A luta pelos direitos humanos em Mianmar

“O maior empecilho para a democracia em Mianmar é o isolacionismo do país, cujos mandantes não dão a mínima para a opinião publica mundial”, afirma Marília Fiorillo

 29/07/2022 - Publicado há 2 anos

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Um ato depravado. Foi o que disse o relator da ONU sobre direitos humanos a respeito da execução, pela Junta Militar de Mianmar, de quatro ativistas pró-democracia, no início da semana. Desde o golpe militar de janeiro do ano passado, o país mergulhou em um caos e violência jamais vistos. Os quatro executados, entre eles um artista de hip hop e um ativista do partido de Aung San Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia, foram julgados num tribunal a portas fechadas. Eram pacifistas, as acusações foram forjadas, e sequer as famílias foram avisadas, segundo a Human Rights Watch.

Desde o final da década de 80 não se aplica a pena de morte no país, nem o pedido de clemência de outros países asiáticos foi ouvido. Há mais 113 pessoas condenadas à morte. Assassinar parece ser uma vocação dos militares birmaneses, pois desde o golpe, segundo a A Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos (AAPP), 2 mil civis foram abatidos a tiros e a esmo, com uma especial predileção, diz o relatório, por fuzilar crianças.

Desta vez, porém, a brutalidade, em vez de incutir medo, incitou raiva e resistência. Inclusive a resistência armada de vários setores, das etnias das fronteiras do norte a facções do PDF (People Defense Force). Ao contrário dos protestos pacíficos e coloridos que se seguiram ao golpe (como, por exemplo, pendurar varais de calcinhas para impedir a passagem dos soldados, uma antiga superstição), os novos protestos vieram com o rosto escondido por máscaras e muita revolta. Os grupos de resistência interna possuem armas precárias, enquanto a Tatmadaw, (forças militares) usa, contra os civis, bombardeios aéreos de mísseis, de proveniência chinesa e russa.

O maior empecilho para a democracia em Mianmar é o isolacionismo do país, cujos mandantes não dão a mínima para a opinião publica mundial. A condenação do ministro do exterior japonês e da cúpula asiática foram alvo de zombaria. Explica-se: Mianmar não mantém relações comerciais com ninguém, exceto com a China, que protege e apadrinha os generais.

Há rumores de muitas deserções no exército, e de uma inédita aliança entre etnias que se detestavam, para combater a brutalidade do governo. Lamentavelmente, uma solução negociada não está no horizonte. Hoje, o engajamento dos birmaneses tornou-se uma escolha inevitável, que lembra um poema de D.H. Lawrence, A Batalha da Vida: “É a vida disputa, o longo combate? Sim, é verdade. Luto o tempo todo. Sou forçado a isso. Mesmo assim, não estou interessado na luta, na disputa, no combate. Estou apenas envolvido”. Envolvidos no limite do suportável, os birmaneses acabaram empurrados, pela brutalidade da Junta, ao combate.


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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