usp_o.php Revista USP 118 – Possíveis raízes indígenas de uma dança popular – Jornal da USP

Foto: Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros USP – Fundo Antonio Candido de Mello e Souza

Possíveis raízes indígenas de uma dança popular

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Antonio Candido

O cururu é dança praticada pelos caboclos de São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Em nosso estado, não se encontra por toda parte, mas em certas zonas velhas – notadamente a periferia da Capital e a Baixa Sorocabana. Fora daí, ocorrerá por difusão recente, e tudo leva a crer que se tenha formado na primeira das áreas mencionadas.
As suas formas são várias, mas essencialmente consta de uma dança rodeada em que tomam parte via de regra apenas os homens; de uma saudação aos presentes; uma louvação aos santos e finalmente desafios em que os contendores – sempre dançando – propõem uns aos outros problemas, de fundo religioso ou profano, visando a derrotar o adversário e exaltar a própria pessoa. Num trabalho já bastante adiantado, procuro estudar a sua função social na sociedade caipira de hoje, sob o impacto da urbanização(1). Neste, desejo debater alguns pontos relativos à sua origem. Devo, portanto, deixar claro que se trata de uma tentativa de reconstituição de caráter bastante conjectural. Todas as vezes que não temos dados seguros para conhecer as raízes de um traço de cultura, cabe a aventura intelectual da suposição, contanto que fundamentada em documentos idôneos e desenvolvida segundo os princípios lógicos da disciplina a que se liga o estudo. Assim, estaremos perto da verossimilhança, que é uma forma modesta e por vezes frutuosa de verdade. O que importa é não confundir os planos nem querer dar a tentativas desta espécie o caráter da certeza.
E se não couberem num estudo sobre função social do cururu, caberão sem dúvida como investigação complementar.

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Nas poucas mas substanciosas referências que deixou sobre o cururu, Mário de Andrade, prosseguindo afirmações de Couto de Magalhães, firmou um ponto de vista que pode ser considerado como síntese dos indícios fornecidos pela tradição e verossimilhança:

“Entre as nossas formas coreográficas, uma das mais espalhadas é o cateretê ou a catira, dança de nome tupi. Anchieta para catequizar os selvagens já se aproveitara dela, parece, deformando-lhe os textos no sentido da religião católica. Caso mais indiscutível ainda dessa fusão ameríndio-jesuítica é o do cururu. Em certas festas populares, religioso-coreográficas, tais como a dança de São Gonçalo e a dança de Santa Cruz, pelo menos nos arredores de São Paulo, após cada número do cerimonial, dança-se um cururu. Ora, os processos coreográficos desta dança têm um tal e tão forte sabor ameríndio, pelo que sabemos de danças brasílicas com a cinematografia atual, que não hesito em afirmar ser o cururu uma primitiva dança ameríndia, introduzida pelos jesuítas nas suas festas religiosas, fora (e talvez dentro) do tempo. E esse costume e dança permaneceram até agora”(2).

Esta opinião permanece entre os folcloristas, e não há motivo para ser contestada. Resta todavia esclarecer os problemas relativos a como se teria dado a fusão referida por Mário de Andrade, e sem isto não se poderá cientificamente aceitar a sua opinião. Entre tais problemas estão os seguintes:
1 – Haveria uma dança indígena de que o cururu derivasse diretamente? Quais as suas características?(3)
2 – De que modo os catequistas teriam influído na sua incorporação à cultura neobrasileira?
3 – Por que é o cururu encontrado apenas em áreas de povoamento paulista?
4 – Há elementos para avaliar a sua antiguidade, emergência, características iniciais, manifestações e modificações?
Quando não há resposta, pelo menos a discussão destes tópicos pode ajudar-nos a esclarecer o problema das origens, que não são desprezíveis para o entendimento conveniente da sua função atual.

1.

Como se sabe, cururu é “nome genérico do sapo na língua tupi”(4), e está presente em mitos sobre a origem do fogo entre diferentes tribos deste grupo, bem como noutras que lhe sofreram a influência.
No primeiro caso encontramos o chiriguano, apapokuva, guarani do litoral paulista, tapirapé, chiripá, guarai, guajajara e mbyá-guarani(5); no segundo, os chanés e tapietés(6). Não sei se há possibilidade de explicar pelo contato cultural o mito análogo dos tumupasas, da Bolívia Oriental, e o dos karajás, únicos exemplos que pude encontrar de sapo doador ou preservador do fogo fora das culturas tupis ou tupinizadas – é verdade que numa investigação sumária(7).
A propósito deste assunto, escreve Herbert Baldus:

“O roubo do fogo por animais é um motivo muito espalhado na América do Sul. Ora é a raposa a ladra da faísca, ora o sapo. O sapo sempre o é nas tribos da grande família linguística dos tupis. Que ele haja sido escolhido para tal papel é muito compreensível, porque, como se sabe, este animal tem a capacidade singular de engolir coisas ardentes, como cigarros e brasas, talvez porque os tome por pirilampos”(8).

Na representação dramática de tais mitos, podem ocorrer verdadeiras “danças do sapo”, em que os dançadores refazem o processo mítico e encarnam o batráquio dispensador do fogo:

“Por fim, seja citada ainda a narração de uma representação do roubo do fogo numa dança de kururu na tribo tupi dos Guajajara, no Rio Grayahú, no Maranhão (Heinrich Snethlage: ‘Meine Reise durch Nordostbrasilien’, Journal für Ornithologie 75, Berlin, 1927, pp. 468-469): ‘Recomeçou o canto; quando se tornou mais alto, o chefe da tribo levantou-se, dançou alguns passos e sentou-se novamente. Então trouxeram-lhe um gigantesco cachimbo no qual ele chupou algumas vezes. Mais fogosamente repetiu a dança enquanto eu aproveitava a ocasião para experimentar o pito. Não me dei muito bem com a cachimbada, porque os nervos da cavidade bucal me ficavam imediatamente afetados. A cada intervalo do baile punha-se o chefe a cachimbar. Que isto lhe era necessário evidenciou-se depois. Ateou-se um fogo ao redor do qual os rapazes morenos pulavam em estado de embriaguez completa. De repente o chefe acocorou-se e pôs-se a saltitar pelo fogo, a soltar o hu, hu, hu do sapo. Depois tomou uma brasa e pondo-se a assoprá-la, engoliu-a devagar. Isso foi o ponto culminante do baile, mas não o único. A dança durou, quase sem interrupção, toda a noite. E sempre se repetia a cena do engolir da brasa’”(9).

