USP Especiais #11 – José Afonso: Os cantares do andarilho

Programa traz a poética sensível de um dos símbolos da Revolução dos Cravos

 29/04/2020 - Publicado há 4 anos
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USP Especiais #11 - José Afonso: Os cantares do andarilho
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Em 25 de abril de 1974, a cidade de Lisboa viu o povo português sair às ruas atônito e incrédulo no que estava acontecendo. A violenta ditadura salazarista havia caído pelo movimento das forças armadas. Eram militares que não suportavam mais as condições nas guerras de independência das colônias portuguesas na África. A economia, dependente dessas colônias, vinha mostrando sinais de forte desgaste. O movimento liderado pelos capitães do exército, articulando-se desde 1973, representava os anseios de liberdade da maior parte do povo português. Artistas e intelectuais já pensavam na resistência desde os anos 50, e um desses artistas foi José Afonso.

Na madrugada do golpe que derrubou a ditadura salazarista em 1974, uma música de José Afonso foi tocada no rádio como sinal para que os revoltosos saíssem às ruas e mudassem a história de Portugal.

A repressão, forte e violenta, utilizava-se rotineiramente de tortura para produzir acusações de assassinatos. Os militantes resistentes ao regime precisavam se esconder e fugir constantemente. Mas, mesmo integrando esse cenário de terror como militante, a música de José Afonso floresceu no espírito da luta e da esperança por meio de uma poesia sensível.

Em sua obra também estão presentes a natureza e a cultura africanas, fluindo pelas memórias da criança e do adulto que passou parte da vida em Moçambique. O afeto de uma África mítica e dos aspectos políticos nunca se dissociaram em José Afonso, o que se mostra explicitamente na sua música, na sua voz intensa, expressiva e no seu timbre particular. Revelam uma realidade que faz desviar os olhos, mas que está ali também e pode ser encontrada em todo lugar – num bairro da África que pode bem ser um de Portugal: eis seu engajamento.

No fado encontrou a nostalgia e a melancolia de uma infância distante do colo dos pais, uma espécie de solidão equidistante das coisas, que o fez capaz de observar e criar sua música.

José Afonso procurou sempre atender à convocação do mundo: na sua atuação docente, com os lugares e as pessoas que trouxeram para mais próximo a necessidade de luta, expressando as realidades sofridas, contando-as sem disfarce, na consciência de uma guerra justa que nunca mais foi largada pelo compositor.

Sensível aos jovens, José Afonso enxergou o caráter do sistema que os oprime e interpretou esse cenário como destinatário de uma única atitude: a recusa frontal, inteligente e insubordinada, “subversiva do modelo de sociedade que está a ser oferecida”.

Uma vida dedicada a um ideal democrático é o que podemos ouvir neste USP Especiais. Na distância continental – tanto mar nos divide – de uma irmandade política de um tempo paralelamente obscuro ao nosso, ouvimos um poeta de sensibilidade coletiva, sentindo o que todos sentimos para que todos possam ouvir.

 

Créditos do programa

Pesquisa, roteiro e apresentação: Fabio Cintra

Edição, montagem e voz adicional: Gustavo Xavier


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