Como punir políticos em cargos vigentes sem que haja um contexto político?

É o que indaga o professor Glauco Peres ao comentar o projeto de atualização da Lei do Impeachment, que prevê algumas alterações em relação à lei vigente

 27/02/2023 - Publicado há 1 ano
O fato de tirar de qualquer cidadão a possibilidade de um pedido de impeachment é uma mudança importante – Foto: Orlando Brito
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O projeto de atualização da Lei do Impeachment, formalmente conhecida como a Lei nº 1.079 de 1950, foi aprovado por uma comissão de juristas e está em tramitação. Diversos pontos foram abordados, mas a restrição de quem pode realizar pedidos de impeachment e a inclusão de crimes, como a divulgação de fake news no grupo de crimes de responsabilidade, são destaques.

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“O fato de tirar de qualquer cidadão a possibilidade de um pedido de impeachment é uma mudança importante. Nesse ponto, é menos democrático, porque torna o processo restrito a um grupo de atores que pode, mas evidentemente torna o processo mais racional e mais controlado“, diz o professor Glauco Peres, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sobre o primeiro ponto. Entretanto, mesmo com a capacidade de realizar pedidos de impeachment restrita a grupos específicos, como partidos políticos com representação no Poder Legislativo, OAB, entidades de classe e organizações sindicais, Peres pontua que o caráter político do processo de impeachment continua lá.

Política

“A grande questão em torno dessa mudança ou desse debate, na verdade, é que o impeachment não vai deixar de ser um processo político, mais do que jurídico”, comenta o especialista. Ele ainda complementa, dando um exemplo recente que comprova sua fala: “Durante o governo de Jair Bolsonaro, a gente teve um recorde de pedidos de impeachment, mas nenhum deles foi adiante, não por questões jurídicas, o não encaminhamento foi feito por questões políticas, de acordo com os entendimentos entre os responsáveis por tramitar o processo. Isso vai continuar sendo assim, a despeito de quem peça, vão continuar tendo capacidade de levar adiante, de segurar os processos na medida que aquilo for julgado conveniente”. Por mais que, para o professor, isso possa tornar juridicamente o impeachment mais simples e melhor, o processo em si vai continuar sendo o mesmo: político.

A inclusão de outros crimes de responsabilidade que abram justificativas para montar um processo de impeachment, sobretudo a questão das fake news, é muito recente: “Em 2018, a internet ganhou uma projeção única na história das eleições do País. De fato, uma atualização, uma demanda dos novos tempos, coloca para a legislação a necessidade de se atualizar periodicamente. Isso faz todo sentido e é visto com bons olhos no sentido de você atualizar e modernizar o código legal”, diz Peres. 

Glauco Peres – Foto: FFLCH

O professor deixa um questionamento: “O grande problema é: como a gente pune políticos que estão nos cargos, sem que isso seja colocado em uma percepção política?” O limiar é muito frágil e, por isso, os foros privilegiados deveriam ser funcionais, para resguardarem os políticos dessas possíveis situações. Mas Peres coloca: “Você resguarda, você cria foros privilegiados para esses políticos, só que, ao mesmo tempo, eles usam isso para se resguardarem de crimes que eles cometeram antes e aquilo vira todo um problema. Eles se veem resguardados e cometem crimes cujo tempo de tramitação e de investigação é tão demorado que aquilo já produz efeito. A gente viu isso na última eleição, as fake news apareciam e não tem como tirá-las, já produziram efeito. Como é que você controla isso?”.

Sobre a questão de implantar a obrigatoriedade da definição de um prazo determinado para que o pedido de impeachment seja acatado ou não, o especialista diz: “Se o processo jurídico impuser que o ritmo seja determinado, os políticos vão ter que seguir, porque não têm o que fazer. Mas é de se imaginar que não iria acontecer de os políticos criarem uma lei que tire deles a capacidade de determinar quando o presidente pode sofrer impeachment e deixar isso para uma situação meramente técnica e jurídica”. Peres comenta que não vê por onde essa mudança possa seguir, já que o poder Legislativo, possuindo o controle dessa ferramenta capaz de pressionar o Executivo, não irá querer entregar isso.


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