Apagão digital do CNPq foi problema técnico, diz agência

Falha em equipamento derrubou acesso às plataformas Lattes e Carlos Chagas, mas presidente da instituição garante que não houve perda de informações

 28/07/2021 - Publicado há 3 anos
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Foto: Divulgação / CNPq

O “apagão” das plataformas digitais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi causado por uma falha técnica pontual e não haverá perda de informações, segundo um vídeo divulgado pela agência nesta quarta-feira (28 de julho) para prestar esclarecimentos à comunidade científica — que depende largamente dessas plataformas para uma série de procedimentos burocráticos essenciais à atividade de pesquisa. A expectativa é que os sistemas voltem a funcionar nos próximos dias.

“Foi uma questão técnica; a falha de uma peça que pode ser substituída”, disse, no vídeo, o presidente do CNPq, Evaldo Vilela (assista abaixo). “Já temos as opções de aquisição (da peça) e, assim que identificarmos a possibilidade de troca desse dispositivo, o equipamento será restaurado e os acessos restabelecidos. Devemos ter esse posicionamento de hoje para amanhã”, completou o diretor de gestão e tecnologia da informação, Thales Marçal.

O problema ocorreu numa peça chamada “controladora de storage”, que é, essencialmente, um microprocessador que controla o acesso aos discos rígidos onde ficam guardados os dados do sistema — equivalente a um gerente de estoque de mercadorias numa fábrica. Por conta disso, as plataformas Lattes e Carlos Chagas do CNPq estão fora do ar desde a última sexta-feira (23 de julho).

Segundo Marçal, a falha ocorreu justamente no momento em que se fazia a migração das plataformas para um novo equipamento, comprado no início do ano. “É um processo lento, e foi no meio desse processo que o equipamento antigo apresentou o seu problema”, disse. “Como é uma base de dados imensa — são quase sete milhões de currículos — isso demora alguns dias, mas já foi iniciado, e ainda faltam cerca de 40 a 48 horas para finalizar.”

A Plataforma Lattes é um banco padronizado de currículos que serve como referência oficial de dados sobre formação acadêmica e produção científica de todos os pesquisadores do País. Já a Plataforma Integrada Carlos Chagas é o ambiente digital que pesquisadores utilizam para submissão de projetos, solicitação de bolsas, prestações de contas, envio de relatórios, pareceres e outros procedimentos de comunicação oficial com o CNPq. A perda de acesso aos sistemas, consequentemente, causou enorme preocupação na comunidade científica. Ambas as plataformas operam com softwares bastante ultrapassados (a Lattes é de 1999 e a Carlos Chagas, de 2006), e há anos fala-se da necessidade urgente de atualização.

Nesse caso, porém, o problema foi uma falha de hardware (não de software), e o CNPq garante que não houve perda nem comprometimento das informações vinculadas às plataformas. “Os dados estão todos garantidos”, declarou Vilela. Ele enfatizou que não haverá atraso no pagamento de bolsas e que todos os prazos do CNPq — por exemplo, para apresentação de propostas ou prestações de contas, que dependem do acesso às plataformas — serão prorrogados para compensar os eventuais atrasos causados pela indisponibilidade dos sistemas.

Vilela também fez questão de dizer que o problema “não está relacionado ao orçamento” do CNPq, que foi drasticamente reduzido nos últimos anos. 

“A partir de 2016, o CNPq vem sofrendo uma ostensiva ação de estrangulamento financeiro e desmonte de sua atuação. Desde então, infelizmente tornam-se lugar comum a redução de quadros de funcionários, a falta de investimento na manutenção e expansão dos sistemas computacionais, além da falta de orçamento para o exercício de sua missão: a execução dos programas de fomento à pesquisa científica”, diz uma carta aberta divulgada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O orçamento do órgão previsto para este ano é o mais baixo das últimas duas décadas: R$ 1,27 bilhão, comparado a R$ 3 bilhões em 2014. “Essa situação se torna ainda mais alarmante com o apagão de seu sistema computacional e de suas Plataformas Carlos Chagas e César Lattes, fato inédito, que está acontecendo desde o dia 24 de julho. Recursos financeiros para a correta manutenção da infraestrutura e sistemas computacionais importantes para a ciência no país são cruciais para o sistema de C&T nacional”, diz a carta.

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Backup

Os computadores que guardam as informações das plataformas ficam dentro de uma “sala-cofre” com acesso restrito, na sede do CNPq em Brasília, e há um espelhamento dos dados em outros locais; incluindo um backup completo, atualizado diariamente, no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

A USP também mantém, por meio de convênio com o CNPq, uma cópia, atualizada diariamente, dos todos os dados de seus docentes que constam na Plataforma Lattes. “Informamos que a Superintendência de Tecnologia de Informação (STI) da USP está em contato e colocou-se à disposição da Diretoria de Informática do CNPq para superar, o mais breve possível, o desafio do restabelecimento dos importantes serviços computacionais prestados pelo CNPq”, diz um comunicado da STI, enviado por email ao corpo docente da Universidade nesta terça-feira, 27 de julho.

“Sem minimizar os graves problemas orçamentários e de falta de recursos humanos que o CNPq enfrenta, parece que, neste caso, o que aconteceu foi realmente uma falha técnica”, disse ao Jornal da USP o professor Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, que presidiu o CNPq de 2011 a 2015.

“Claro que existe um problema grave de orçamento, mas acho que a reação das pessoas neste caso foi um pouco exagerada”, disse o pesquisador do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e também ex-presidente do CNPq, João Luiz Filgueiras de Azevedo. “Não esperava que houvesse perda de informações.”

“Foi um azar, mas isso não isenta o governo dos investimentos que precisam ser feitos”, observou Mario Neto Borges, professor da Universidade Federal de São João del-Rei, que foi presidente do CNPq de 2016 a 2019.

“O certo é que o CNPq tem o seu orçamento mais baixo em duas décadas; e esta redução orçamentária não atingiu apenas as verbas para pagamento de bolsas e pesquisas. A manutenção do órgão também sofreu cortes severos. Há uma drástica redução do número de servidores, e esta é muito crítica na área de TI, onde quase todos os serviços estão terceirizados”, disse o presidente da Associação dos Servidores do CNPq (Ascon) e do Sindicato Nacional dos Gestores em Ciência e Tecnologia (SindGCT), Roberto Muniz Barretto, discordando da avaliação do presidente atual da agência, de que o problema não tem relação com limitações orçamentárias.

“O SindGCT segue acompanhando com preocupação a situação do órgão e os problemas com seus sistemas e plataformas. Esperamos que os problemas sejam prontamente resolvidos e que se tome medidas para que tal situação não volte a ocorrer”, afirma o SindGCT em seu site. “Reafirmamos que o incidente está relacionado a um quadro de descaso e desmonte da ciência e tecnologia no país, como fica evidenciado no caso do CNPq.”


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