“Reforma política terá que envolver toda a USP”, diz novo reitor

O reitor eleito Marco Antonio Zago, que toma posse no próximo dia 25, fala sobre reforma política e mudanças no ensino de Graduação, em entrevista ao Jornal da USP.

 22/01/2014 - Publicado há 10 anos
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Marco Antonio Zago, que toma posse no dia 25, defende que é preciso evitar as disputas de lideranças que vêm caracterizando o debate na Universidade

Para Marco Antonio Zago, além de ter produção científica e formação de pessoal qualificado, a USP “precisa ser instrumento de modificação da sociedade”

O governador Geraldo Alckmin nomeou no dia 26 de dezembro o professor Marco Antonio Zago como novo reitor da USP. A chapa formada por Zago e pelo vice-reitor Vahan Agopyan, professor da Escola Politécnica e pró-reitor de Pós-Graduação da USP na gestão 2010-2014, foi a mais votada na eleição do dia 19 de dezembro, obtendo 1.206 votos na Assembleia Universitária, numa eleição que se deu em turno único e com um colégio eleitoral ampliado em relação aos pleitos anteriores. No dia 10, a chapa já havia obtido a preferência da comunidade numa consulta, também realizada pela primeira vez, em que alunos, professores e funcionários puderam votar. A posse ocorre no próximo sábado, dia 25, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes.

Formado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Zago obteve mestrado e doutorado na mesma faculdade e fez pós-doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. É professor titular da USP desde 1990 e, entre outros cargos que ocupou, foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre 2007 e 2010, ano em que assumiu a Pró-Reitoria de Pesquisa da USP.

Na entrevista publicada pelo Jornal da USP, edição especial sobre os 80 anos da Universidade, concedida em meio a uma atribulada agenda que o ocupava no início de janeiro, Marco Antonio Zago ressalta – como já anunciava no programa de sua chapa, Todos pela USP – que aprofundar a democratização e a autonomia universitária e reformar o ensino de graduação serão metas prioritárias de sua gestão.

Jornal da USP – O programa da sua chapa menciona democratização e autonomia da Universidade como temas fundamentais para a sua gestão. Como o senhor imagina caminhar nessa direção?
Marco Antonio Zago –
Essa talvez seja a questão política mais importante da Universidade, e mesmo o ritual e a sequência das medidas terão que ser negociados passo a passo. Não acredito que seja interessante chegar com uma agenda pronta. A título de exemplo: muitos falam em Estatuinte na USP, mas cada um tem uma Estatuinte diferente na cabeça. Há desde aqueles que imaginam um processo em que o Conselho Universitário (Co) se extingue, e aí as 110 mil pessoas da comunidade escolhem como a Universidade vai funcionar, até os que acham que teremos uma assembleia composta com números equivalentes de pessoas das diferentes categorias, ou quem defenda que o próprio Co pode reduzir o quórum para deliberações de mudanças estatutárias. Esse exemplo mostra que teremos que construir um processo pelas vias nas quais a maioria das diferentes categorias concorde – mas uma coisa da qual não podemos abrir mão é que, qualquer que seja o caminho para a reforma da governança da Universidade, temos que garantir a mais ampla participação possível. Não podemos nos resumir a uma disputa das lideranças, como vem ocorrendo com grande parte das questões tratadas ultimamente, inclusive no Co. Se falamos de estudantes, falamos da massa de estudantes, o mesmo com os docentes, e assim por diante. Uma reforma que não envolva um grupo considerável não teria legitimidade.

JUSP – É um processo que tende a ser complexo, não é?
Zago –
Isso provavelmente tomará tempo, porque não se resolve facilmente. Ao mesmo tempo, é necessário tocar a Universidade segundo regras mais modernas, começando a fazer mudanças naquilo em que a maioria já concorde. Não podemos ficar quatro anos discutindo a reforma. Aquilo que for essencial terá que tramitar e ser resolvido. Não vamos aguardar uma possível reforma do Estatuto ou do Regimento para colocar em marcha, por exemplo, uma mudança na graduação, um de nossos temas prioritários. A reforma política terá que ser feita de uma maneira que envolva a Universidade toda, seja consensual e dê oportunidade para todas as manifestações de diversidade de opinião – mas precisa ter início, meio e fim.