Entre tribos tupis do Amazonas, Barbosa Rodrigues registra a “dança do cururu”, acompanhada de um canto cujas primeiras palavras são: “Yá munhan moracé, cururú, cururú”, ou seja, “vamos dançar, sapo”(10).
Resta saber se em tribos não tupis encontramos práticas semelhantes. No seu Folk-Lore, diz João Ribeiro: “[…] entre os borórós de Mato Grosso [pratica-se] a cerimônia ritual e funerária que chamam bacururú e que é celebrada entre clamores e algazarra grande. As palavras bacururú e cururú têm radicais comuns. Não é inverossímil que dos borórós tenha vindo o nome da dança do cururú”(11). Para o ilustre escritor esta só existia em Mato Grosso, daí a fantástica derivação que imaginou. Cururu é, como vimos, palavra tupi, e nada tem a ver com a referida cerimônia, cujo nome verdadeiro é róia Kurireu, ou “canto grande”, iniciada com uma imprecação em que surge o nome de um dos heróis civilizadores dos borôros, os gêmeos míticos Bakororo e Itubore: “a-a o-o Bakororo Kai re”(12).
A transcrição defeituosa de João Ribeiro serviu de asa à sua imprudente conclusão.
Max Schmidt, no começo deste século, encontrou entre os guatós, no sul de Mato Grosso, larga prática do cururu; recentemente, Edmund Döppenschmidt encontrou-a, em região próxima desta, entre os kinikinaus do Rio Taquari(13). Em ambos os casos, não pode haver a menor dúvida de que se trata de um traço tomado à cultura cabocla, e integrado em cada tribo de acordo com a sua respectiva organização.
Resulta, pois, que não encontramos “danças do sapo” em tribos não tupis. E se, como pretendeu João Ribeiro, houvermos de supor um fenômeno de difusão cultural, deveremos focalizar de preferência as áreas em que foi maciço o contato entre colonizadores e povos do grupo tupi-guarani – fato ocorrido inicialmente, e muito mais, nas regiões litorâneas do que no atual Mato Grosso.
Fora das culturas tribais, não sei de referência expressa ao cururu no Brasil setentrional, além de informação oral de Herbert Baldus, que presenciou certa vez, no norte de Goiás, uma dança com este nome, por sertanejos vindos do Norte ou do Nordeste. Dançavam-na em roda, busto inclinado para a frente, pernas fletidas para os lados, numa coreografia imitativa dos pulos de sapo. Neste caso (não sei até que ponto representativo de prática generalizada e tradicional), estaríamos ante uma herança indígena de relativa pureza, ligada possivelmente a práticas rituais de origem tupi, no gênero da que descreveu Snethlage, e reinterpretada em termos recreativos pelos caboclos que Baldus observou(14).
A reinterpretação, aliás, deve ser encarada como conceito básico no caso de ter havido difusão. Com efeito, dentro da melhor verossimilhança, esta se deu por intermédio da catequese jesuítica, tendo se desenvolvido em São Paulo, onde os inacianos mantiveram contato prolongado com mais de uma tribo tupi (mormente tupiniquim, tupinambá e carijó), podendo imaginar-se um conjunto de condições favoráveis à reinterpretação de danças indígenas no sistema sociocultural das aldeias de catecúmenos.
Resta, porém, o problema dos guaianás, que habitavam partes consideráveis do litoral e da região de Serra-acima, inclusive o local da aldeia de Piratininga. Se eram tupis, ou kaingangs, não saberíamos decidir: o que não padece dúvida, porém, é que, a ser verdadeira a segunda hipótese, eram índios tupinizados, na língua, nos costumes e nas alianças(15).
Aliás, não seriam os guaianás de Piratininga os únicos kaingangs permeados de cultura tupi-guarani, visto como Azara encontrou outros, nas mesmas condições, pela zona hoje fronteiriça do Paraná com a República Argentina. E a sua assimilação foi tão acentuada, que negavam qualquer vínculo com a nação de origem(16). A sua presença em São Paulo não seria, portanto, empecilho ou suspensão do contato extenso do conquistador e do catequizador com as populações e a cultura tupi.

2.

Não padece dúvida a circunstância de os jesuítas haverem aproveitado cantos e danças dos índios para propiciá-los à compreensão e aceitação mais pronta da doutrina cristã. As festas religiosas são, aliás, intercomunicáveis, e um dos trabalhos prediletos de mitólogos e folcloristas é justamente pesquisar as sobrevivências pagãs nos festejos cristãos. Nem por isso foram os padres compreendidos desde logo pelas autoridades eclesiásticas, que vislumbraram mancha de paganismo e desvio da boa norma doutrinária nessas tentativas inteligentes de facilitar a aculturação religiosa. Nessas e em outras mais ousadas – como a confissão por intermédio de intérpretes, proibida a Nóbrega pelo bispo da Bahia em 1552, mas que continuou sendo praticada, como vemos em Anchieta e Cardim, que a ela se refere com louvor 30 e poucos anos depois(17). A mesma proibição estendeu-se ao referido aproveitamento de danças e cantigas:

“Os meninos desta casa costumavam cantar, pelo mesmo tom dos índios, e com seus instrumentos, cantigas na língua, em louvor de Nosso Senhor, com que se muito atraíam os corações dos índios; e assim alguns meninos da terra traziam o cabelo cortado à maneira dos índios, que têm muito pouca diferença do nosso costume, e faziam tudo para a todos ganharem. Estranhou-o muito o Bispo, e na primeira pregação falou nos costumes dos gentios muito largo, por donde todo o auditório o tomar por isso e foi assim, porque a mim o repreendeu mui asperamente, nem aproveitou escusar-me que não eram ritos nem costumes dedicados a ídolos, nem que prejudicassem a fé católica”(18).

