“O X da questão atualmente é a crença”, afirma a professora Marília Fiorillo logo no início de sua coluna. Para ela, no momento de se tomar uma decisão, nada supera a crença, “nem mesmo a visão nua e crua dos fatos diante do próprio nariz”. O homem se regozija ao identificar o que já conhece, prossegue ela, e padece e detesta o que lhe é estranho. “As redes antissociais só levaram ao cúmulo essa tendência, transfigurando a arte do debate na luxúria da ofensa e do xingamento.” Qual seria a motivação que torna as pessoas tão apegadas às suas crenças e tão furiosas quando alguém ousa “contrabandear um ‘mas será mesmo isso’ para dentro de suas certezas impermeáveis?”, pergunta ela. “Há quem diga que o pendor humano pela crença, tão antigo, é uma decorrência mais da biologia do que do sobrenatural, isto é, algo que foi necessário para a sobrevivência da espécie na infância, mas permanece como patologia na vida adulta.” Essa é a tese de Pascal Boyer em seu livro Religion Explained.
Mais adiante ela prossegue: “Para que a criança saia ilesa da multidão de perigos que a cercam, tem que saber desde cedo a aceitar, sem protestar, certas verdades elementares que lhe são transmitidas pelos pais e pelas pessoas em torno. Por exemplo: a verdade de que ela não pode se pendurar do terraço do apartamento, se não cai e se machuca, ou não deve colocar o dedo na tomada, ou precisa concordar que a Terra é redonda […] é por isso que obedecer cegamente e acreditar piamente – o que é a base da religião – na infância é muito vantajoso e sensato”, atesta Marília. “Mas se esse hábito se prolonga pela idade adulta, vira patologia, isto é, a credulidade crônica de algo que já perdeu a sua razão de ser e se transformou num automatismo e numa mania obsessiva. Com tantas eleições à vista, que eleitor decidirá a vitória? Será o bebê engatinhando, que ainda se limita a dar crédito àquilo que lhe diziam antigamente e sempre, ou o adulto equilibrado em duas pernas e capaz de convencer-se a dizer não? Pensar dá trabalho… e como.”
Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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