JUSP – De que maneira o Co, as Congregações e os Conselhos Centrais entram nesse processo?
Zago –
Há temas em que todos percebemos que devem haver mudanças rapidamente. O Co precisa funcionar de uma maneira mais dinâmica, precisa ter maior participação nas decisões da Universidade. Algumas categorias se sentem muito sub-representadas e, ao mesmo tempo, se cada membro resolvesse falar os seus cinco minutos, as reuniões não teriam fim. Como consequência, os assuntos que passam pelo Co são muito limitados. Todo esse funcionamento tem que ser revisto para que o Co possa reassumir seu papel de principal colegiado da instituição. Para as Congregações e Conselhos, teremos que examinar como cada um pode funcionar melhor, mas não precisamos fazer um pacote único.

JUSP – Nas últimas gestões, várias vezes os debates políticos da USP acabaram descambando para conflitos, às vezes até com uso de violência. O senhor fala em seu programa da necessidade de restabelecer a coesão interna da Universidade. A sua intenção é valorizar o diálogo no sentido de prevenir esses conflitos?
Zago –
De modo geral, tendo a ver esses conflitos como um sintoma da falta de diálogo. Quando o conflito ocorre, o diálogo se torna pouco produtivo, porque se centra em solução de crises agudas, em negociações de pequenos ganhos ou perdas. Isso lembra a situação em que você demanda uma coisa muito vultosa, cria um impasse e no final obtém um pequeno ganho. Essa é a típica estratégia que dominou, por exemplo, toda a vida sindical dos anos 1950 até 90. A tentativa de trazer essa estratégia para dentro da Universidade é perversa, pois desconsidera o fato central de que somos uma instituição que deve viver ao redor do diálogo e da discordância de ideias, porque da discussão de ideias discordantes validam-se as ideias melhores. Todo o processo universitário – até a atividade experimental num laboratório – é centrado nessa visão e parte desse princípio. Quando falamos da vida universitária, falamos essencialmente da construção contínua de um movimento que ajuda a sociedade a evoluir, e por isso a participação dos estudantes é fundamental. Mas, repito, estamos falando da grande massa dos estudantes, que vieram à Universidade principalmente para serem treinados nesse sistema de tese, antítese e síntese. Não podemos falar que a disputa que ocorre entre lideranças estudantis, lideranças sindicais e lideranças da Universidade seja a disputa democrática e sadia que precisa ser restabelecida. Quando excluímos a grande massa desse diálogo permanente, já estamos numa situação de doença. Sei que é muito ambicioso, mas de fato o que precisamos reconstituir é o verdadeiro diálogo acadêmico, que ocorre continuamente em todos os níveis e que trata das questões do conhecimento científico, da vida universitária e da vida política do País.

Reforma do ensino de graduação será meta prioritária

Jornal da USP – A USP recebe muitas demandas externas sobre expansão, inclusão, com possível adoção de cotas, atendimento de novos públicos etc., e ao mesmo tempo convive com a exigência interna de manter a qualidade. Como conciliar esses dois eixos?
Marco Antonio Zago –
Não acho que inclusão, desde que bem-feita, leve a perder qualidade. O problema central é que a USP não tem condições de atender sozinha a todas as múltiplas e legítimas demandas da sociedade. A USP, a Unesp e a Unicamp atendem a uma parcela relativamente pequena dos jovens em idade de frequentar a universidade no Estado de São Paulo, e ao mesmo tempo a contribuição do ensino universitário federal em São Paulo é muito pequena e tem que aumentar. A grande maioria dos jovens vai para o ensino privado, porque não há espaço no ensino público. Na USP, temos um primeiro limite no número de alunos, que já é muito grande se compararmos com as chamadas universidades de excelência no mundo. Há com frequência comparações absolutamente injustas quando se diz que a USP não está entre as cem melhores nos rankings internacionais. As primeiras classificadas das listas têm em média 17 mil alunos, dos quais 60% são de pós-graduação. Nós temos 90 mil alunos em todas as áreas do conhecimento, o que também não é comum. Com os recursos de que dispomos e a demanda que temos, já prestamos um serviço de muita qualidade. A ampliação de vagas na USP tem que ser feita muito criteriosamente e quando todos estejam convencidos de que isso terá um impacto social importante.

