“As causas das oscilações no preço do dólar são diversas, é difícil prever as movimentações”

Frequentemente tratada nos noticiários, a variação no preço do dólar tem razões multifatoriais e impactos diretos no cotidiano brasileiro, como explica Mauro Rodrigues

 28/08/2024 - Publicado há 5 meses
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Um punhado de dólares sobre fundo negro
A decisão de usar o câmbio flutuante determina que não existe mais um preço estabelecido para o dinheiro estrangeiro – Foto: jcomp/Freepik
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Economia é um tema sensível para o brasileiro. O País vive ciclos de crises desde o início da República. Convivemos com períodos de grande inflação desde os tempos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Nos anos 60, o Brasil enfrentou baixas taxas de crescimento, chegando apenas a 0,6% de acréscimo em 1963. Nesse momento, a aceleração da inflação, que em 1961 era de 51,6%, passou a 80% em 1962 e chegou a 93% em 1963. Com os militares no comando e o fim do padrão-ouro, em 1971, o dólar passa a ser o lastro de todas as economias mundiais, o que tornou a economia do mundo intimamente ligada à moeda americana e às decisões do FED, o Banco Central americano. A crise dos barris de petróleo dos anos 70 nos EUA é importada para o Brasil e marca o fim do “milagre econômico” militar, que deixou como legado a estagnação do Produto Interno Bruto, uma inflação elevada e crise do endividamento externo. O que se segue a partir de então? Figueiredo, Sarney, Collor e mais crise. Nos anos 80 e início dos anos 90, vivemos o período da hiperinflação. O Plano Real chega em 1993, estabilizando o cenário progressivamente. O plano vive sua primeira estremecida quando, em janeiro de 1999, o Banco Central troca o regime de bandas cambiais, passando a operar em regime de câmbio flutuante.

A decisão de usar o câmbio flutuante determina que não existe mais um preço estabelecido para o dinheiro estrangeiro. O preço do dólar, euro e demais moedas do mundo frente ao real será definido pelo movimento da oferta e da demanda, que, por sua vez, é influenciado por uma série de outras questões, incluindo investimentos externos, responsabilidade fiscal, situação das contas públicas, taxa Selic, entre outras variáveis. O professor Mauro Rodrigues, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, explica melhor como funciona a dinâmica de preços do dólar no Brasil e como essa variação pode impactar a nossa economia.

A montanha-russa do câmbio

O professor conta que não é o preço nominal do dólar que importa para a nossa economia, mas sim a sua variação: “Esse valor é simplesmente o preço de uma moeda contra a outra. Ele pode refletir um monte de coisas que tem a ver com o país aqui e com a economia mundial. Esse número sozinho não significa nada. O que é relevante é quando ele sobe ou desce. É a variação. Então, subiu 2%, caiu 2%. Isso é a parte relevante”.

Mauro Rodrigues Jr – Foto: CV Lattes

“As causas das oscilações no preço do dólar são diversas, é difícil prever as movimentações, muito em função disso. Mas existem questões centrais. Uma delas é o fluxo dos investimentos externos. Toda vez que o País fica relativamente mais atrativo para investimento, a moeda tende a se fortalecer. Isso porque os ativos e os investimentos no Brasil estão em reais. E os investimentos lá fora estão em dólar. Então, toda vez que entra dinheiro no País, ou seja, quando um investidor externo decide colocar seu dinheiro no Brasil, ele compra reais e sai do dólar. Isso faz com que o real se valorize frente ao dólar”, explica.

