A eletrificação de veículos na Europa tem gerado uma intensa disputa entre duas narrativas opostas. De um lado, há a preocupação com o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2), especialmente em um contexto em que a matriz energética do continente ainda depende fortemente de combustíveis fósseis, como o carvão mineral. Essa abordagem critica a expansão das frotas eletrificadas sob o argumento de que, sem uma matriz limpa, a eletrificação pode agravar o problema das emissões.
Por outro lado, há especialistas que defendem que a eletrificação dos veículos é um passo crucial para acelerar a transição energética. Esse grupo argumenta que, a médio e a longo prazo, a adoção de veículos elétricos poderá resultar em uma significativa redução das emissões de carbono, especialmente com a implementação de energias renováveis na matriz energética europeia.
Etanol brasileiro
O professor Fernando de Lima Caneppele, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, destaca a relevância do carro a álcool brasileiro, que é considerado um dos projetos de biocombustível mais bem-sucedidos fora da Europa. O professor explicou que, ao analisar o ciclo de vida dos veículos, é essencial considerar não apenas as emissões durante o uso, mas também aquelas geradas na produção da eletricidade que abastece os carros elétricos. “No caso da Europa, esse aspecto é crítico, pois as usinas que geram eletricidade muitas vezes ainda utilizam carvão, elevando as emissões associadas aos veículos elétricos”, pontua.
O docente destaca que, em contraste, o ciclo do carro a álcool brasileiro apresenta uma vantagem significativa, pois o CO2 emitido durante a combustão é compensado pela absorção de carbono da cana-de-açúcar durante o seu cultivo. Além disso, a produção de etanol a partir da cana gera subprodutos valiosos, como açúcar e biogás, que podem ser utilizados de maneira sustentável.
Segundo o especialista, o cultivo da cana pode ser um elemento-chave na transição energética do Brasil. Ele afirma que atualmente praticamente todo o rejeito da cana é aproveitado, seja na produção de energia, na fertirrigação ou na geração de etanol de segunda geração e biogás. Esse aproveitamento integral, para o especialista, reforça as altas taxas de sustentabilidade envolvidas na produção desse biocombustível.
Norte e sul global
De acordo com Caneppele, em um cenário de transição tecnológica, as soluções adotadas pelos países do norte global nem sempre se aplicam aos países em desenvolvimento. Ele argumenta que o Brasil deve aproveitar este momento histórico para traçar seu próprio caminho em direção a uma matriz energética sustentável de baixo carbono.
“A eletrificação da frota, seja no Brasil, seja no mundo, é um caminho irreversível, então é vantajoso termos uma matriz energética limpa. No caso brasileiro, podemos muito bem conviver com as duas tecnologias, tanto a eletrificação quanto o carro a álcool. Em outros países, onde há matriz energética considerada mais suja, como em países que utilizam carvão mineral, ela ainda pode ser desvantajosa. Nesse caso, o carro a álcool seria mais vantajoso”, reflete.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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