JUSP – O senhor defende que combater a evasão também é uma medida essencial.
Zago –
Se reduzirmos nossa evasão para os níveis correspondentes aos das boas universidades do mundo, já teremos feito um grande progresso. O que interessa na Universidade não é quantos alunos entram, mas quantos estudantes formados saem. Outra questão central é que a USP, além de ter produção científica e formação de pessoal qualificado, precisa ser instrumento de modificação da sociedade, porque a sociedade investe muito aqui. Precisamos intervir nesses ciclos que se reproduzem continuamente na sociedade.

JUSP – Quais as formas de fazer essa intervenção?
Zago –
Em primeiro lugar, na questão do acesso. As propostas de implantação de cotas foram largamente discutidas, e há uma resistência muito grande a elas – e sabemos que na USP nada deve ser imposto, tudo tem que ser acordado. Foi aumentado o bônus para alunos de escolas públicas no vestibular. Vamos analisar o resultado do exame de 2014, que sairá em breve, e ver se de fato houve progresso na inclusão. Se verificarmos que estamos caminhando de forma muito lenta para atingir os objetivos que a USP propôs para 2018, será necessário usarmos outros instrumentos para aumentarmos a inclusão. Existem vários, não obrigatoriamente cotas. Podemos, por exemplo, ter mais de uma via de acesso, como já faz a Unicamp. O vestibular não precisa ser a única métrica de excelência para entrar na Universidade.

JUSP – Quais seriam os eixos da proposta de reforma da graduação?
Zago –
É uma reforma em todos os sentidos, isto é, transformar a graduação no objeto prioritário de atenção de todos, tomando medidas para que muitas das coisas que engessam as decisões sejam simplificadas. A Universidade tem cursos, departamentos e setores muito diversos. Não há um modelo único: há princípios gerais, mas aplicar exatamente as mesmas regras e os mesmos padrões para cada um desses setores é uma grande loucura que a Universidade continuamente tenta fazer. Será necessário aceitar essa diversidade em todos os aspectos – organização de currículo, progressão na carreira, avaliação de docentes etc. –, e ao mesmo tempo encurtar o caminho das tramitações. Se uma reforma de currículo demora dois anos para ser implantada, alguma coisa não está correta.

JUSP – O senhor defende que os alunos tenham mais liberdade para montar seu próprio currículo?
Zago –
Defendo, e na medida do possível isso será feito. Agora, essa é uma coisa mais fácil de ser implantada localmente, nas unidades, do que como diretriz geral. Temos um modelo de ensino que não respeita aquilo que alguns gostariam – por exemplo, que começasse muito genérico, como um college, e depois fosse para a parte profissionalizante. Não é possível modificar completamente o nosso modelo, mas é possível modificá-lo parcialmente. Também estamos muito atrasados na questão dos modelos pedagógicos. Precisamos incorporar muito mais intensamente os métodos digitais e até oferecer oportunidades de treinamento para os nossos docentes. Não estou falando aqui dos processos de Ensino a Distância, que é uma outra realidade, da qual a USP deve participar cuidadosamente. Essa é uma missão particularmente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).

JUSP – Muitos docentes frequentemente se queixam da excessiva valorização das publicações e criticam o que chamam de cobrança de um “produtivismo acadêmico”. Como equilibrar a valorização do ensino de graduação e outras formas inclusive de ascensão na carreira que não passem exclusivamente por esses critérios de quantificação?
Zago –
De tudo isso que se diz, e se diz há muito tempo, nada é de fato resultante de dispositivos regimentais ou estatutários, ou de uma diretriz da Universidade. Ninguém nunca falou que deveria ser assim. Esses são hábitos que nós mesmos fomos adotando e que partem de uma visão positiva, de valorização da produção científica e intelectual – mas de jeito nenhum podemos pensar nos exageros que resultam nessa contabilidade que nem sempre, aliás, reflete coisas significativas e nem se aplica genericamente a todas as áreas e todos os perfis de professores. A valorização da pesquisa é um pilar da USP, mas o outro pilar importante tem que ser a valorização da dedicação ao ensino de graduação, que temos que recuperar. O outro de certa forma está feito.

