preconceito de toda a ordem, mas o Brasil pode isso. Então, eu penso que em algum momento teremos que definir quais são as prioridades da pesquisa no Brasil, focadas em como a gente quer que o Brasil seja. Um país próspero, justo e solidário”.
Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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