As queimadas e a necessidade de repensar a política ambiental do Brasil

Paulo Saldiva reflete sobre a questão das queimadas somente para chegar à conclusão de que nosso país sofre um grave problema de atraso ambiental, que é ainda maior em regiões do Norte e do Centro-Oeste

 Publicado: 30/09/2024 às 10:33

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Paulo Saldiva retoma o tema das queimadas, que tanta preocupação vem causando na área da saúde. Segundo ele, muito se tem falado sobre as queimadas na região Sudeste, o que fez com que a capital e cidades como Ribeirão Preto apresentassem níveis alarmantes de poluição. No entanto, o colunista chama particularmente a atenção para cidades da região Norte e Centro-Oeste. “Rio Branco e Porto Velho, por exemplo, disputam o duvidoso privilégio de atingir níveis, eu diria sem precedentes, de poluição por partículas inaláveis, muitas vezes superando o nível de muita insalubridade. É interessante como a questão das queimadas só atinge notoriedade quando atinge o Sudeste, e essas cidades que vêm sendo submetidas a queimas constantes têm menos relevância no contexto da política ambiental”, diz Saldiva. “Eu diria que existe uma preocupação legítima com os biomas, a perda de fauna e flora, a devastação do solo, são extremamente importantes e os efeitos globais da queimada e da emissão de gás de efeito estufa decorrentes da perda da biosfera. Os mecanismos de controle que uma floresta do porte da Amazônia coloca são importantes, mas eu, como médico, me sinto também na situação de imaginar como os habitantes das cidades no entorno devem estar sofrendo com consequências muito diversas na saúde.”

Para Saldiva, é chegado o momento “de que tenhamos atitudes efetivas, não só para preservação de biomas distantes, biomas remotos e manter a floresta de pé, mas também para preservar a saúde das pessoas que lá habitam; além da pobreza decorrente da devastação, de empregos, de perdas econômicas, temos também um impacto sobre a saúde, levando seguramente a uma sobrecarga do sistema de saúde e à morte prematura de pessoas, mortes evitáveis que estão ocorrendo neste momento. E é interessante que essa discussão só atinge relevância nacional e grande penetração na mídia quando você chega a lugares com maior capacidade de exercício da cidadania e maior visibilidade em escala nacional. Nossa política ambiental, os padrões de qualidade do ar, que são ultrapassados, a inexistência de sistemas de preparo e alerta à população nesses episódios traduzem um atraso ambiental que acontece em toda a América Latina, mais notadamente no Brasil, onde o progresso da legislação e adoção de padrões mais restritivos de poluição do ar não encontram espaço nos órgãos que determinam os níveis de aceitação como, por exemplo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente e, no caso, dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente. Esse alerta fica para que aprendamos com essa situação e olhemos o Brasil como um todo, não somente a partir de uma lei que é do Sudeste […] já existem problemas com populações locais, indígenas, ribeirinhos e agora acrescenta-se que as cidades estão sob risco, cidades onde moram milhões de pessoas. Talvez tenhamos a chance de começar do zero ou começar a criar um caminho virtuoso que é absolutamente necessário nesses tempos tão bicudos, poluídos e fumacentos. Bom, que tenhamos então uma chance de refundar a política ambiental do Brasil”, conclui.


Saúde e Meio Ambiente
A coluna Saúde e Meio Ambiente, com o professor Paulo Saldiva, vai ao ar toda segunda-feira às 8h, quinzenalmente, na Rádio USP (São Paulo 93,7 ; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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