JUSP – Está bem encaminhado.
Zago –
Mais ou menos bem encaminhado. Há distorções, como esse exagero na contabilização de números. Não podemos descuidar da valorização da produção científica, mas estamos perdendo a mão no outro pilar, que é a valorização do ensino de graduação. Insisto nesse ponto porque estou convencido de que é isso que precisa ser feito para a USP restabelecer o seu equilíbrio. Teremos que discutir e achar o melhor caminho, ouvindo a maioria das pessoas e encontrando algo que deve ser aceito por todos – os que têm especial dedicação à graduação e os que têm especial dedicação à produção científica. Certamente o elemento central é o reconhecimento de que temos perfis diferentes dentro da Universidade.

JUSP – O senhor tem falado também em mapear os egressos da USP.
Zago –
Isso é fundamental. É um instrumento de gestão, e todas as boas universidades do mundo o fazem. Elas sabem onde estão seus ex-alunos depois de cinco anos de formados. Não há nenhuma maneira de avaliação do ensino de graduação melhor do que essa, porque mostra se de fato as pessoas conseguiram ser bem-sucedidas ou não.

JUSP – Em sua gestão na Pró-Reitoria de Pesquisa houve destinação de recursos próprios da Universidade à pesquisa, com criação de novos núcleos e incentivo à interdisciplinaridade. O senhor pretende manter esse foco?
Zago –
Sim, dentro do possível e depois de considerados os recursos disponíveis – estamos organizando a equipe para examinar a situação financeira de fato da Universidade. Essa é uma ação importante que teve efeitos positivos, mas não pode ser vista como forma de substituir as agências financiadoras. A USP é a universidade que mais capta recursos tanto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) quanto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e não nos cabe substituí-los. O uso de recursos próprios deve ser visto como instrumento para promover determinadas políticas. Quando fizemos o Programa de Apoio à Pesquisa, havia subjacente a ele a noção de que tínhamos que provocar uma reorganização da pesquisa na USP no sentido de torná-la mais interdisciplinar. Isso se mostrou muito benéfico, porque depois, num processo muito mais competitivo e no qual havia muito mais recursos envolvidos – o dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da Fapesp –, um certo número dos Cepids aprovados na USP se originou do nosso programa. Da mesma maneira, estamos dando um recurso a mais para o docente que acaba de ingressar na Universidade, desde que ele submeta um pedido de auxílio à Fapesp. Isso aumentou muito a proporção dos recém-contratados que pediram recursos e, como consequência, dos que receberam. Dessa forma, captamos dez vezes mais do que investimos. Isso não é bom só do ponto de vista financeiro, pois cada um desses recém-contratados fez seu próprio projeto de pesquisa.

JUSP – A propósito de novos professores, a carreira docente sempre é um tema em pauta. Como o senhor pretende encaminhar essa discussão?
Zago –
Acho que neste momento o elemento mais importante que precisamos cuidar é termos uma leitura mais equilibrada, no processo de progressão, da importância da produção científica, na medida do possível focando mais no impacto que essa produção tem. Outro elemento a considerar muito é a importância da dedicação ao ensino de graduação. Precisamos desenvolver parâmetros ou abordagens que nos permitam avaliar a qualidade da dedicação do docente à graduação.

JUSP – A Nova Carreira dos funcionários teve duas das três progressões previstas. O senhor pretende manter a carreira como ela foi inicialmente implantada?
Zago –
Em princípio sim. Por enquanto não temos nenhum elemento que sugira que ela não devesse andar. Nos debates durante a campanha ouvimos algumas queixas relativas ao processo de avaliação, mas me parece que não são coisas difíceis de ser resolvidas desde que se faça uma revisão do processo, o que é natural depois de duas rodadas.

(Jornal da USP, 20/01/14 a 26/01/14)


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