


O advento das mídias sociais ampliou significativamente a esfera pública. O público leitor da mídia impressa no Brasil se conta na casa das centenas de milhares, enquanto o número daqueles que se interessam por política nas mídias sociais ultrapassa os 10 milhões, duas ordens de grandeza maior. Além de inflar o tamanho da esfera pública, as mídias sociais também permitiram a articulação de públicos marginalizados, possibilitando que grupos historicamente excluídos da esfera pública tradicional encontrassem espaço para se expressar e debater suas questões. Estamos falando de negros, mulheres e pessoas LGBT, mas também de conservadores e ultraliberais, por exemplo. Essa inclusão é um avanço democrático, pois garante maior diversidade de vozes e enriquece o debate público.
Ao mesmo tempo em que expandiram a esfera pública, as mídias sociais introduziram novos desafios. A alta velocidade das interações e o feedback quase instantâneo estimulam respostas emocionais intensas, alimentando fenômenos como os cancelamentos, os linchamentos virtuais e a propagação de desinformação. Esse padrão de comportamento reativo e impulsivo configura um problema muito mais grave do que as famigeradas “bolhas” nos debates digitais.
É para preservar a esfera pública que há alguns anos se discute a necessidade de regulação das plataformas digitais. Em 2018, Zuckerberg foi convocado a depor no Congresso americano sobre o escândalo da Cambridge Analytica, marcando um ponto de inflexão nessa discussão. Diversas medidas foram tomadas pela Meta desde então. Pesquisas do Monitor do Debate Político, que eu coordeno, mostram, por exemplo, que a
proporção de visualizações em conteúdos políticos no Facebook passou a ser significativamente menor do que a de compartilhamentos. Isso sugere que a plataforma ajustou seus algoritmos para que postagens políticas apareçam com menos frequência nos feeds dos usuários. Como resultado, observa-se que as pessoas visualizam menos postagens políticas em comparação com conteúdos pessoais, ainda que mantenham um
alto nível de interesse, evidenciado pelo grande número de compartilhamentos.
Manter a integridade do debate público nas mídias sociais é uma tarefa complexa. Soluções como a checagem de fatos, embora essenciais, enfrentam limitações diante da enorme quantidade de conteúdos em circulação. Uma estratégia que demonstrou eficácia em contextos críticos, como durante as eleições americanas de 2020, foi a desaceleração de conteúdos virais. Conforme revelado por Frances Haugen, ex-funcionária da Meta, essa abordagem reduziu significativamente a disseminação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais. Diminuir a velocidade do debate oferece às pessoas mais tempo para refletir e responder de forma mais ponderada, promovendo um ambiente discursivo mais saudável e menos suscetível a reações impulsivas.
O recente anúncio de Zuckerberg sinaliza uma reviravolta na relação das gigantes da tecnologia com a regulação, indicando até mesmo um possível embate com legislações já consolidadas, como as da União Europeia. Essa mudança de postura reflete um realinhamento mais amplo entre líderes do Vale do Silício, como o próprio Zuckerberg, Elon Musk e atores menores, como Marc Andreessen. Marc, que lidera um grupo de empresários da região, participou recentemente de uma reunião com Trump. Em uma entrevista amplamente repercutida, ele descreveu seu processo de mudança de alinhamento político, revelando uma tendência mais ampla de descontentamento com o Partido Democrata e maior aproximação com o discurso desregulador de Trump.
Muitos desses empresários começaram suas carreiras com a ideia de que estavam ajudando a construir uma sociedade melhor. Contudo, a partir de 2018, passaram a ser responsabilizados, especialmente por democratas, pela vitória de Trump em 2016, o que gerou frustração. Esse sentimento, somado ao fato de que hoje lideram grandes corporações interessadas em menos regulação, parece estar no centro desse realinhamento político.
A crença difundida no Vale do Silício é de que a regulação, além de ser ruim para os negócios, limita a capacidade das empresas de “fazer o bem”. Mas, no campo político, o bem é inimigo da virtude. A virtude consiste em moderar e conter os excessos por meio de instituições que preservem o espaço público. Virtude, neste caso, é aceitar a responsabilidade ativa de proteger o debate democrático, reconhecendo que o poder das plataformas precisa de limites claros e supervisão adequada. Isso implica fortalecer as instituições que regulam o ambiente digital, garantindo que essas empresas possam contribuir positivamente sem comprometer a integridade da esfera pública.
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