A renovação contínua das universidades de pesquisa

“A pandemia da covid-19 está demonstrando a importância fundamental do ensino e da pesquisa a que se dedicam as grandes universidades”, afirma reitor em artigo publicado na “Folha de S. Paulo” on-line

 30/07/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 04/08/2020 às 19:15

A partir do começo deste século XXI, as universidades de pesquisa, ao redor do mundo, perceberam que estavam muito fechadas em si mesmas e, em função disso, se afastando das sociedades.

A importância de suas atividades perdia visibilidade fora de seus campi e de círculos muito restritos. O tema tornou-se recorrente nas reuniões internacionais dos gestores universitários. Da sua discussão, nasceu o conceito de Terceira Dimensão das Universidades, uma sofisticação das tradicionais atividades de extensão, que as universidades exercem além do ensino e da pesquisa. O conceito recomenda o fortalecimento da interação entre as universidades e a sociedade de forma a promover maior aproximação e intercâmbio entre as partes.

Em recente artigo de H. Schwartsman (O Futuro das Universidades, 28/07/2020) fica clara a incompreensão da função de uma universidade, especialmente as de pesquisa. O autor pergunta “por que um canudo de Harvard vale mais do que o de um community college?”. Certamente, um profissional graduado em Harvard não é melhor nem pior do que o de um community college  [instituição de ensino superior cujo objetivo central é o ensino, e conforme o Estado, nem sempre reconhecida como universidade]. Ele é diferente.

Em uma universidade de pesquisa, o ensino é oferecido em um ambiente em que o conhecimento é desenvolvido por professores que são cientistas. O aluno, durante o curso, nem sempre percebe a influência dessa abordagem, mas quando atua profissionalmente constata que foi preparado para enfrentar desafios, para não temer o desconhecido e as inovações. É um profissional diferente, necessário para o desenvolvimento social, cultural e econômico da sociedade.

A pandemia da covid-19 está demonstrando, no mundo todo, algo que passava despercebido para as sociedades nos últimos anos, talvez nas últimas décadas: a importância fundamental do ensino e da pesquisa a que se dedicam as grandes universidades.

Pesquisadores de universidades e institutos de todo o País ocupam, como nunca antes, enorme espaço nos meios de comunicação relatando e debatendo a busca incessante de fórmulas terapêuticas de combate à pandemia que paralisa o mundo há meses.

Grupos de pesquisa se multiplicaram pelas universidades em busca de caminhos para enfrentar um vírus que pegou o mundo de surpresa. Só na USP formaram-se 250 grupos de pesquisa para os mais variados fins, em todas as áreas do conhecimento. A descoberta de inúmeras vacinas, resultantes do esforço de instituições internacionais, inclusive do Brasil, desenha-se no horizonte, possibilidade que é acompanhada sofregamente pela mídia.

O engajamento das universidades e instituições públicas de pesquisa brasileiras neste momento de crise, sua capacidade de responder à terrível demanda de exorcizar a covid-19, é fruto de trabalho e investimentos que vêm de décadas, um esforço contínuo nem sempre reconhecido e apoiado por governos e sociedade. Pior, mais recentemente criou-se, até mesmo em nível global, um incompreensível ambiente hostil às atividades acadêmicas, lastreado em crenças e motivações obscurantistas direcionadas contra a racionalidade científica.

O mundo da universidade é vasto, variado e complexo, tem regras próprias e específicas de funcionamento. Formar os futuros quadros de uma Nação é um apostolado que impõe dedicação permanente, conhecimento histórico e visão de futuro.

As pesquisas, em todos os campos do saber, exigem paciência, profundidade e abertura para o inesperado e imprevisto antes da obtenção de um bom e seguro resultado. Essas são as principais funções das universidades de pesquisa.

As aceleradas dinâmicas das sociedades atuais dificultam que elas sejam percebidas na sua integridade. Mas cabe às universidades superar as próprias deficiências de comunicação, fazerem-se compreender e mostrar o quanto são úteis para o desenvolvimento da sociedade. É disso que trata o conceito de Terceira Dimensão.

Vahan Agopyan é professor titular da Escola Politécnica e reitor da USP

(Este artigo foi publicado originalmente na versão on-line do jornal Folha de S. Paulo, editoria Tendências e Debates, em 30/7/20)


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