A atitude do bispo não revela apenas incompreensão e pirraça, mas significa também compreensível mecanismo de defesa, ou preservação de padrões postos à prova ao contato de cultura exótica, num processo aculturativo que os jesuítas procuravam dirigir com certa tolerância. E, na verdade, o desenvolvimento da religião católica no Brasil deu lugar a fenômenos de acentuado sincretismo, em que a pureza das expectativas eclesiásticas foi muitas vezes eclipsada por novas práticas e sentimentos, aberrantes, mas úteis à sua preservação nas novas populações aqui formadas. Foi o que sentiram os jesuítas, e o que explica a atitude de Manuel da Nóbrega expressa nesta carta.
Não se pode, todavia, dizer que tenham desejado conscientemente o que em seguida se verificou. Parece, pelo contrário, que compreendiam a adoção de práticas aborígines como técnica provisória, para servir de passagem à perfeita identificação do índio catequizado com a cultura ocidental, pelo menos no que se refere à vida religiosa(19). Em face de índios integrados nas práticas religiosas, musicais e poéticas do colonizador, Fernão Cardim deixa claramente manifestar-se a satisfação de quem vê as coisas no pé em que se quis colocá-las: “Missa de canto d’órgão, oficiada pelos índios e outros cantores da Sé”, ou “diálogo pastoril, em língua brasílica, portuguesa e castelhana”, ou “missa solene com diácono e subdiácono, oficiada em canto d’órgão pelos índios, com suas flautas, cravo e descante”, ou “uma dança de escudos à portuguesa, fazendo muitos trocados e dançando ao som da viola, pandeiro e tamboril e flauta, e juntamente representavam um breve diálogo, cantando algumas cantigas pastoris”. São estes os casos que se enquadravam no comentário do padre: “Tudo causava devoção debaixo de tais bosques, em terras estranhas, e muito mais por não se esperarem tais festas de gente tão bárbara”(20).
Ao lado desta superimposição dos padrões portugueses, conservavam-se em estado de pureza usos e práticas locais, como em certa festa ao padre visitador, em que os índios dançavam largamente à sua maneira, fazendo “seus trocados e mudanças com tantos gatimanhos e trejeitos, que é coisa ridícula”(21). Noutros casos, aparece o nítido encontro da tradição local com os novos padrões trazidos pela conquista e pela catequese. “Acabada a missa, houve procissão solene pela aldeia, com danças dos índios a seu modo e à portuguesa […] Era para ver os novos cristãos e cristãs saírem das suas ocas como conumis, acompanhados de seus parentes e amigos, com sua bandeira diante e tamboril.”(22)
São aspectos do processo geral de aculturação. De um lado, os grupos indígenas incluíam na sua vida religiosa elementos tomados ao cristianismo; de outro, a catequese assumia certos compromissos com a cultura local. Do primeiro caso, temos um exemplo expressivo em certas crises aculturativas, como a Santidade desenvolvida na Bahia em fins do século XVI, na qual se vê um movimento messiânico esposar formas cristãs deturpadas e misturadas a práticas autóctones. Foi o caso de um índio catequizado e ex-aluno dos padres da Companhia, que se intitulou Papa, declarou uma índia encarnação da Mãe de Deus e estabeleceu o culto dum ídolo lítico, batizando o gentio e desenvolvendo um ritual – ao qual se incorporaram alguns brancos(23).
Mais regular e normalmente, porém, deu-se o segundo caso, com incorporação de práticas mágico-religiosas do aborígine à sociedade formada pela catequese e a fusão de raças e culturas – quer como sobrevivência, a título de superstição, quer, em certos casos, pela tolerância estratégica do catequista. Alguns destes chegaram a produzir literatura singela para dirigir e coordenar tal processo, como Anchieta e outros: “Nos primeiros tempos, os Padres, como S. Paulo, faziam-se tudo a todos para ganhar todos a Cristo. Reproduziam os gestos e músicas dos índios; e, para industriar e animar os meninos, tocavam e, até alguma vez, dançavam com eles”.
Tais danças tinham caráter semiprofano, semi-hierático. Na bagagem literária de Anchieta, ficaram-nos algumas letras para danças, incluídas em autos sacros ou destinadas a procissões ou festas familiares: Dança de dez meninos na recepção de Provincial Padre Beliarte; Dança que se fez na procissão de São Lourenço de 12 meninos, etc. Também chegaram até nossos dias muitas cantigas, em tupi e português, que a gente cantava nas igrejas e pelas ruas e praças. Exibições coreográficas deste gênero tornaram-se número obrigatório de todas as procissões. Acentuada, porém, a infiltração cristã, começaram a fazer-se “a seu modo e à portuguesa” ou só “à portuguesa”(24).
O fato é que tal se deu apenas na intenção dos padres. Para tanto, era preciso que se houvesse desenvolvido aqui uma sociedade de tipo estritamente português. Se encararmos o período colonial, sobretudo em lugares de vida rude e menor distância cultural entre as camadas da população, como a área paulista, veremos, em lugar disso, uma sociedade marcada pela mistura de raças e culturas, muito mais apegada, do que desejariam talvez os padres, àquelas práticas, correspondentes às suas necessidades de integração. O compromisso que eles encaravam como ponte transitória, no dizer do seu historiador(25), foi na realidade parte definitivamente incorporada à vida social do neobrasileiro de São Paulo – e tal incorporação, valendo como prova do caráter aculturativo da nova sociedade, representa o que poderíamos definir como reação da necessidade organizatória, determinada pelas características estruturais e culturais dessa sociedade, contra a superimposição da camada dominante europeia. Depois foi-se processando a diferenciação entre um estrato superior (em que se conservaram melhor os padrões europeus, ou que se foi reeuropeizando) e a massa caipira – onde se preservaram os traços característicos das fases iniciais da sociedade paulista, meio portuguesa, meio índia.

3.

