
Blog
Obra literária de Chico Buarque de Holanda é tema da revista Literatura e Sociedade
Disponível no Portal de Revistas da USP, publicação traz artigos de especialistas sobre romances, contos e peças teatrais do compositor e escritor
Na capa, a nova edição da revista Literatura e Sociedade traz foto da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, feita em 1947 pelo fotógrafo Thomaz Farkas (1924-2011) – Foto: Reprodução/Literatura e Sociedade – Revistas USP
Romancista. Contista. Memorialista. Dramaturgo. Muito além das 537 canções que compôs, aos 80 anos Chico Buarque de Holanda também acumula prêmios por seus livros: em 2019, recebeu o Camões, principal troféu da literatura em português, além de ter vencido por três vezes o Jabuti, a maior honraria do mercado editorial brasileiro. A obra literária de Chico Buarque é tema da nova edição – de número 40 – da revista Literatura e Sociedade, publicada pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A revista está disponível gratuitamente no Portal de Revistas da USP.
Por mais de 30 anos, Chico intercalou os lançamentos musicais e as publicações literárias. A sequência começou com o seu primeiro romance, Estorvo (1991), que saiu entre os álbuns Chico Buarque (1989) e Paratodos (1993). Depois vieram Benjamin (1995), Budapeste (2003), Leite Derramado (2009) e O Irmão Alemão (2014). Mais recentemente, publicou Essa Gente (2019), Anos de Chumbo (2021) e Bambino a Roma (2024), seu sucesso recente. Chico é autor ainda das peças Roda Viva (1968), Calabar (1973) – escrita em parceria com Ruy Guerra -, Gota d’Água (1975), Ópera do Malandro (1978) e O Grande Circo Místico (1983).

Chico Buarque de Holanda – Foto: Ricardo Stuckert/PR via Wikimedia Commons – CC BY 2.0
Essa vasta produção literária é analisada em 28 artigos, escritos por diferentes autores do Brasil e do exterior, publicados em Literatura e Sociedade. Trata-se de uma homenagem “com escolhas definidas pelos participantes sobre romance, conto, autobiografia, dramaturgia, abordados de diferentes perspectivas críticas”, como destaca o Editorial da revista, assinado por Maria Augusta Fonseca – organizadora da edição -, Edu Teruki Otsuka e Anderson Gonçalves da Silva, todos professores do departamento responsável pela publicação.

Com 450 páginas, a revista está dividida em sete seções. A primeira delas é intitulada Pontas de Lança e traz seis artigos sobre os primeiros livros de Chico: Fazenda Modelo, de 1974, Estorvo e Benjamin. Na segunda seção, Quem Narra?, quatro artigos se referem aos narradores de Budapeste e Leite Derramado. Já a seção Um Romance e Vários Escritos reúne quatro artigos sobre Essa Gente. Relatos Breves, outra seção da revista, contém quatro artigos sobre Anos de Chumbo e Outros Contos. Já Périplos Imaginários é uma seção com um único artigo, que aborda a imaginação cartográfica do escritor. Intermezzo Autobriográfico traz artigos sobre O Irmão Alemão e Bambino a Roma. Finalmente, a última seção da revista, A Palavra Encenada, tem seis ensaios sobre a dramaturgia de Chico, incluindo sua escrita musical e peças como Roda Viva.
Logo no primeiro bloco da revista, encontra-se um texto do crítico literário Roberto Schwarz, professor aposentado da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), intitulado Um Romance de Chico Buarque. Nele, Schwarz analisa o itinerário de Estorvo (1991) como metáfora do Brasil recente em formação. No livro, o protagonista não identificado conduz o leitor por uma trajetória obsessiva que começa através de um olho mágico, já revelando a perspectiva deformada da narrativa. Schwarz percorre os cenários, como o velho sítio da família do personagem e a própria cidade do Rio de Janeiro, para concluir: “Como a geografia, a história está neste livro só indiretamente, mas faz a sua força”. Para ele, à medida que Chico escala as situações sem dimensioná-las dentro do livro, desfaz os conflitos de uma sociedade hierarquizada. “Esta disposição absurda de continuar igual em circunstâncias impossíveis é a forte metáfora que Chico Buarque inventou para o Brasil contemporâneo, cujo livro talvez tenha escrito.”
A perspectiva geográfica ganha maior destaque no ensaio Paredes Eram Feitas de Livros: Sobreposições Espectrais na Ficção de Chico Buarque, da professora de Estudos Portugueses Clara Rowland, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal. No texto, Rowland aborda a sobreposição de mapas reais e imaginários ao longo dos romances de Chico, pensando sobretudo nas bibliotecas por ele descritas. “Tal como o seu cancioneiro, pontuado por topografias vertiginosas, a literatura de Chico Buarque é dominada pela figura do mapa”, afirma, citando árvores genealógicas e ruas do Rio de Janeiro que marcam a escrita do homenageado. Em sua análise, a professora chega até o livro O Irmão Alemão, em que a busca do protagonista por seu irmão desconhecido se torna, também, uma viagem cartográfica.
Capa dos livros Fazenda Modelo (1974), Estorvo (1991) e Benjamim (1995), de Chico Buarque
No artigo Uma Mulher Desconcertante e Um Bicho Pensativo. Chico Buarque Leitor de Clarice Lispector, o professor Luca Bacchini, da Universidade Sapienza, de Roma, na Itália, aborda o conto Para Clarice Lispector, com Candura, presente no livro Anos de Chumbo. Bacchini traça a relação pessoal entre Chico e Clarice a partir dos relatos escritos por eles sobre os encontros que tiveram entre 1967 e 1968. Ele analisa o conto primeiro como obra de autobiografia ficcional, depois como empréstimo autobiográfico, isto é, a memória de Chico se soma àquelas que Clarice relatou em textos para o Jornal do Brasil.
No ensaio, Bacchini analisa crônicas, entrevistas e cartas para cruzar as impressões dos escritores um sobre o outro, desvendando as referências mais sutis que o texto faz à literatura de Clarice. “O jogo intertextual que foi concebido é capaz de proporcionar ao leitor desafios mais avançados, um pouco como um videogame do qual todos podem participar, selecionando o nível mais adequado em relação às suas próprias habilidades”, explica o professor. O próprio título, Para Clarice Lispector, com Candura, acena ao que a autora escreveu para Chico: “Você tem a coisa mais preciosa que existe: a candura. Meus filhos têm. E eu, apesar de não parecer, tenho candura dentro de mim”. A intertextualidade com a escrita de Clarice passa pelas preferências lexicais (a escolha de vocabulário no conto), além da homenagem estilística com o uso de iniciais para nomear os personagens, como Clarice faz, por exemplo, no romance A Paixão Segundo G.H., de 1964.
Outros artigos publicados na nova edição de Literatura e Sociedade são A Resistência da Força Literária de Estorvo, Alegorias do Brasil em Leite Derramado, No Tempo do Cão: Uma Leitura de Essa Gente e As Derivas da História: As Ruínas do Presente e a Fantasmagoria do Passado na Obra de Chico Buarque. A revista publica ainda Matéria Brasileira e Radicalismo em Anos de Chumbo e Outros Radicalismos, O Irmão Alemão: a Ficção como Método Crítico e A Grande Meretriz na Ópera do Malandro: entre Civilização e Barbárie, entre outros textos.
A revista Literatura e Sociedade, número 40, publicada pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, está disponível gratuitamente no Portal de Revistas da USP.
*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado dos Santos

A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.