Bolsas de pós-graduação para quê?

Por Vahan Agopyan, professor titular da Escola Politécnica (Poli) e reitor da Universidade de São Paulo (USP)

 18/09/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 19/09/2019 as 16:36
Vahan Agopyan – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens
Nas últimas semanas, um assunto recorrente têm sido as dificuldades enfrentadas pelas agências federais para manter o número de bolsas de estudo e honrar os auxílios já concedidos decorrentes do contingenciamento financeiro.

Nesse quadro, destacam-se as bolsas de pós-graduação, que beneficiam jovens talentosos dos cursos de mestrado e doutorado do País que estão se preparando paras as carreiras de pesquisador e de docente. Essas instituições oferecem outros tipos de bolsas, como as de iniciação científica, para os alunos de graduação, e as de pós-doutoramento, destinadas aos novos doutores que se envolvem em projetos de pesquisa, sem vínculo empregatício.

Os dirigentes das principais agências – como a Capes, ligada ao Ministério da Educação, e o CNPq, ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – estão se desdobrando para reduzir o impacto negativo da restrição orçamentária no ambiente científico nacional, mas os orçamentos dessas instituições precisam ser recompostos com medidas emergenciais neste ano e na proposta orçamentária de 2020.

Os jovens que estão envolvidos ou pretendem seguir na pós-graduação stricto sensu terão suas aspirações frustradas. Muitos deles poderão abandonar o sonho de desenvolver uma pesquisa e ingressar na vida profissional. Outros, mais persistentes, devem continuar como alunos de pós-graduação em tempo parcial, prolongando suas atividades na universidade por longos anos.

Esse quadro é sombrio. A produção científica mundial é fortemente apoiada nas pesquisas desenvolvidas nos programas de pós-graduação. Mesmo nas instituições científicas não universitárias, a pesquisa depende dos pós-graduandos e dos pós-doutorandos.

Portanto, a redução do número de bolsas está diretamente relacionada à diminuição do volume de pesquisas e do ritmo de formação de recursos humanos qualificados e, em última instância, do desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural de nosso país.

As universidades são inábeis na divulgação de suas atividades e, por isso, muitos perguntarão se, de fato, a redução da pesquisa trará prejuízos para o Brasil. Você, por exemplo, que lê este artigo, provavelmente já se beneficiou de algum estudo conduzido na USP, mas este é um tema que não pode ser discutido em um espaço reduzido como este.

O corte dos recursos não surtirá efeitos negativos apenas no aspecto acadêmico das instituições, mas terá impactos diretos na sociedade e na qualidade da vida das pessoas.

O número de bolsas disponíveis não é grande. A USP, que é o maior centro de pós-graduação do País, com 30 mil alunos e 7 mil mestres e doutores formados por ano, recebe 12 mil bolsas em todas as áreas do conhecimento, das quais 75% são oriundas das agências federais.

Mesmo que parte considerável dos alunos não necessite de bolsa, pois tem empregos que estimulam esse tipo de atividade, a Universidade teria capacidade para receber mais 5 ou 6 mil bolsas, já que os programas de pós-graduação da USP são muito concorridos e os ingressantes passam por seleção rigorosa, com grande potencial de sucesso. Se tivéssemos mais bolsas de pós-graduação, o volume de pesquisa da USP seria ainda maior.

As universidades estaduais paulistas, que respondem por quase 40% da produção científica brasileira, são afetadas pela crise das agências de fomento federais e um eventual colapso nesse sistema terá reflexos nas instituições e em toda a pesquisa nacional.

Talvez seja uma falha da academia ter suposto que era óbvia para a sociedade a compreensão que o investimento em ensino e pesquisa é a garantia de um futuro melhor para a nação. Devemos assumir a mesma abordagem dos países que são considerados por muitos como modelos, caso da Coreia do Sul e Israel, que nunca deixaram de investir no ensino e pesquisa, mesmo nos momentos mais desfavoráveis de sua existência, em meio à guerra e à fome.

(Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, editoria Tendências & Debates, página 3, em 18/9/19)

 


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