Devemos agora indagar como se teria originado o cururu a partir das condições indicadas. Couto de Magalhães, como vimos, afirma taxativamente que era dança religiosa tupi, incorporada, como o cateretê, a certas festas religiosas. Infelizmente, ao descrever as danças dos índios, os cronistas poucas vezes lhes dão o nome, mas é possível, e mesmo provável, que, dada a importância do sapo nos mitos tupis sobre a origem do fogo, muitas tribos desta família linguística possuíssem danças de roda em sua intenção, como as observadas por Barbosa Rodrigues e Snethlage. Tanto mais quanto sabemos que as imitações de animais eram frequentes entre eles(26). Mesmo que não derive especificamente de um bailado homônimo, a designação lhe deve ter vindo dele, seja por analogia no canto e na coreografia, seja porque, a certa altura, “cururu” tenha servido para o neobrasileiro de denominação genérica das danças indígenas de roda, dentre as quais avultaria a representação do sapo em sentido mágico-religioso. A hipótese plausível é que os padres e os índios ajustassem às festas católicas não só os passos e o canto, mas os demais elementos constitutivos das danças aborígines, como são relatadas pelos cronistas: louvor de personagens sobrenaturais, relato de feitos, debate poético, oportunidade de afirmação pessoal. Só que o conteúdo foi substituído, aparecendo os santos, as virtudes, e nutrindo-se depois o tema do debate, o relato de feitos e a afirmação pessoal, dos elementos sugeridos pela nova situação, de que ia emergindo aos poucos a cultura caipira. Como foi praticado até há cerca de meio século de modo absoluto, e como ainda o podemos hoje vislumbrar em casos sobreviventes, o cururu corresponde a essa constelação de elementos, transposta da sociedade tribal e reinterpretada em vista da integração de uma nova sociedade, não primitiva, mas rústica.
Registremos agora a ocorrência dos referidos elementos entre os tupis. Deles diz Léry: “Tout pres à pres l’un de 1’autre, sans se tenir par la main ni sans se bouger d’une place, ains estans arrengez en rond, courbez sur le devant, guindans un peu le corps, remuant seulement la iambe & le pied droit, chacun ayant aussi la main dextre sur ses fesses, & le bras & la main gauche pendant, chantoyent & dansoyent de cette façon(27). Segundo Cardim, “os seus bailos não são diferenças de mudança, mas é um contínuo bater de pés estando quedos, ou andando ao redor e meneando o corpo e cabeça, e tudo fazem por tal compasso, com tanta seriedade, ao som de um cascavel”(28). Gabriel Soares confirma: “[…] nos seus bailos não fazem mais mudança, nem mais continências que bater no chão com um só pé ao som do tamboril; e assim andam todos juntos à roda […]”(29).
Dança rodeada, portanto, e compasso marcado com o pé – dois elementos coreográficos incorporados ao cururu. Nas suas formas arcaicas – como pude presenciar nos arredores de Cuiabá – os cantadores-dançadores circulam rapidamente, quase encostados um no outro, marcando o compasso por uma descaída uníssona do pé direito.
Mesmo considerando a hipótese de não serem do grupo tupi os guaianás de Piratininga, não haveria na sua cultura coreografia contraditória a esta. Segundo Metraux, os kaingangs, entre os quais os inclui, dançavam “em dois círculos concêntricos à volta de fogueiras, os homens por dentro e as mulheres por fora. Um cantor, no centro, sacode o chocalho”(30). Tal esquema foi encontrado por Barbosa Rodrigues entre os tembés e, pouco mais ou menos, por Nimuendajú entre os apiacás e os parintintins, todos do grupo tupi(31). E sabemos que a dança cabocla do cururu podia também executar-se desta maneira em alguns casos – parecendo tudo isto confirmar que ela proveio de zona onde se dava contato maciço entre brancos e índios tupis ou tupinizados.
Quanto ao segundo elemento, sabemos que estes são apaixonados de canto e música. Ao fim da dança acima referida, Léry teve uma espécie de deslumbramento, ao ver o coro elevar “une telle melodie qu’attendu qu’ils ne sçavent que c’est de musique, ceux qui ne les ont ouys ne croiroyent iamais qu’ils s’accordassent si bien […] i’eus Jors… une telle ioie, que non seulement oyans les accords si bien mesurez d’une telle multitude, & surtout pour la cadence & le refrein de la balade… i’en demeuray tout ravi: mais aussi toutes les fois qu’il m’en ressouvient, le coeur m’en tressaillant, il me semble que ie les aye encore aux oreilles(32). “Os tupinambás se prezam de grandes músicos”, diz Gabriel Soares, “e, ao seu modo, cantam com sofrível som, os quais têm boas vozes; mas todos cantam por um tom, e os músicos fazem mote de improviso, e suas voltas que acabam no consoante do mote; um só diz a cantiga, e os outros respondem com o fim do mote, os quais cantam e bailam juntamente em uma roda […]”(33). E Fernão Cardim: “[…] bailam cantando juntamente, porque não fazem uma coisa sem outra […] Guardam entre si diferenças de vozes em sua consonância, e de ordinário as mulheres levam os tiples, contraltos e tenores”(34). Modernamente, observaram Wagley e Galvão ser o canto a principal diversão dos tapirapés, que dançam e cantam ao mesmo tempo; e que os teneteháras são grandes amadores de música, da sua e da que aprendem com os caboclos, constituindo os cantos a base da sua vida estética(35).
Quanto aos temas, “cantam em trova quantas façanhas e mortes tenham feito seus antepassados. Arremedam pássaros, cobras, e outros animais, tudo trovado por comparações, para se incitarem a pelejar. Estas trovas fazem de repente, e as mulheres são insignes trovadoras. Também quando fazem este motim tiram um e um a terreiro, e ambos se ensaiam até que algum cansa, e logo lhe vem outro acudir. Algumas vezes procuram de vir a braços e amarrar o contrário, e tudo isto fazem para se embravecer”(36).
A análise deste trecho nos permite discernir os seguintes elementos: 1) celebravam façanhas dos maiores; 2) inspiravam-se nos mitos de animais; 3) cantavam de improviso; 4) estabeleciam debates poéticos a ver quem levava a melhor (chegando algumas vezes à luta corporal simulada); 5) daí resultava prestígio ao bom cantor. O processo de reinterpretação, dirigido pelos padres, atingiu alguns destes elementos, sendo outros atingidos pelo desenvolvimento ulterior. A celebração dos antepassados e seus feitos foi substituída pela dos santos e catequizadores, fixando-se na parte do cururu chamada louvação, que é a matriz das demais. Como se teria dado a passagem, podemos depreender destes trechos de Cardim: “Fomos em procissão até a igreja com uma dança de homens de espadas, e outras dos meninos da escola; todos iam fazendo seus ditos às santas relíquias.” “Acabada a missa, houve procissão solene pela aldeia, com danças dos índios a seu modo e à portuguesa; e alguns mancebos honrados também festejaram o dia dançando na procissão, e representaram um breve diálogo e devoto sobre cada palavra da Ave Maria, e esta obra dizem compôs o padre Álvaro Lobo”(37).
No primeiro caso, temos o exemplo de uma louvação espontânea – os índios transferindo para as santas relíquias levadas pelo visitador aquela celebração improvisada em que honravam os maiores. No segundo, temos o exemplo de uma louvação mais dirigida. Anchieta compreendeu o sentido adaptativo desta dualidade e compôs não apenas autos elaborados, mas, também, coplas e poemas breves, a fim de não restringir demasiado as formas de ajustamento religioso aos tipos mais eruditos e, portanto, distantes da tradição tribal(38).
O improviso, que permite ampliar a participação, pois nele podem intervir os circunstantes, é também assinalado entre os guaianás, que cantavam fatos e acontecimentos de circunstância, elemento importante no desenvolvimento do cururu, baseado em parte nesse aproveitamento poético do cotidiano(39). Nele se encontra frequentemente o fundamento do debate – substância do canto. A reinterpretação de prática indígena semelhante explicaria satisfatoriamente certas características que não podem ser compreendidas à luz do desafio, como é praticada em Portugal e se transmitiu aos nossos caboclos. O desafio do cururu, na sua forma original, é peça integrante da dança e se enquadra numa estrutura poética mais complexa, precedido pela saudação e a louvação, obedecendo além disso a certos limites de decoro devido ao teor religioso. Ora, a existência de uma polêmica nas danças tupis, claramente indicada pelo texto de Cardim, e transportada a um contexto religioso, em ligação a outros traços, no processo de reinterpretação, satisfaz mais cabalmente do que supô-la oriunda do desafio português – que certamente interferiu no processo, mas não seria a raiz da prática. Entre as funções atribuíveis ao debate, prepondera, pelo que se depreende dos textos antigos e de atuais pesquisas etnográficas, o prestígio resultante do bom cantador. “[…] são muito estimados entre eles os cantores, assim homens como mulheres, em tanto que se temam um contrário bom cantor e inventor de trovas, por isso que lhe dão a vida e não no comem nem aos filhos.”(40) “Entre este gentio são os músicos mui estimados, e por onde quer que vão, são bem agasalhados, e muitos atravessaram já o sertão por entre seus contrários, sem lhes fazerem mal.”(41) “Um indivíduo de boa voz e largo repertório de cantos é muito admirado pela comunidade.”(42) “Os xâmanes são obrigados a ter largo repertório de cantos [e…] uma boa voz é requisito para o xamanismo.”(43)
Numa cultura toda permeada pela importância da música, do canto e da eloquência, é normal que a preeminência nestas atividades importasse em aquisição ou reforço da posição social do indivíduo. A afirmação deste prestígio abria possibilidade para uma segunda etapa na aquisição de status – ou seja a oportunidade de impor mais facilmente ao grupo audiência à autovalorização, que não deixava de o ser, mesmo quando expressa em termos coletivos: “Os índios se reuniram, formaram uma grande roda e colocaram dentro os prisioneiros. Estes deviam todos juntos cantar e matraquear, com os ídolos, os maracás. Depois, um após outro, discursavam com audácia, dizendo: ‘Sim, partimos, como fazem os homens corajosos, a fim de a vós, nosso inimigo, aprisionar e comer. Mas então tivestes a supremacia e nos capturastes. Isso não importa. Guerreiros valorosos morrem na terra dos seus inimigos. E a nossa terra ainda é grande. Os nossos nos vingarão em vós’. Ao que respondiam os outros: ‘Vós já exterminastes muitos dos nossos. Tal queremos vingar em vós’”(44). “E sem falta são mui eloquentes e se prezam alguns tanto disto que, da prima noite até pela manhã, andam pelas ruas e praças pregando, excitando os demais à paz ou à guerra, ou trabalho, ou qualquer outra coisa que a ocasião lhes oferece, e, entretanto que um fala, todos mais calam e ouvem com atenção.”(45) De certos textos quinhentistas ressalta claramente a correlação da liderança e da eloquência: “Em cada oca destas há sempre um principal a que têm alguma maneira de obediência. Este exorta a fazerem suas roças e mais serviços, etc., excita-os à guerra; e lhe têm em tudo respeito […] Entre estes seus principais ou pregadores, há alguns velhos antigos de grande nome e autoridade entre eles, que têm fama por todo o sertão, trezentas e quatrocentas léguas e mais. Estimam tanto um bom língua que lhe chamam o senhor da fala. Em sua mão tem a morte e a vida, e os levará por onde quiser sem contradição.”(46) “Fazem muito caso entre si, como os romanos, de bons línguas e lhes chamam senhores da fala, e um bom língua acaba com eles quanto quer e lhes fazem nas guerras que matem ou não matem e que vão a uma parte ou à outra, e é o senhor de vida e morte e ouvem-no toda uma noite e às vezes também o dia, sem dormir nem comer e para experimentar se é bom língua e eloquente, se põem muitos com ele toda uma noite para o vencer e cansar, e se não o fazem, o têm por grande homem e língua. Por isso há pregadores entre eles muito estimados que os exortam a guerrear, matar homens e fazer outras façanhas desta sorte.”(47)
Os textos citados permitem estabelecer a importância da capacidade poética e oratória como técnica de aquisição de status e elemento ponderável no estabelecimento da liderança numa cultura em que, já mencionamos, tais capacidades se ligam a atividades altamente significativas.

