Rincon Sapiência- Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Discriminação e música negra são debatidas em encontro na FEA-USP

Evento promovido pelo Cursinho da FEA contou com o rapper Rincon Sapiência e com a historiadora Laíza Oliveira, doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 15/09/2022 – Publicado há 2 anos

Texto Antonio Carlos Quinto
Arte: Moisés Dorado

Uma plateia jovem e diversa, com seus cabelos coloridos, lisos, cacheados e black power, entre outros estilos, marcou presença no início da noite desta quarta-feira (14) no bate-papo A segregação racial na construção da música brasileira, que teve a participação do rapper Rincon Sapiência e da historiadora Laíza Santana Oliveira.

O encontro, realizado no auditório Safra, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, foi promovido pelo Cursinho da FEA e teve o objetivo de arrecadar fundos para arcar com os custos das taxas de inscrição na FUVEST dos alunos do cursinho que tiveram seus pedidos de isenção negados.

Uma plateia diversa marcou o encontro no auditório Safra – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Até que os principais convidados chegassem ao auditório, por volta de 18 horas, podia se perceber um clima de descontração, sorrisos, conversas animadas. Depois das apresentações formais, a descontração ainda prevaleceu, mas os olhos já estavam mais atentos e observadores. Logo aquele silêncio “formal” foi quebrado por Rincon Sapiência: “Estou feliz de estar aqui com vocês”. Daquele momento em diante, todos ouviram atentamente as respostas do rapper a questões formuladas por três alunos da comissão organizadora do evento, e os comentários de Laíza.

As origens

 Laíza e Rincon responderam a questões sobre discriminação e música, entre outros temas – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Antes mesmo de entrar no tema principal do bate-papo, Rincon respondeu sobre suas origens e inspirações até se tornar um dos principais nomes do rap nacional. “Depois de muitas idas e vindas, ainda continuo no meu bairro de origem, a Cohab 1”, citou o artista. Foi lá que, no final dos anos 1990, Rincon ouvia o samba. Sim, o samba, o pagode…! Katinguelê, Sensação, Arte Popular e outros. “Foram as minhas referências iniciais”, afirmou. Além de ter sido para ele um estímulo, Rincon via nesses grupos a “representatividade preta”. E essa “representatividade” ele considerava importante porque nas mídias, de um modo geral, “os pretos eram tratados de forma caricata”.

E foi a partir dos anos 2000, quando começou de fato a sua carreira, que Rincon trouxe consigo esse sentimento da representatividade preta positiva. E o músico também citou a influência do gosto musical da família. Sendo o mais novo de três irmãos, lembra que seus pais e irmãos curtiam a música negra, nacional e internacional.

Afirmação

Simples em suas respostas, o artista descreveu sobre o momento de afirmação destacando a participação positiva de negros e negras na publicidade, nas artes, principalmente na música, em geral. “Mas no topo disso tudo, ainda não é tão marcante a presença negra”, destacou. “Ainda se reproduz por aqui muita diferença, onde a mulher branca ganha menos que o homem branco; onde o homem preto recebe menos que o branco… e a mulher negra então… fica na última escala”, lamentou, ressaltando que, na música, “não é muito diferente”.

O rapper também falou de diferenças que podem ser observadas em suas músicas. Ele disse preferir compor um rap mais diverso e mais leve. Mas sempre respeitando todos os estilos e artistas. Até mesmo o funk, que já pode ser visto na periferia paulistana. “Considero positivo”, pontuou.

A professora Laíza Santana, que ministra aulas de história no Cursinho da FEA, lembrou o quanto o funk foi discriminado. Ela estudou o gênero em seu mestrado desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Me recordo de parte da imprensa aqui de São Paulo publicar matérias discriminando o funk carioca”, destacou a professora, que, atualmente, cursa o programa de doutorado na mesma FFLCH.

Aliás, com toda a sua história acadêmica na FFLCH, Laíza elogiou a iniciativa do Cursinho da FEA. Esta é a segunda participação dela em eventos do Cursinho. “Essas iniciativas mostram muito bem o novo papel dos estudantes desta faculdade”, ressaltou.

Laíza Santana – Foto: Marcos Santos

 Laíza e Rincon – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Já Rincou elogiou a oportunidade de disseminar ainda mais o rap e a sua arte. O artista não chegou a interpretar nenhum de seus sucessos, mas se mostrou feliz em poder debater temas tão atuais. “A música humaniza as pessoas”, declarou.

Busca pela informação

Victoria Almeida – Foto: Marcos Santos

Victoria Almeida Ferreira é estudante de Nutrição, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. O interesse dela em participar no evento ficou claro quando a organização do encontro abriu para algumas questões do público. A estudante declarou ser contra qualquer tipo de racismo e discriminação. “Mesmo sendo contrária, ainda não me sinto totalmente à vontade para encarar essa luta. Tenho receio de ultrapassar limites.” E questionou: “Até onde eu posso militar?”. E o motivo de sua participação no encontro foi justamente essa busca pela informação.

Fernanda Amorim de Sousa – Foto: Marcos Santos

Fernanda Amorim de Sousa é estudante da FEA e membro da comissão organizadora que promoveu o encontro. Aluna do segundo semestre de Administração, Fernanda é coordenadora de Marketing do Cursinho da FEA e foi uma das responsáveis por toda a divulgação. Ela acredita que o encontro atingiu seu objetivo e a arrecadação será suficiente para a demanda. Ela avaliou a palestra como positiva e disse ser uma admiradora da obra do artista.

Com relação ao racismo, Fernanda lamenta que ainda é notório e presente na nossa sociedade. “Há raízes profundas na história, mas as pessoas pretas estão cada vez mais se expondo, lutando e conquistando espaços”, disse. “Eu gostaria muito que não tivesse campanhas para inclusão de pessoas pretas e só tivesse pessoas, independente da cor da pele. Mas ainda não evoluímos tanto e precisamos dessas visibilidades.”

Expectativas atendidas

Pedro Demori – Foto: Marcos Santos

Segundo o estudante do primeiro ano de Economia da FEA-USP e coordenador do Cursinho da FEA, Pedro Demori, o encontro atendeu às expectativas. “Nossa meta era arrecadar algo em torno de R$ 9 mil. Acredito que, ao final da Semana do Cursinho atingiremos esse objetivo”, disse. Além do bate-papo, Demori destacou que a entidade pode ainda arrecadar com doações, que poderão ser feitas via Pix (informações abaixo). Esta não é a primeira vez que o Cursinho da FEA promove esse tipo de encontro. Ano passado, devido à pandemia de covid-19, o bate-papo foi virtual e contou com a participação do MC Hariel.

O encontro integra a Semana do Cursinho da FEA, que vai até o dia 16 de setembro. O objetivo é dar visibilidade ao trabalho do cursinho e arrecadar fundos para arcar com os custos das taxas de inscrição na Fuvest dos alunos da iniciativa que tiveram seus pedidos de isenção negados. A Semana do Cursinho contará com atividades e eventos na FEA, além de divulgação nas redes sociais e nos ambientes da Universidade, como a Vivência da FEA e o Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC).


Doações: Pix: semanadocursinho@gmail.com 

Milena Souza, Beatriz Hirata e Pedro Demori – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na ativa há 22 anos, o Cursinho da FEA é um curso pré-vestibular, sem mensalidades, gerido e fundado com a iniciativa de alunos da FEA, com o apoio do CAVC e da então diretoria da faculdade. Sua missão é promover a mobilidade social através da democratização do acesso ao ensino superior.


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