Essa “atratividade” para o mercado financeiro externo está ligada ao valor da taxa Selic, que é a taxa básica de juros no Brasil. Todas as outras alíquotas nacionais levam em conta o patamar atual da taxa básica, que acaba ditando o preço do crédito do País. Levando em consideração a interação da Selic apenas com o mercado externo, essa taxa funciona como uma espécie de precificação para os investidores estrangeiros. Se a taxa está alta, significa que os juros pagos para quem investir no País serão altos, portanto, a recompensa pelo investimento será mais farta. “Os investidores, em condições normais, vão quase sempre optar por investir nos EUA, considerados o investimento mais seguro do mundo. No entanto, existem momentos, como o atual, em que os Estados Unidos estão começando a falar em reduzir os juros, isso tende a favorecer os países emergentes em termos de investimento. Eles se tornam relativamente mais atrativos, pois você tem um diferencial de juros relevante, a recompensa recebida passa a valer mais a pena frente ao risco de se investir em um país em desenvolvimento. Em resumo, se caem os juros nos Estados Unidos, os investidores topam tomar um pouco mais de risco para garantir um retorno maior. Isso faz com que o capital se movimente de fora do país para dentro do país. E isso pode se dar em termos de expectativa. Só a expectativa de descida ou subida das taxas pelo mundo já faz com que os preços se mexam”, complementa.

Outro ponto que é influente é o andamento das contas públicas. A situação fiscal no cenário nacional é o que projeta a credibilidade do Estado para o mercado externo. “Para fechar as contas, o Estado gasta mais do que arrecada. Então ele precisa pegar emprestado. Quando ele pega emprestado, ele emite o título da dívida, ativos de renda fixa que são uma opção de investimento para a sociedade. Eles têm a finalidade de captar recursos para o financiamento da dívida pública e financiar atividades do governo federal. E aí ele vende isso no mercado. Alguém compra, porque no futuro vai receber esse dinheiro de volta com juros. Toda vez que tem um enfraquecimento das regras fiscais, do arcabouço fiscal, por exemplo, o Executivo vai lá e desautoriza o ministro da Fazenda a cumprir algo ou medidas parecidas, e isso soa assim: olha, esse país ficou mais arriscado, porque eu não tenho certeza se ele vai pagar os seus credores ou se ele vai arrumar uma inflação alta para corroer o valor da dívida. Quem está querendo investir dinheiro aqui vai pensar algumas vezes. E isso faz com que o preço do dólar suba também. E, de novo, é tudo em base à expectativa”, conclui.

O dólar no dia a dia do brasileiro

Esses são os fatores que, para o Brasil, estão no centro da movimentação do preço do dólar. Por sua vez, essas variações do câmbio têm impactos variados sobre a economia brasileira. “Se o dólar sobe, ele tem impacto na inflação de curto prazo. Ele tende a encarecer produtos e insumos que são importados.  E aí o produtor vai repassar isso de alguma forma para o preço do produto final. Isso acaba impactando produtos importados e produtos exportados também. Tudo que é importado, ou que usa em sua cadeia de produção algo que é importado, vai ter um aumento nos preços. Por exemplo, o pão. O pão usa trigo. O trigo, na maior parte, é importado. O dólar alto vai aumentar o custo do produtor de pão, que, no fim das contas vai, em parte, repassar para o preço do pão o aumento no seu custo; então você vai ter um impacto no custo de vida nesse lado”, elucida.

“Na ponta dos produtos que o país exporta também há impactos. Então, quando sobe o preço do dólar para o exportador começa a valer mais a pena exportar o produto, porque, como o dólar está mais caro, ele recebe mais por cada unidade vendida. Então, isso tende a diminuir a oferta local do produto e aumentar o preço também. É o exemplo do mercado de carnes, por exemplo. Com a demanda externa pagando mais pela carne, a maior parte da produção passa a ser destinada para os países do exterior, sobrando uma oferta pequena para atender ao mercado interno, o que faz com que o preço da carne se torne mais caro. Além do mais, a competição externa tende a diminuir. Porque os produtos externos também chegam ao Brasil com o preço mais caro. Isso favorece os produtores de cadeias de produção nacionais e independentes do cenário internacional. Em contrapartida, quem precisa importar insumos termina saindo no prejuízo”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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