4.

As danças das tribos tupis apresentam, pois, um conjunto de elementos que foram integrados na dança caipira do cururu, segundo um processo de reinterpretação orientado por duas forças ora complementares, ora convergentes, ora divergentes: de um lado, a pressão cultural exercida por intermédio dos jesuítas sob a forma de catequese religiosa; de outro, as necessidades de organização manifestadas pela sociedade neobrasileira, oriunda do contato racial e cultural.
A pressão cultural exercida, no sentido de incorporá-la aos padrões do conquistador português, manifesta-se, no caso presente, pela estratégia “de ponte” do missionário, mais hábil do que se mostrou geralmente o administrador. As necessidades da nova sociedade motivaram frequentemente uma dissolução dos elementos puramente europeus, conformando-os ao meio, quando não rejeitando-os. Por outro lado, os elementos tomados às culturas aborígines sofreram tratamento análogo.
Nos lugares onde se estabeleceu, desde o início, um estrato social dominante e ligado intimamente à tradição do Reino (como foi o caso da Bahia e de Pernambuco, devido principalmente a fatores de ordem político-administrativa), a cultura portuguesa pôde desde logo transplantar-se. A consequência foi o desenvolvimento por assim dizer de dois planos culturais, o português e o sincrético (este, acentuado logo depois na faixa litorânea pela contribuição africana), estabelecendo-se uma distância apreciável entre a camada dominante e a camada dominada, tanto no plano estrutural quanto no da cultura – mesmo levada em conta a influência dos povos de cor na vida de família, estudada por Gilberto Freyre.
Em São Paulo, todavia, área mais à margem da administração metropolitana, não se diferenciaram tão nitidamente estratos sociais nem modos de vida. A superposição de camadas profundamente diversas só se terá processado aqui a partir do século XVIII e principalmente do XIX. Característico, neste sentido, é o esforço de Pedro Taques para discriminar na rude balbúrdia dos cruzamentos mamelucos as linhas de uma aristocracia de sangue, que só com a ascensão econômica do café iria adquirir autoconsciência equivalente à que tiveram os proprietários baianos e pernambucanos desde os primeiros séculos da colonização.
Em São Paulo, pois, houve condições favoráveis e duradouras para a mistura de traços e a formação de uma sociedade relativamente homogênea, onde o fazendeiro, o preador de índios, o descobridor de ouro, o morador, o agregado, estavam muito mais perto uns dos outros, do ponto de vista racial, cultural e social, do que os latifundiários nordestinos dos seus dependentes, ou dos comerciantes da cidade. Daí a permanência de traços aborígines incorporados desde logo e fundidos de maneira harmoniosa na cultura do conquistador. Daí a dificuldade encontrada quando queremos discernir as articulações desse processo. Será possível conjecturar até que ponto o cururu representa uma difusão mais ou menos íntegra, ou uma recomposição de elementos díspares? Por outras palavras: uma simples reinterpretação, ou também uma reconstrução?
Inicialmente, observemos que no terreno das festividades religiosas de caráter dramático, coreográfico ou musical as práticas mais ou menos ligadas a elementos de origem indígena são as que encontramos arraigadas no povo: cururu, dança de Santa Cruz, dança de São Gonçalo, folia do Divino. Se nas raízes dessa incorporação houvermos realmente de supor a atividade dos jesuítas, notemos que ela só foi coroada de êxito quando propôs, à sociedade em formação, práticas que se pudessem ligar de modo mais ou menos direto às danças tupis. Assim foi que os autos sacros, tão caros ao esforço missionário de Anchieta, e explorados por outros evangelizadores, não se implantaram e nem mesmo deixaram vestígio na vida festiva e religiosa do caipira paulista. E, ao contrário, perduram até os nossos dias, tendo constituído a sua expressão mais corrente durante alguns séculos, as práticas enumeradas acima, das quais a primeira, o cururu, é certamente a mais antiga, o vínculo entre todas e a mais diretamente arraigada na cultura tribal(48).
Neste passo, a hipótese que proponho é a seguinte: o cururu significa, na sua forma primitiva, uma reinterpretação, e parcialmente reconstrução, de danças cerimoniais tupis. Quando os jesuítas criaram a dança de Santa Cruz, ligou-se a ela como complemento; o mesmo aconteceu ao se ajustar aqui a dança portuguesa de São Gonçalo, cuja estrutura coreográfica sofreu influência marcada do cateretê; finalmente, já com certeza em pleno século XVIII, ele se ligou também à festa portuguesa do Divino Espírito Santo. De maneira menos acentuada, ligou-se aos festejos juninos e do Natal, não coreográficos nem musicais em si. O cururu se entrosa, portanto, no sistema total das festividades religiosas do caipira paulista e, na ausência de documentos, este fato basta como fiança da sua antiguidade e do significado profundo que tinha para ele. A hipótese levantada contém implicitamente a sugestão de que tal significado é devido à sua origem indígena, graças à qual pôde estabelecer ligação entre esta e a sociedade caipira, revelando as conexões de ambas no plano das representações e da afetividade.
A análise feita acima sugeriu que encontramos todos os elementos constitutivos do cururu nas danças indígenas descritas pelos cronistas e modernamente pelos etnólogos, e, o que é mais importante, a recíproca é verdadeira. Nenhuma outra festividade paulista apresenta número tão elevado de traços coerentemente estruturados, cuja origem pode, sem dificuldade histórica, sociológica ou lógica, ser vinculada à cultura das tribos tupis; o próprio cateretê e a dança de caiapó não apresentam este caráter de maneira tão nítida. Supondo-se que não provenha diretamente duma dança ritual do sapo, resta a conjetura alternativa (e mais prudente) de que é devido a uma reorganização dos referidos traços, por convergência. Assim teríamos um motivo plausível para explicar o fato de o cururu só ter aparecido – ou se desenvolvido – na área paulista: nela, e não em outras, ocorreram condições favoráveis à reorganização dos traços, graças a um sistema sociocultural em que se reinterpretaram funcionalmente valores fundamentais da cultura tupi. Caso o ocorrido fosse a passagem de uma dança específica do sapo (o que, aliás, é possível), dificilmente poderíamos entender a sua delimitação geográfica.
O fato de ser o cururu uma dança nestas condições (com integração de elementos ameríndios funcionalmente reinterpretados) leva-nos a pensar na extensão real da intervenção jesuítica. Vimos que o fato de não haverem perdurado os seus aspectos mais puramente europeus – como a imposição do auto religioso – parece indicar, como sugeri, a existência de uma força própria de organização na sociedade paulista tradicional. A intervenção jesuítica precisa, portanto, ser constantemente referida a essa “reação organizatória”, para avaliarmos o seu real significado. E se o cururu representa de fato o que supõe a hipótese aqui levantada, teríamos a conclusão de que as práticas festivas mais características da cultura tradicional paulista foram as que não apenas incorporaram os elementos religiosos, linguísticos, poéticos e melódicos da cultura colonizadora, mas fizeram-no em conjugação com elementos estreitamente vinculados à cultura tribal do primitivo brasileiro – como foi o caso do cururu e do cateretê.
Note-se, aliás, que as práticas festivas de maior aceitação e permanência na cultura caipira são aquelas carregadas de significado religioso mais ou menos vivo. Este significado foi um dos traços que asseguraram o desenvolvimento, nesta parte do mundo, de uma civilização tributária da ocidental –, mas lembremos que ele se associou sempre a reminiscências da cultura tribal, que aparece deste modo como condição do seu funcionamento na sociedade neobrasileira de São Paulo.

