Memorial em homenagem às vítimas da ditadura militar é reinaugurado na USP

O Memorial às Vítimas da Ditadura é uma homenagem aos professores, funcionários e estudantes que foram perseguidos, mortos ou que desapareceram durante o período do regime militar no Brasil

 10/12/2024 - Publicado há 1 mês

Texto: Erika Yamamoto

Arte: Joyce Tenório*

Memorial aos Membros da Comunidade USP Vítimas do Regime da Ditadura Militar – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na semana em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Universidade reinaugurou o Memorial em homenagem aos membros da comunidade USP que foram vítimas do regime militar. Por causa da chuva, a solenidade foi realizada no Espaço Integração & Memória do Prédio da Reitoria, na tarde do dia 9 de dezembro.

“No decorrer deste ano, foram muitas as ocasiões em que tivemos a possibilidade de lembrar, organizar, dar consistência e novas dimensões aos temas relacionados aos direitos humanos, reparação e justiça. Esses esforços são importantes porque atualizam os nossos desafios e permitem que a evocação da lembrança se transforme em memória, em políticas públicas. Enquanto nossos mortos são lembrados, eles estarão sempre presentes. Essa é a nossa tarefa”, afirmou a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento (PRIP), Ana Lanna.

Inaugurado em 2013, o memorial é composto de placas de concreto, com textos e nomes das vítimas grafados em letras de aço inox. O monumento passou por uma limpeza e restauração de letras que haviam caído. Também foram incluídos nove novos nomes, que se somam aos 38 nomes já inscritos.

O diretor de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, Renato Cymbalista, explicou que “a inclusão de novos nomes é uma recomendação do Relatório da Comissão da Verdade da USP, assim como a própria criação de um grupo de trabalho permanente dedicado aos direitos humanos. Agora temos inscritos no memorial 47 nomes de pessoas que perderam sua vida e que, certamente, teriam se destacado dentro e fora da Universidade”.

A cerimônia também contou com a participação de familiares e amigos das vítimas, com os arquitetos responsáveis pela obra e representantes dos movimentos estudantis.

O ex-ministro Paulo Vannuchi, que esteve à frente do Ministério da Secretaria Especial de Direitos Humanos de 2005 a 2010, ressaltou que “aquele regime que imaginávamos estar completamente absorto pelo passado, recentemente apresentou-se e foi, felizmente, contido por alguns generais que se recusaram a entrar na loucura e pela criação de uma frente democrática ampla, que reaproximou figuras políticas que, até então, estavam litigando entre si. As Forças Armadas precisariam promover atos de reparação como este, porque queremos que o Brasil tenha Forças Armadas das quais possamos nos orgulhar, com as quais sentimos uma identificação”.

Reparação e memória

Localizado na Praça do Relógio, em frente ao Auditório Camargo Guarnieri, o Memorial em Homenagem aos Membros da Comunidade USP que foram Perseguidos e Mortos por Motivações Políticas Durante o Regime Militar (1964-1985) foi idealizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) como uma homenagem aos professores, funcionários e estudantes que foram mortos ou desapareceram durante o período da ditadura.

O coordenador científico do NEV e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Sérgio Adorno, lembrou que a ideia do memorial surgiu em 2008, quando o núcleo organizou uma conferência internacional sobre o direito à memória. “Durante a organização do evento, foi constatado que não havia, na Universidade, um símbolo publicamente reconhecível que rendesse homenagem às vítimas da ditadura dessa comunidade e que, deste modo, contribuísse para evitar o esquecimento dos trágicos acontecimentos daquele período e se prestasse à educação para os direitos humanos das futuras gerações”, revelou.

Foi assim que o NEV levou a proposta para a construção do memorial à Comissão de Cultura e Extensão da FFLCH, em 2009. O núcleo ficou responsável pela pesquisa nos arquivos da Universidade, que levou à identificação das primeiras 38 vítimas que tiveram seus nomes inscritos no monumento.

O coordenador do NEV também mencionou a polêmica que surgiu em 2011, quando, no início da construção do memorial, uma placa para identificação da obra utilizou, inadvertidamente, o termo “revolução de 1964”, gerando críticas e protestos da sociedade civil e levando o núcleo a emitir uma nota de esclarecimento.

[Da esquerda para a direita] Ana Lanna, Janice Theodoro da Silva, Sérgio Adorno e Paulo Vannuchi - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Adorno finalizou sua participação ressaltando que “estamos atravessando uma conjuntura de ameaças, com ondas globais de conservadorismo e reacionarismo, como se fosse possível retornar ao passado. A radicalização política à direita, cujas raízes não estão no Brasil, tem mostrado sua força e revelado enorme capacidade de atrair corações e mentes. Por isso, mais do que nunca, se faz necessária imaginação política, inclusive com apelo às novas tecnologias de comunicação para apresentar a educação para os direitos humanos, que inclui a memória histórica das ditaduras. É preciso vencer o medo e recriar a convivência democrática, fundamento da cultura e do respeito aos direitos humanos”.

Comissão da Verdade da USP

Instituída em 2013, a Comissão da Verdade da USP teve a missão de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos contra docentes, alunos e funcionários não docentes da Universidade, praticadas durante a ditadura militar que vigorou no País entre 31 de março de 1964 e 15 de março de 1985.

“Mais de 15% de todos os mortos e desaparecidos no Brasil, de alguma maneira, passaram pela USP, é uma quantidade enorme. A USP era considerada um celeiro de pensamento crítico que precisava ser combatido e que, de fato, foi combatido ferozmente até mesmo dentro da própria Universidade”, afirmou a presidente da Comissão da Verdade da USP e docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Janice Theodoro da Silva.

Em cinco anos, a Comissão ouviu testemunhas, recolheu informações e analisou documentos de todos os órgãos da Universidade. O resultado desse trabalho de investigação foi divulgado em 2018, em um detalhado relatório que também foi enviado para a Comissão Nacional da Verdade.

“Eu falo do passado mas também falo do presente porque os mecanismos institucionais usados para retirar de cena todos os que tinham ideias diferentes dentro da USP, todos os que poderiam refletir de outra maneira sobre a sociedade brasileira, ainda podem ser utilizados. O Relatório da Comissão deixa como herança a consciência de que a Universidade tem um papel muito maior do que imaginamos e, por isso, temos que pensar em alternativas legais para impedir que essa forma de perseguição ocorra novamente”, defendeu Janice.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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