Uma noite maldormida é problema sério para a maioria das pessoas. Estudo da Fundação Oswaldo Cruz de 2023 revelou que 72% dos brasileiros sofrem com distúrbios do sono, denominação dada para doenças e condições que afetem a qualidade do sono, seja impedindo a pessoa de adormecer, interrompendo o sono ou tornando o sono insuficiente para a recuperação do organismo.
Essa quantidade enorme de pessoas com algum distúrbio do sono ameaça a saúde pública, segundo o professor Alan Luiz Eckeli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, especialista em Neurologia e Medicina do Sono. “Esse estudo demonstra de maneira categórica que as doenças do sono são um problema de saúde pública, seja pela elevada prevalência, como pelo impacto na saúde, onde afetam a mortalidade e a qualidade de vida.”
Eckeli afirma que existem mais de 70 doenças do sono, e para cada uma delas existem peculiaridades relacionadas à suscetibilidade, a sintomas e ao tratamento dessas doenças. Ele ainda destaca as que possuem maior prevalência: apneia obstrutiva do sono, insônia crônica e síndrome das pernas inquietas.
Principais distúrbios do sono
A apneia obstrutiva do sono é um distúrbio que faz com que a respiração seja muito superficial, e até mesmo interrompida durante o sono. Isso compromete a qualidade do sono, levando à sensação que o descanso não foi o suficiente. Segundo o Estudo Epidemiológico do Sono (Episono), estima-se que a prevalência da apneia obstrutiva do sono na população paulistana seja de 33%, um terço da população adulta da cidade de São Paulo. O professor Eckeli diz que essa condição possui um fator hereditário, também está associada à obesidade e à idade avançada, além de fatores anatômicos relacionados aos ossos da face.
A insônia se manifesta de várias formas, pode ser através da dificuldade de adormecer (insônia inicial), dificuldade de manter o sono, despertando durante a noite (insônia de manutenção) ou a resistência ao sono após despertar antes do tempo de sono necessário (insônia do despertar precoce), afetando diretamente a qualidade e quantidade do sono.
Já a insônia crônica é caracterizada quando esses episódios acontecem, pelo menos, três vezes por semana por, no mínimo, três meses. Segundo Eckeli, “as origens fatoriais para essa doença possuem um caráter genético, além disso, é um distúrbio que depende do ambiente e do comportamento”. Ele completa: “Portanto, indivíduos que têm menos predisposição ao sono têm mais chance de desenvolverem a insônia crônica, e fatores de saúde mental, como ansiedade e depressão, também influenciam no desenvolvimento dessa condição”.
A síndrome das pernas inquietas, ou doença de Willis-Ekbom, é uma condição neurológica que cria uma necessidade incontrolável de mover as pernas para aliviar o desconforto. Esse distúrbio está ligado a sensações de formigamento e queimação nas pernas e se manifesta, principalmente à noite e nos horários de dormir. O professor afirma que tal condição tem um forte predisposição genética, mas também é afetada por fatores ambientais. É uma doença que está associada a pessoas que possuem doenças renais crônicas, diabete ou restrições alimentares relacionadas à falta de consumo de carne vermelha, por exemplo.
Influência econômico-social
Essa alta prevalência dos distúrbios do sono causa impactos significativos em questões socioeconômicas, pois impactam diretamente a performance das pessoas nas atividades cotidianas. Para Eckeli, “os distúrbios promovem um aumento nos índices de absenteísmo, ou seja, as pessoas vão faltar mais no trabalho, e aumenta o presenteísmo, isto é, as pessoas vão ao trabalho, mas são incapazes de realizarem as suas atividades”.
Acidentes de trabalho e de trânsito muitas vezes também estão ligados a um sono inadequado. Segundo o professor Eckeli, a privação do sono gera sintomas como reduzir atenção, reflexo e coordenação motora, aumentando as chances de ocorrer um acidente. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram 40 mil casos de acidentes de trabalho em 2020, entre os mais comuns estão colisões de veículo e quedas de grandes alturas. Além disso, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), 40% dos casos de acidentes na estrada são causados pela sonolência.
Políticas públicas
O sistema público de saúde oferece o exame do sono ou a polissonografia, exame que monitora e identifica distúrbios do sono, porém por ser uma análise que tem uma grande demanda e que necessita de uma infraestrutura robusta, a fila no SUS é alta. O preço da polissonografia na rede privada de saúde varia entre R$ 700 e R$ 800.
Para o professor Eckeli existe uma forte defasagem em políticas públicas relacionadas a doenças do sono: “Praticamente inexistem iniciativas relacionadas à medicina do sono, isso está relacionado à formação dos profissionais que não são capacitados para o tratamento dessas condições, isso atrapalha a identificação dessas doenças na população, o que leva a dificuldades no tratamento”. Ele complementa: “Portanto, existe defasagem educacional em um primeiro momento, que leva a condições ruins de identificação e posteriormente de tratamento”.
Sono saudável
Eckeli ressalta que adultos precisam dormir de sete a oito horas ininterruptamente para manter as principais funções reparadoras como reparo de tecidos, crescimento muscular e síntese de proteínas. As recomendações para manter o sono saudável são várias, dentre elas estão a redução do esforço e da exposição a estímulos ambientais duas horas antes do horário de dormir, reduzir o volume da TV, por exemplo, uma hora antes de dormir realizar uma atividade pouco estimulante que auxiliará na percepção dos sintomas de sonolência, como a leitura, afirma o professor Eckeli.
E ainda complementa: “Também é recomendada a realização de atividade física durante o dia, além de manter uma alimentação saudável, sendo a última refeição do dia pouco calórica, para que a digestão não comprometa o sono. O ambiente onde se dorme também deve ter algumas características, deve ser quieto, escuro e termicamente agradável, além disso o comportamento de pessoas ou animais que estejam em casa não deve afetar o sono”.