5.

Se encararmos, pois, as atividades lúdico-religiosas do caipira paulista numa perspectiva temporal, encontraremos sempre, associado a elas, o cururu. Sendo o denominador comum, é provavelmente a prática mais antiga e a que mais puramente lembrava ao índio catequizado e ao mameluco a vida tradicional da sua cultura de origem.
Intervindo na vida total do índio, a catequese interveio de modo acentuado na sua vida ritual e recreativa, procurando, como é notório, canalizá-la segundo os interesses da ética e da religião impostas. Daí a substituição de danças e comemorações periódicas por outras tantas de tom cristão. Leia-se, a este propósito, em Cardim:

“[…] três festas celebram estes índios com grande alegria, aplauso e gosto particular. A primeira é a das fogueiras de São João, porque suas aldeias ardem em fogos, e para saltarem as fogueiras não os estorva a roupa, ainda que algumas vezes chamusquem o couro. A segunda é a festa de ramos, porque é coisa para ver, as palmas, flores e boninas que buscam, a festa com que os têm nas mãos ao ofício, e procuram que lhes caia água benta nos ramos. A terceira que mais que todas festejam, é o dia de cinza, porque de ordinário nenhum falta, e do cabo do mundo vêm à cinza, e folgam que lhes ponham grande cruz na testa, e se acontece o padre não ir às aldeias, por não ficarem sem cinza eles a dão uns aos outros”(49).

Aí temos o caso de comemorações tradicionais incorporadas à vida do índio. Há, porém, o caso mais interessante de festas e danças originadas no processo da catequese pelo encontro das duas culturas em presença. Veja-se, por exemplo, entre os caboclos do Amazonas, o sairé, tão bem descrito por Barbosa Rodrigues. Atentemos bem às suas palavras, elucidativas do fenômeno que nos interessa:

“Além da dança e do canto festivo têm os tapuios no dia de alguma festa religiosa, como a de S. Tomé, S. João ou Santo Antônio, um canto, antes uma saudação religiosa, introduzida nestas festas pelos missionários e chamada sairé ou turiua.
Esta é uma espécie de procissão de mulheres em que carregam o instrumento que tem o mesmo nome de sairé. Não faz por si a festa, mas, como disse, entra como uma saudação. A procissão dirige-se à Igreja, à casa do Juiz da festa, à do Vigário, etc., e aí as palavras não são as mesmas e sim próprias a quem se dirigem.
A palavra sairé deriva-se de çai e eré. ‘Salve! tu o dizes’ ou saudação, e turiua significa alegria […].
[O] instrumento inventado pelos missionários para perpetuar e firmar mais a religião entre os índios tem uma significação bíblica […] O canto é sempre pela língua geral, e repetido em coro pelo mulherio […] É o sairé a última tradição do tempo das missões dos Padres de Jesus”(50).

Na descrição pormenorizada desta prática, por ele observada no Pará e no Amazonas no decênio de 1870, Barbosa Rodrigues conta que ela envolve danças de três dias, inclusive em frente ao altar, e cantos como o seguinte:

“Purgatório porá etá
Uputare nomoessaua
Semué catú pahy,
Anhangá supeuara.

Upauana tecó puranga
Oike tecó pêssassu,
Ianeara tecó ressé
Umumá tecó puranga”.

O significado é: “Ensina-me, bom padre, rezas com que possamos salvar nossas almas do purgatório. A vida santa acabou-se, e por vontade do bom Deus entrou outra; isto é, a vida do trabalho”(51).
Devemos reter daí os seguintes traços: uma prática introduzida pelo catequizador em festas religiosas, como parte, ou complemento, envolvendo danças e cantos cujas palavras são de cunho didático e piedoso. Notemos ainda que, dada a permanência de traços ponderáveis da cultura primitiva (para não falar na raça), esta prática perdurou em estado de pureza entre os tapuios da Amazônia, conservando-se inclusive a língua geral.
Suponho que o sairé ajuda a entrever a gênese do cururu.Na primitiva zona paulista de colonização Serra-acima – Piratininga e aldeias circundantes, como Santo Amaro, Embu, Itapecerica, Pinheiros, Carapicuíba, Barueri, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi – ele aparece, não isolado, mas como complemento das danças de Santa Cruz e de São Gonçalo. Na zona em que se expandiu o povoamento, pelo vale do Tietê, a tradição mais antiga, e grande parte da realidade presente, mostram-no associado às comemorações de Santo Antônio, São João, São Pedro, Natal e Divino Espírito Santo. Parece, pois, que podemos interpretá-lo, sob esse aspecto, como o complemento, de origem ameríndia, que se ligou às comemorações provindas da cultura do colonizador. Comemorações mais presas aos seus padrões, como as últimas citadas, ou mais permeadas de elementos ameríndios, como as duas primeiras.
Segundo Oneyda Alvarenga, a dança de São Gonçalo, portuguesa, e a de Santa Cruz, ligada mais frouxamente a costume português, foram, reelaborada uma, elaborada a outra, no processo da catequese, entroncando-se no cateretê(52). Em Anchieta e Fernão Cardim, vemos referida a festa tradicional da Santa Cruz, celebrada inteiramente à portuguesa na Bahia – como, aliás, se celebra ainda hoje por todo o Brasil no dia 3 de maio(53). Em Piratininga, todavia, e área adjacente, e só aí, desenvolveu-se conjuntamente a dança respectiva, complementada pelo cururu. Na mesma zona, ele se ligou também à dança de São Gonçalo, penetrada de elementos tupis.
Nessas duas danças, que têm estrutura regular, embora a segunda varie geograficamente, o cururu foi complemento. Nos festejos, citados, mais importantes do ponto de vista comemorativo, mas sem estrutura coreográfica e musical definida, ou apenas larvar no caso da festa do Divino, ele foi episódio culminante no que se refere ao aspecto lúdico.

6.

Enquanto o cateretê foi incorporado à cultura neobrasileira por quase todo o país, o cururu parece ter ocorrido apenas em São Paulo e algumas das suas áreas de expansão. Condições especiais, já mencionadas, fizeram com que nesta área as práticas tradicionais portuguesas só se integrassem na cultura popular mediante a mistura maior ou menor de elementos ameríndios; note-se, ainda, que a influência africana só veio a se exercer depois do fim do século XVIII, quando já se haviam estabelecido aqui as características, que ainda hoje encontramos, de uma subcultura bastante diferenciada, a caipira, levada pela difusão democultural a grande parte dos atuais estados do Paraná, Minas, Goiás e Mato Grosso.
Não se creia, porém, que o sistema sociocultural de São Paulo fosse do tipo missioneiro, ou paraguaio. A coexistência de culturas foi marcada, aqui, pela predominância dos padrões portugueses, e sempre mais à medida que corriam os tempos. Os líderes da comunidade piratiningana brancos ou mamelucos, falando embora língua-geral, usando arco e flecha, comendo farinha de mandioca, curando-se com a flora aborígine, dançando cateretê – tais líderes procuraram sempre manter a superimposição de cultura iniciada pelo jesuíta e o descobridor.
Daí decorre o que se poderia chamar, de um ponto de vista europeu, a depuração progressiva da subcultura caipira, acelerada no século XIX e já quase perfeita no atual, mas cujas raízes são velhas como o povoamento.
Continuando a tradição metropolitana, e por força de ordenações, a Câmara de São Paulo, como as demais, devia realizar, cada ano, as três festas do Corpo de Deus, da Visitação de Nossa Senhora e do Anjo da Guarda, de comparecimento obrigatório a todos os moradores, sob pena de sanções legais. E quanto aos folguedos de origem ameríndia, pelo menos alguns deles eram severamente reprovados pela Câmara, estabelecendo-se que “todo homem cristão branco, que não fosse negro de fora e se achasse em aldeia de negros forros ou cativos bebendo e bailando ao medo do dito gentio, sofresse severa punição”(54).
Desde o primeiro século, portanto, e apesar das condições propícias ao sincretismo, manifestava-se no Planalto, nitidamente, o antagonismo cultural. No entanto é preciso distinguir os aspectos por assim dizer oficializados da vida comemorativa e as manifestações verdadeiramente oficializadas da vida do povo. Esta conservou sempre, até os nossos dias, práticas oriundas da cultura aborígine, fundidas nas que provieram do dominador europeu. Não nos esqueçamos que, em toda a periferia de Piratininga, espalhavam-se as aldeias e vilas oriundas dos aldeamentos indígenas da catequese, e que foram o grande foco de tais práticas. A massa da população paulista, espraiada largamente pelo bandeirismo, participava sobretudo desse universo sincrético, não dos padrões preconizados pelos legisladores da Vila de São Paulo – dominantes, mas não exclusivos. À medida, porém, que marchava o tempo, os paulistas se incorporaram ao sistema geral do país e as cidades cresciam, a cultura caipira deixava cada vez mais os elementos indígenas em benefício dos europeus, e a vitória no longo processo veio afinal caber aos camaristas de mentalidade reinal. Enquanto tal não se dava, todavia, o cururu se formava e diferenciava, refletindo de algum modo a tensão cultural do meio planaltino.
Chegando a esta altura das considerações que venho fazendo, creio já ser possível esboçar um esquema final, sintetizando a sua formação e posterior diferenciação. Desse modo, ficarão respondidas, na medida do possível, as questões levantadas no início.
Das danças ameríndias, algumas passaram à cultura neobrasileira, se não na sua integridade, em elementos que se incorporaram a danças portuguesas ou formadas aqui. Esta passagem se deu pelo processo normal de difusão, ou foi, em certos casos, dirigida pelo catequizador jesuíta com reinterpretação em termos religiosos. Tanto numa quanto noutra, agiram as necessidades próprias da nova sociedade. (Enquanto o cateretê parece enquadrar-se nos dois casos, sendo dança predominantemente profana, o cururu se prende mais ao segundo.)
O cururu apresenta todos os traços descritos por Fernão Cardim, de maneira completa, e outros cronistas, fragmentariamente, como característicos das danças tupis. Por outro lado, aparece ligado a todas as festas tradicionais que se incorporaram realmente à cultura popular na primitiva área de povoamento. Tudo leva a crer que seja uma dança formada pela convergência dos principais elementos das danças tupis, apresentando deste modo um significado saliente para as populações neobrasileiras do Planalto. A hipótese da convergência, combinada à da intervenção jesuítica e do acentuado sincretismo luso-ameríndio da cultura caipira, sugere uma explicação possível para o fato de só se haver desenvolvido em São Paulo.
O cururu deve ter sido incorporado como complemento da dança de Santa Cruz, aqui formada, e em seguida da de São Gonçalo, aqui reformada. De modo mais autônomo, incorporou-se também aos festejos populares de junho, de Pentecostes e do Natal, já aí, provavelmente, menos por intervenção jesuítica do que por incorporação espontânea, propiciada pelo seu significado emocional para as populações mamelucas. Este fato sugere a conjetura de que ocorresse também isolado, desde cedo, como festejo-em-si. A este título, é provável que tenha sofrido, posteriormente, influências de danças e cantos de origem portuguesa, como o desafio à viola e a cana verde. Teríamos, então, o seguinte quadro:


Esta conclusão é hipotética, para não dizer conjetural, mas de modo algum fantasiosa. O atual cururu permite discernir, em todas as formas por que ocorre, elementos fundidos, cuja análise revela verdadeira sedimentação. Aplicando o critério tipológico, esses elementos se polarizam em torno de alguns padrões básicos, que revelam a existência, no tempo, de mais de uma modalidade.
As três modalidades – cururu-complemento, cururu-elemento e cururu independente – devem ter se formado sucessivamente, e o seu destino se liga às próprias vicissitudes do povoamento planaltino. Quanto à primeira, tudo leva a crer que só foi praticada na área piratiningana, onde veio até os nossos dias como parte das duas velhas danças. Encontramos a segunda por toda a zona tieteense e piracicabana, povoada no século XVIII, não havendo elementos para saber se floresceu noutras, de povoamento coevo (caminho do Anhanguera, caminho do Sul, área circundante de Itu) ou anterior (caminho do Rio de Janeiro). A área da terceira é a mesma, e não sabemos se antes ocorreu na da primeira.
Diante disto, não seria impossível concluir que a primeira modalidade foi também a mais importante, senão única a princípio, pois foi a que subsistiu na área de origem. A segunda ter-se-ia desenvolvido principalmente na área povoada dois séculos mais tarde, onde a dança exclusivamente religiosa não se difundiu, pois já a esta altura estava terminada a catequese. Tanto assim que a dança de São Gonçalo nela se difundiu segundo outros moldes, dissociada do cururu. Este aparece aí sobretudo como elemento dos festejos mencionados acima.
O fato de ocorrer em Mato Grosso e Goiás sobretudo a terceira modalidade sugere que no século XVIII ocorriam não apenas na área tieteense – de onde partiam as monções para a primeira capitania –, mas na piratiningana, onde se radicava o caminho para a segunda. Como quer que seja, a primitiva área de catequese viu florescer a primeira modalidade até os nossos dias; as duas seriam de aparecimento tardio e talvez nunca muito importante, tendo-se afinal extinguido. Nas outras áreas em que se expandiu o povoamento piratiningano, encontramos a segunda e a terceira modalidade na zona tieteense-piracicabana, e a terceira em Mato Grosso e Goiás. Mais do que sugerimos, seria difícil sugerir, sem cair na fantasia.


Texto publicado originalmente em Revista de Antropologia, vol. IV, n. 1, São Paulo, junho de 1956. Foi mantida a formatação bibliográfica do original.

(1) Poesia popular e mudança social, em elaboração.

(2) Andrade, 1942, p. 146.

(3) Geraldo Brandão, estudando a dança de São Gonçalo, mas abordando também a de Santa Cruz e o cururu, discute com pertinência alguns aspectos deste problema, procurando levar em conta não apenas a herança indígena, como a portuguesa, cujo inter-relacionamento íntimo sugere (v. Brandão, 1953).

(4) Beaurepaire-Rohan, 1889. Ver Martins, 1867, p. 44.

(5) Ver, respectivamente: Nordenskiöld, 1912, pp. 219-22 e Métraux, 1948b, p. 484; Nimuendajú, 1944, p. 32; Baldus, 1931, pp. 213-4; Baldus, 1937, p. 215; Baldus, 1936, p. 755; Métraux, 1948-a, p. 438; Snethlage, ap. Baldus, 1931, pp. 213-214 e 1937, pp. 215-6; Baldus, 1952, pp. 484-5.

(6) Ver, respectivamente, Nordenskiöld, cit., loc. cit., e Métraux, 1948-b, loc. cit., Nordenskiöld, cit., p. 266.

(7) Métraux, 1948-a, p. 448; Baldus, 1937, pp. 200-1 e 212.

(8) Baldus, 1937, pp. 212-3 e também 1931, p. 213. Do primeiro estudo parti para quase todas as referências acima.

(9) Baldus, 1937, pp. 213-6 e 1931, pp. 213-4.

(10) Barbosa Rodrigues, 1886-7, p. 315.

(11) Ribeiro, 1919, p. 230

(12) Colbacchini e Albisetti, 1942, pp. 395-6.

(13) Schmidt, 1912, pp. 109-10, 114-7, 123 (v. Métraux, 1946, p. 18); Döppenschmidt, 1951, pp. 107-8. Note-se que entre os guatós apresenta cunho puramente recreativo; entre os kinikinaus, está ligado a acentuados elementos religiosos, mostrando a dissociação funcional que se pode verificar no processo de difusão de cultura.

(14) V. Sílvio Romero, 1883, I, p. 132: “[…] Estes versinhos creio que são cantados e dançados, pois são precedidos destes: ‘Sapateiro novo/ me faz um sapato/ de sola bem fina/ pr’a dançar o sapo’. A quadra foi colhida em Sergipe. Seria uma reminiscência de dança deste tipo?”.

(15) V. discussão recente do problema em Schaden, 1954, § IV, que pende para a hipótese plausível de os guaianás serem tupiniquins.

(16) Métraux, 1946, p. 446.

(17) Carta de Nóbrega ao pe. Simão Rodrigues, julho de 1552, em Leite, 1940, pp. 29-30; Anchieta, 1933, p. 478; Cardim, 1939, p. 270.

(18) Nóbrega, cit., p. 32. Nóbrega, cit., p. 32.

(19) Esta reflexão não se refere, é claro, à política desenvolvida nas Missões do Sul e do Paraguai, mas à catequese do Brasil.

(20) Cardim, op. cit., p. 258.

(21) Idem, p. 271.

(22) Idem, p. 300.

(23) V. Confissões da Bahia, 1935, pp. 28-9, 78-80, 87-9, 104-7 e sobretudo 167-73, bem como as reflexões de Capistrano de Abreu no “Prefácio”, XVII-XIX. Notem-se dois tipos de apropriação do carisma por parte do catecúmeno: no caso da Santidade – em que o ex-aluno dos jesuítas batiza – há uma espécie de concorrência heterodoxa à atividade do padre; no do exemplo abaixo há reforço da catequese: “[…] e se acontece o padre não ir às aldeias, por não ficarem sem cinza eles a dão uns aos outros, como aconteceu a uma velha que, faltando o padre, convocou toda a aldeia à igreja e lhes deu a cinza, dizendo que assim fariam os Abarés, sc. padres, e que não haviam de ficar em tal solenidade sem cinza” (Cardim, cit., p. 280).

(24) Leite, 1938, 11, pp. 102-3. Cf. Couto de Magalhães, 1935, p. 317: “[…] a (dança) brasileira, essencialmente paulista, mineira e fluminense, é o catereté, tão profundamente honesta (era dança religiosa entre os tupis) que o padre Joseph de Anchieta a introduziu nas festas de Sta. Cruz, São Gonçalo, Espírito Santo, São João e Senhora da Conceição, compondo para elas versos em tupi, que existem até hoje e de que possuo cópia”.

(25) “Na verdade, entre a vida americana e o cristianismo, que principiava, era mister uma ponte.” Leite, 1938, p. 12.

(26) “Arremedam pássaros, cobras, e outros animais, tudo trovado por comparações.” Cardim, op. cit., p. 271. “Além desta celebram os mundurucús outras festas no correr do ano, mas não guerreiras; são as festas dos animais […] Depois de uma grande caçada fazem grandes danças em que arremedam a voz dos animais que festejam. […] cantam e dançam (os pariquis) várias peças, que, todas no canto mostram costumes de animais, assim como as danças arremedam o seu viver […], tendo cada animal o seu canto mais ou menos variado, mas sempre suave e harmonioso, tendo alguns semelhança com as nossas modinhas. […] Nestas danças (os tembés) imitam os costumes do animal que representam caçar.” Barbosa Rodrigues, 1881, pp. 43-53 e 50. Todas as tribos citadas são do grupo linguístico tupi.

(27) Léry, 1880, lI, p. 70.

(28) Cardim, 1939, p. 154.

(29) Soares de Sousa, 1851, p. 324.

(30) Métraux, 1946, pp. 468-9.

(31) Barbosa Rodrigues, 1881, p. 49; Nimuendaju, 1948, p. 319.

(32) Léry, 1880, II, pp. 71-2.

(33) Soares de Souza, 1851, p. 324.

(34) Cardim, 1939, p. 155.

(35) Wagley & Galvão, 1948b, pp. 175 e 1948a, p. 143.

(36) Cardim, 1939, p. 271.

(37) Cardim, 1939, pp. 312 e 300. O primeiro passo é referente a São Paulo e o segundo, ao Espírito Santo.

(38) Anchieta, 1948 e 1950.

(39)
Métraux, 1946, p. 468.

(40) Cardim, 1939, p. 155.

(41)
Soares de Souza, 1851, p. 324.


(42)
Wagley & Galvão, 1948b, p. 174.

(43) Idem, 1948a, p. 144.

(44) Staden, 1942, pp. 132-3. Cp. Thevet, 1878, p. 178.

(45) Salvador, s/d, p. 53.44 Staden, 1942, pp. 132-3. Cp. Thevet, 1878, p. 178.

(45) Salvador, s/d, p. 53.

(46)
Cardim, cit., p. 272. Cardim, cit., p. 272.

(47) Anchieta, 1933, p. 433.

(48) “Possivelmente Cururu venha da deturpação do vocábulo ‘cruz’, que o gentio pronunciava ‘curuce’, ‘curu’. A repetição da última sílaba é bem do sabor das línguas primitivas. E, como dança catequizadora, era realizada diante da cruz” (Maynard de Araújo, 1952, p. 23). Se tal hipótese fosse possível, teríamos um indício seguro para o esclarecimento do problema. Os especialistas do Departamento de Etnografia Brasileira e Língua Tupi-Guarani da Universidade de São Paulo, consultados, informam-me todavia ser improvável a derivação sugerida.

(49) Cardim, op. cit., p. 280.

(50) Barbosa Rodrigues, 1881, pp. 56, 57 e 59 e também 1890, pp. 279-86.

(51) Barbosa Rodrigues, 1881, p. 58.

(52) Alvarenga, 1950, pp. 206-7.
(53) Anchieta, 1933, p. 396.

(54) Taunay, São Paulo nos primeiros anos, apud Ribeiro, 1946, pp. 113-4. O citado ato da Câmara é de 19 de janeiro de 1583. As festas reprovadas chamavam-se genericamente tapuiadas.


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